Por: Emerson Monteiro;
Passar o tempo neste apartamento de livros, quadros e fotografias me deixa precisando de repouso. Os discos, bons companheiros antigos, se transformaram em trecos repetitivos, lineares e aborrecidos.
– Vida de cidade grande. CIDADE GRANDE -, argumentos anêmicos. Razões do passado, quando plástico era elemento curioso, como espelhos e fitas coloridas dos portugueses aos índios.
Hoje, tudo ficou diferente, perdido que está o sonho da combinação artificial das cores. Aquilo de se ser um pouco de humano – de necessitar da natureza – não mais pode ter compensação nas noitadas em frente aos vídeos, jogos de futebol e cinema. Quer-se viver de verdade. Viver de verdade (engraçado, não fosse trágico). Hora de decisão. Onde sobra querer demorar um pouco mais.
É noite de lua cheia. (- Mas hoje não é quarto crescente?).
Pouco importa a lua. Vivemos o expediente. Quinze para as quatro, esquina da Piedade amanhã. Viver. Vegetar. Utopia em antítese. O retorno, a síntese.
As mariposas nunca mais procuraram a luz. Luz artificial industrial. Noites de cidade. As noites de apartamento. Ausência de vida pelo ar. Um cheiro de incenso envelhecido, de mofo. Vidas artificiosas nos jornais, nas revistas. Sonhos andam escassos, esgotados pelos desanos (anos de desenganos). Ausência completa de neologismo. Um mundo de silogismo e sofismas. Saudades amarelecidas, nos varais em volta.
Como dizem os que quebraram a cara: – Do erro, a recuperação.
De uma falha burocrática de antes, a máquina tomou o lugar do Homem, dono do Planeta, na ordem natural das coisas. Alguns sacrificaram todos. Cidades em volta das fábricas. Cidades em tudo. Monstros de ferro e fogo. A própria brutalidade envidraçada.
Assim, muitos anos. Assim, em volta espiralada. Sofisticação universal de centros cercados de substâncias apodrecidas. Noites de floresta. O mundo fantasioso dos ancestrais. As histórias de Bradbury. Vida marciana. A beleza em tudo. O amor. A consciência. A justiça. A igualdade. O sonho. A liberdade. A vida. O trabalho. A honestidade. O equilíbrio. O frio. O quente. O açúcar. O sal. O som. As flores. As árvores. A criação. Deus.
A Coca-Cola gorou. A raça se levanta devagar. Levagar. O ovo. O novo. Tempo transcorrendo no vento e uma sensação de calor. Uns descem, outros sobem a Avenida Sete, às 9h de um sábado de primavera, no fervor do comércio. O Sol. A procura do não se sabe o quê. Do não se sabe onde. Preço químico dos acrílicos bocejantes nas encostas dos morros. O rapa expulsou os hippies. Salvador do turismo, como meretriz sorridente, segue pras bandas da Praça da Sé – pela Rua Chile. Cheiro baiano de África, de Continente Negro. A manhã – a manha… amores de dendê – de onda do mar – de areia branca – das madrugadas de Itapuã – de sabor de sal na pele o dia todo.
Uma noite a mais pela frente. A lua crescendo. Os discos nem sempre silenciam. Mesmo porque (de que adiantaria?)… os carros cobririam o silêncio. Apartamento é como caixa de som, tem vibração, tem tudo.
(Escrito em 28.10.1976).