Por: Antônio Henrique Couras;
Lembro-me de uma vez, em que em de uns muitos cafés da tarde oferecidos na minha casa, ainda na época da faculdade, em que tive que sair antes do que seria educado para poder chegar a tempo de assistir à primeira aula da noite. Mesa posta, todos sentados, e Tia Maria, quando me vê saindo de fininho, me fulmina com um olhar, e, de xícara em punho, profere:
-Que falta de estilo!
Acredito que ter estilo é o que nos salva, muitas vezes, da total loucura.
Na última semana tive o enorme inconveniente de passar quase quatro dias sem luz elétrica. O iogurte na geladeira pereceu no primeiro dia. As velas votivas foram profanadas de sua função mais nobre com a de nos impedir de tropeçar nos móveis à noite ou de pisar em algum invertebrado que passeasse pelo chão da casa na madrugada.
Graças a Deus, a caixa d’água sobreviveu tempo o suficiente para nos permitir o luxo da água encanada. Os banhos gelados que tanto detesto se tornaram meu maior prazer nesses dias. Um calor de mais de 30 graus dia e noite, com uma humidade relativa do ar acima de 80% formam o clima perfeito para orquídeas e samambaias, para mim foi um calvário.
A cama deu lugar à rede, as cobertas ficaram intocadas. Por noites eu me senti um membro da comitiva real fugida de Napoleão chegando nos trópicos. Suando em bicas, me abanando com leque e passando as noites insones à luz de velas. Os banhos frios se tornaram um prazer, e mais que eles só o prazer de ir a uma loja de conveniência ou farmácia e comprar uma singela garrafinha de água gelada.
Já à tarde, eram enfileirados os castiçais na mesa da sala de jantar, os tocos de vela eram jogados em um bule esmaltado para serem reciclados, e novas velas eram colocadas em seus postos, e ascendidas ao cair da noite. Um ritual particularmente refinado se formos observar a história em que reinavam as lamparinas alimentadas com óleo vegetal ou até mesmo óleo de baleia. Velas em castiçais de bronze eram um luxo que poucos podiam arcar.
Graças à Providência não nos rendemos aos modernos fogões elétricos. O fiel fogão a gás foi nossa salvação na ausência das práticas chaleiras e cafeteiras elétricas. Do contrário teríamos que usar lenha numa cozinha externa para evitar deixar a casa totalmente enfumaçada (falo com propriedade pois instalamos um forno de pizza na cozinha que foi usado pouquíssimas vezes já que além de demorar horas para aquecer, defumava a casa inteira fazendo até as muriçocas caírem em parafuso totalmente asfixiadas).
Ainda que tomar chá ou café fosse a última coisa que passasse pela minha mente nesses dias de calor, lembro-me de minha vó que tinha sua xícara favorita, de opalina branca, última de seu conjunto, em que bebericava seu café todas as tardes antes das visitas costumeiras chegarem. Nunca foi uma avó doce, mas deixou essa lição. Nunca esteve com o cabelo desalinhado, unhas por fazer nem sequer ficava sem anágua.
Em momentos como os que vivi esses dias, eram esses rituais, quase toaletes, que mantiveram alguma sanidade. O varrer a casa para tirar os mosquitos mortos da noite anterior, o enrolar a rede, o dobrar os lençóis, organizar as almofadas no sofá, regar as plantas, até o perfume de flor de laranjeira após os banhos para ajudar na serenidade da mente.
Dizem que as modas passam, mas o estilo permanece. E eu acredito que são os momentos que nos testam que provam o que realmente é o nosso estilo. Se é o nosso estilo ser esmerado com os afazeres domésticos, ou se o nosso estilo está em sair e viver o mundo.
Se é o nosso estilo permanecer quando as coisas ficam difíceis ou se nos é mais afeito identificar situações problemáticas e evita-las desde o início.
Estilo é, afinal de contas, mais do que a escolha da sua xícara preferida ar tomar café ou usar os castiçais para colocar as velas quando falta luz ao invés de potes de conserva.
Estilo é quase que como um sintoma da nossa personalidade e do nosso verdadeiro eu, que escapa de nós quase como uma expiração, sem que percebamos ou pensemos nisso. Estilo é o saber viver e enfrentar o mundo sendo nós mesmos.