Por: Antonio Henrique Couras;
Gostaria de começar esse artigo com frase “olá caro leitor, hoje comemoro minha centésima semana nesse posto”, mas o fato é que faz bem mais tempo do que isso, 123 semanas mais especificamente. Contudo, mais do que nunca quero celebrar o meu centésimo artigo junto com os leitores que me acompanham e junto à equipe deste site que tão generosamente me acolheu.
Nestes quase dois anos e meio que ocupo este posto, venho desenvolvendo minhas habilidades de escrita e, principalmente, minhas habilidades de observação do mundo ao meu redor e tomada de partido ante as injustiças do mundo. Tenho como lema de minha vida não me escusar de dizer a coisa difícil, de fazer o certo, de pensar na coletividade antes do indivíduo, enfim, de fazer o certo ainda que não seja a coisa mais fácil a ser feita. Nem sempre consigo, mas tento.
Um dos principais motivos de eu estar aqui celebrando esse centésimo artigo é meu ímpeto em celebrar a vitória do feito ante do perfeito. Gostaria de ter escrito cem maravilhosos artigos em exatas cem semanas, sendo sempre pontual em minhas entregas, mas nem sempre isso foi possível.
Houve semanas em que eu simplesmente me esqueci de escrever a tempo, outras em que minha saúde mental estava tão abalada que não conseguia fazer nada, ainda houve momentos em que simplesmente gripei, também houve momentos em que me faltou criatividade para escrever algo memorável, houve momentos em que tive que me contentar com o aceitável. E assim é a vida.
Esse período em que venho escrevendo essas tortas linhas, tem sido um dos mais difíceis e mais importantes de minha vida. Tive que me despedir de pessoas queridas, conheci outras pessoas que se tornaram fundamentais em minha vida. Nesses anos venho lidando diariamente com os desafios do mundo, com morte, doença, velhice e envelhecimento, mas principalmente com a incapacidade humana ante a grandiosidade da vida.
Vou aqui me valer, acredito que não pela primeira vez, da canção de Cartola que, sabiamente, diz que o mundo é um moinho e transformará nossas ilusões em pó. Apesar de que não é nem um pouco fácil encararmos o mundo sem óculos cor de rosa, ainda é melhor a dura realidade que uma doce fantasia. E esse espaço tem sido testemunha da minha luta cotidiana em enfrentar a realidade da vida sem perder o rebolado.
Ao mesmo tempo que é infinitamente mais fácil encararmos o mundo sem olharmos para os lados, sem vermos o sofrimento cotidiano de nossos irmãos, venho observando que para muitas pessoas também é mais fácil ver no mundo apenas maldade e tristeza. Essa dicotomia entre o bem ou mal absolutos é mais fácil do que pararmos para observar as infinitas nuances da existência humana.
Durante minha graduação me familiarizei com o conceito da filósofa alemã Hannah Arendt de banalidade do mal, em que ela explica, se valendo do exemplo dos nazistas durante a segunda guerra mundial, que muitas pessoas absolutamente comuns eram capazes de fazer maldades inimagináveis ou, no mínimo, ignorar que essas monstruosidades estavam ocorrendo ao seu redor.
Já há algum tempo que venho observando que não só o mal se tornou banal, mas o bem também. Aqui, por exemplo, poderia me ater às 23 semanas em que falhei em entregar meu artigo ao invés das 100 em que consegui fazê-lo, como vejo muitas pessoas fazendo. O mal, o descontentamento, a frustração ante o mal são tão grandes que muitas vezes nos esquecemos de observar o bem ao nosso redor.
Apesar de me recusar a ignorar a realidade, talvez por isso mesmo, me recuso a ver o mundo como uma série de problemas. Muitos adotam uma visão de mundo em que o capitalismo, a emergência climática ou tantos outros problemas são os atores principais de nossa vida e, por isso, a nossa existência deveria ser uma série incontornável de fatalidades. Discordo veementemente dessa abordagem.
O nosso povo brasileiro nos dá, cotidianamente, exemplos de como lidar com as agruras do mundo. Nessa última semana, uma mulher levou seu tio morto a uma agência bancária para fazer um empréstimo, e ante a notícia, o brasileiro fez o que faz de melhor: piada. E isso se deu inúmeras vezes, desde um padre que saiu voando sem rumo amarrado em balões de gás hélio, a um doido agarrado a um caminhão. A piada é o instrumento mais afiado do povo brasileiro.
Alguns poderiam trocar nosso país pela riqueza e conforto que a vida em outros países proporciona, mas eu sou apaixonado demais por esse povo que consegue rir do absurdo cotidiano.
O riso tem receita, segundo alguns altores. Não é nada muito difícil, basta o leitor imaginar qualquer piada bobinha e a receita está nela: o riso surge quando há a quebra de uma expectativa. É o palhaço que tropeça, é alguma travessura de Joãozinho ou a ignorância do português. E o que há de mais abundante no nosso mundo do que a quebra de expectativas?
Especialistas que estudam o brasileiro afirmam que esse modo de encarar o mundo é um mecanismo que desenvolvemos para lidar com essa realidade do absurdo. Afinal, o que fazer ante do absurdo de um defunto pegando empréstimo num banco senão rir? Primeiro rimos, depois enterramos o corpo e vemos o que fazer com a moça que arrastou um defunto por uma agência bancária.
Acho que o brasileiro que faz churrasco numa enchente, ri do defunto no banco ou do padre do balão é o mais sábio dos seres humanos. A vida é curta demais para esperarmos tudo ficar bem antes de darmos a primeira gargalhada.
Enfim, espero que o leitor tenha a paciência de ler minhas linhas por mais cem artigos, e a equipe do site tem paciência para lidar com mais 23 semanas em que eu falho em minhas entregas. A todos eu dou meu muito obrigado, e a todos convido para que nunca nos esqueçamos de rir ante do absurdo de nossa vida cotidiana.