Por: Antônio Henrique Couras;
Como agora sou portador de um namorado, resolvemos ir ao cinema. Pode parecer uma coisa banal para muitos, mas para um casal de homens gays beirando os 30 anos é algo como desfilar em uma escola de samba para a maioria.
Para os leigos eu explico: para nós abençoados com a homossexualidade, as coisas andam num ritmo um pouco diferente. Ainda mais para quem não nutre mais o viço da tenra juventude. Ao invés de partimos do manual romântico do século 19 de troca de olhares, mãos dadas e beijos furtivos. Os finalmentes vêm primeiro para só então partirmos para os entretantos. Acho prático.
Devo admitir que romantismo nunca foi meu forte de qualquer forma. Aos 30, não me preocupo em achar o príncipe encantado de armadura brilhante. Ele escreve sem erros gramaticais e tem carteira assinada com um bom salário. E para coroar toda a glória da praticidade, a mãe mora em outro continente. Sem brigas sobre onde passar o natal.
Depois de vários encontros em que eu fugi de seu pedido de namoro, sucumbi à coxinhas, empadinhas e pastéis acompanhados de um olhar de cachorro que caiu do caminhão de mudança. Aceitei seu pedido de namoro.
Como fui ensinado, em casa de sapo de cócoras com ele, agora que estamos namorando, o protocolo exige algo mais que ficar lagarteando de barriga cheia depois de comermos demais.
Vamos ao cinema? Vamos.
Data marcada, roupa escolhida, pego o rapaz de carteira assinada que me conquistou e vamos ao shopping. Saímos do carro. E agora? Ora mais, é 2024, homofobia é crime inafiançável e gosto de ser desafiador. Damos às mãos.
Que decepção. Nenhum olhar de reprovação. Aliás, foram vários, mas por estarmos atrapalhando o fluxo de pessoas pelo shopping. Casais tem dessas coisas. Descemos as escadas rolantes, ainda de mãos dadas quase damos um nó escapando de uma senhorinha com sorvete na mão, um carrinho de bebê e um casal que argumentava onde seria melhor pagar o estacionamento.
– VIRA À ESQUEDA!!! CUIDADO COM O CARRINHO DE BEBÊ! OLHA A SENHORA!
Escapamos.
Mais alguns passos chegamos a uma loja de tênis. Finalmente começamos a missão de deixar meu namorado bem vestido. Saímos, compramos o lanche e nos dirigimos ao cinema. A essa altura as mãos dadas já são uma necessidade. Meu namorado é mais perdido que cego em tiroteio. Se eu solto a mão dele, ele para em alguma loja de utensílios domésticos e compra uma lavadora de pressão ou robô de limpeza.
Finalmente chegamos ao cinema. Filme indicado ao Oscar, Sala Vip com cadeiras confortáveis. Lanche para acompanhar. Nada podia ser mais romântico.
Ficamos abraçados parecendo um casal de filme de romance. A perna dá uma câimbra, o braço fica dormente. Onde está o rosto dele? O beijo foi no olho. Cuidado para não sujar meus óculos. Muda de posição que atacou a lombar. Agora foi o ciático. A poltrona é meio desconfortável… Como que adolescente faz isso parecer tão fácil?
O filme é ótimo. Rimos com um trecho sobre amor prático que nos lembra de nós mesmos.
Filme termina, nos alongamos e fingimos que estamos levantando de uma nuvem e que ninguém vai precisar de um analgésico quando sair dali.
Mãos dadas, ainda atrapalhando o fluxo. Desviamos de uma família que parece ter dezoito membros e uns três carrinhos de bebê. Entramos numa loja, nos perdemos. Descemos, achamos alguns itens que servem. O caixa é em outro andar. Subimos de novo. Ainda de mãos dadas. Sorriso no rosto, e fingindo a inexistência dos espasmos musculares. Uma fila enorme. Saímos dali e vamos para de volta para o carro.
Cadê o homem? Soltei a mão dele e ele já quase assinou um plano com uma operadora de celular. Volta aqui!
Saímos dali e entramos no edifício garagem nos encaminhando para o carro.
-Amor, você notou que ninguém olhou estranho para a gente?
-Notei!
-E é assim que a gente faz a nossa parte para normalizar dois homens andando de mãos dadas no shopping e indo ao cinema.
Uma coluna dolorida, alguns esbarrões e várias risadas. É assim que vamos fazendo a nossa parte para que mais ninguém precise ir a primeira vez ao cinema com seu namorado só aos 30 anos de idade.