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Tristeza não tem fim

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Por: Antonio Couras;

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Nessa semana viajei duas horas apenas para passar uma tarde com minhas amigas que estavam em outra cidade. Talvez em outro momento de minha vida fazer algo parecido jamais me cruzasse a mente, mas hoje tenho a consciência de que algumas horas no volante não são grande esforço se comparado aos benefícios de manter amizades vivas.

Vinicius de Moraes, em seu poema “A Felicidade”, diz uma máxima conhecida de muitos nós: tristeza não tem fim, felicidade sim. Por muito tempo eu acreditei ser um fatalismo do poeta, mas, ao contrário, vi que era um dos melhores conselhos que poderíamos ter. Ele continua em seu poema:

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar


A tristeza é como a escuridão de uma noite sem lua. Chega a ser esmagadora muitas vezes, mas a felicidade, como o brilho de uma estrela, por menor e mais breve que seja, é capaz de interromper a escuridão mais profunda. A felicidade tem essa capacidade de ser brilhante, ainda que efêmera. E como diz o poeta, como uma pluma levada pelo vento, precisa que esse vento seja constante para que ela não caia de seu voo. A felicidade, por sua natureza, precisa ser constantemente alimentada. Do contrário ela se esvai e a escuridão da tristeza nos toma novamente.

Eu, talvez por minha natureza medrosa e acanhada, reluto sempre em sair da minha concha em busca do que quer que seja, mas até eu já percebi que preciso sair do meu lugar comum se quiser alcançar o que mais preciso e desejo. Preciso viajar, cozinhar, convidar, presentear, ir… todos verbos que indicam ações. Acredito que seja sobre isso que Vinícius de Moraes falava, sobre a constante demanda de ação que a felicidade tem.

A vida é, no final das contas, uma eterna luta contra a tristeza em que temos que alimentar a felicidade constantemente. Precisamos cultivar as amizades, os amores, até os pequenos prazeres da vida como tomar nosso chá favorito numa xícara bonita.

Muitas vezes a nossa felicidade muda. Hoje um amor, amanhã outro. Talvez um amigo que precisamos dizer adeus quando sua amizade não faz mais sentido. Às vezes até uma carreira que outrora pareceu o único caminho a ser trilhado perde o seu sentido ou simplesmente se encerra gloriosamente. Alguns namoros se acabam e viram amizades, outros viram casamentos e outros fazem surgir amargores que durarão uma vida. Mas a nossa existência depende do movimento constante, e, muitas vezes, esse movimento demanda mudança.

A natureza nos dá um curiosíssimo exemplo disso: os caranguejos ermitas. São criaturinhas absolutamente curiosas. Apesar de, como todo crustáceo, possuir um exoesqueleto, a natureza lhe pregou uma peça e lhe deu um abdômen molenga que precisa da proteção de uma concha que seu corpo não produz. Então a criaturinha precisa vasculhar terra e mar para encontrar uma concha desabitada (as vezes a de um caramujo falecido, as vezes uma embalagem plástica resíduo de nós humanos).

E como se isso já não fosse esforço e vulnerabilidade suficientes, com o passar do tempo e conforme crescem, o caranguejinho precisa abandonar a antiga concha e encontrar uma que lhe acomode na sua nova fase de vida. E não pense que o crustáceo se acanha. Ele vive até 35 anos de mudanças periódicas e constantes.

Um primo seu, a lagosta, é considerada imortal (apesar de isso ser um mito), o que acontece, na verdade é que lagostas, como todos os decápodes, não param nunca de crescer, nem parecem envelhecer. Ainda que com muitos anos de vida, sua capacidade de caça e reprodução parece ser inalterada.

Um estudo feito com lagostas da costa dos Estados Unidos sugere que a razão desses animais não apresentarem uma diminuição na sua vitalidade conforme sua idade avança é devido ao fato desses animais possuírem uma produção constante de uma enzima chamada telomerase. Essa enzima é o segredo da longevidade das lagostas, estendendo a vida celular através da regeneração dos telômeros (componentes do núcleo celular responsáveis por transmitir as características hereditárias) retardando a senescência (envelhecimento celular), como uma fonte da juventude celular. Conforme as células se dividem, os telômeros ficam cada vez mais curtos, até um ponto em que deixam de existir e a célula entra em senescência. O que não ocorre com as lagostas.

Assim, apesar de mortais, esses crustáceos tem uma longevidade quase indeterminada. Morrendo apenas por fatores ambientais, ou, porque (o que nos interessa nesse artigo) a muda constante de exoesqueletos os leva à exaustão. Nos primeiros anos de vida, as lagostas jovens mudam de exoesqueleto frequentemente, mas conforme envelhecem o ritmo diminui, e conforme vão ficando maiores e mais velhas, mais difícil vai se tornando o processo de muda. Até que um dia a lagosta simplesmente perece por não poder sair da antiga casca que até então lhe protegia.

Curioso pensar nesse exemplo e percebermos que ainda que incapazes de envelhecer, a impossibilidade de crescer e mudar é o que realmente põe fim à vida desses animais. E talvez sejamos assim também. Somos imortais enquanto somos capazes de mudar e continuar buscando a nossa felicidade, e morremos no momento em que a mudança se torna impossível. Então que a morte não nos encontre presos em nossas conchas, mas simplesmente porque nosso corpo cumpriu sua missão, enfim, que a morte nos encontre vivos!

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