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Vingança

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Por: Antonio Couras;

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Das vantagens que descobri há algum tempo em morar relativamente longe da cidade está a possibilidade de momentos livres para ouvir notícias, músicas, ou como venho fazendo ultimamente, podcasts sobre história antiga. No trajeto de aproximadamente meia hora que separa minha casa das atividades que tenho que fazer na cidade, a minha mente curiosa pode mergulhar em histórias sobre o que hoje conhecemos como Síria, bem como trazer lembranças das aulas de Direito na faculdade e dos ensinamentos cristãos que minha mãe sempre me deu.

Enquanto dirigia meu carrinho entre um afazer e outro, ouvia sobre como as cidades e comunidades da Síria era prósperas e bem conectadas. De como, naturalmente, através das dinastias, elas tentavam subjugar umas às outras, e algumas dessas foram bem sucedidas, mas o povo que mais se destacou nessas batalhas pelo controle da região, foi um povo chamado Amorita.

Os Amoritas não eram uma única tribo ou povo, na verdade, “Amorita” é um termo que designa um determinado grupo de pessoas que viviam em uma certa área, no caso a área a oeste do rio Eufrates. “Amorita” seria, então, algo como “ocidental”. O que faz muito sentido se considerarmos que quem cunhou o termo foram os mesopotâmicos, ou seja, o povo que vivia na área delimitada pelos rios Tigre e Eufrates.

No geral, os Amoritas não eram o melhor tipo de súdito que um rei poderia pedir. Eram nômades, logo difíceis de serem taxados ou recrutados para o exército. Ironicamente, apesar da fama de bárbaros que comiam carne crua e se vestiam de peles de animais, os Amoritas eventualmente tomaram a Babilônia e produziram alguns dos melhores governantes que a região já teve.

No transcorrer de alguns séculos, os Amoritas se espalharam por todo norte da África, se fixando em novas áreas e dando origem a novas comunidades. Nesse processo, alguns grupos se instalaram em Babilônia, uma cidade-estado perto da atual Baghdad, no Iraque.

Os amoritas que ali se instalaram não tomaram a cidade como alguns podem pensar, mas com o passar do tempo sua população cresceu juntamente com a sua produção agrícola e poderio econômico e político. Depois de não muitas gerações, os Amoritas já faziam parte da sociedade babilônica, chegando a ocupar postos de liderança e até o próprio trono.

O primeiro rei amorita a ocupar o trono da Babilônia foi Sim-Mubalite, que após aproximadamente vinte anos no poder abdicou em favor do seu filho, um sujeito que o leitor talvez já tenha ouvido falar: Hamurabi. A nova tradição amorita de passagem pacífica de poder para uma nova geração era algo inovador na antiguidade, e até hoje pouco usual naquela região.

Hamurabi foi o mais bem sucedido governante amorita de que se tem notícia. Ele expandiu seu reino, reformou seu governo e suas leis e estabeleceu o modelo para um bom governo.

Hoje o conhecemos mais pelo seu famoso código de leis.
O Código de Hamurabi é uma coleção de 282 leis que tratam de um vasto número de temas. Não é o código de leis mais antigo, mas se provou mais influente na política e relações internacionais, já que ao invés de focar em compensar a vítima de um crime, como os antigos códigos sumérios, o Código de Hamurabi focava em punir fisicamente o perpetrador (medida que hoje, quase quatro mil anos após seu tempo, tentamos reverter).

Foi também um dos primeiros códigos a impor limites no que a pessoa lesada poderia fazer em contrapartida, e um dos mais antigos exemplos da ideia de presunção de inocência, afirmando que o acusado e acusador têm a oportunidade de prover evidências. A estrutura do código é bastante específica, com cada ofensa recebendo uma punição específica. Muitas dessas resultando em morte ou desfiguração, ou o uso da “Lei de Talião” (olho por olho e dente por dente)

Curioso pensar que levou quase dois mil anos para que aparecesse na Galileia um pregador de nome Jesus, que sugeriu que ao invés de retribuirmos nossos ofensores com a mesma moeda, subvertêssemos a prática do “olho por olho e dente por dente”. Que virássemos a outra face.

Ainda hoje, no mundo jurídico, lutamos para o fim das medidas punitivas, ao invés, lutamos por uma justiça restaurativa. Hamurabi estabeleceu um código que, basicamente, impunha limites à vingança. Até hoje é constante termos que relembrar que as leis e o direito não existem para vingar quem quer que seja, mas sim punir aqueles que infringem as leis postas.

Contudo, um novo movimento surge. De nada adianta punirmos um infrator com uma pena que apenas fará mal a ele e à sociedade. Hoje começamos a entender que crimes contra o patrimônio, por exemplo, não são motivos para que cerceemos a liberdade de um indivíduo, ainda mais se considerarmos a dinâmica social em que vivemos, que em muitos casos torna o crime a única alternativa para muitos. Advoga-se para que sejam submetidos a penas privativas de liberdade apenas aqueles que perpetrem crimes violentos ou contra vida, de resto, há uma infinidade de possibilidades que quebram o ciclo da criminalidade bem como, de fato, compensam as partes lesadas.

Na vida cotidiana, por outro lado, é comum sermos submetido por esse sentimento nada nobre que faz com que desejemos que aqueles que nos fazem mal, ou que fazem mal aos nossos que, subitamente, se engasguem com um caroço de manga. Nada cristão, eu sei.

Mas ainda sou um mero aprendiz da doutrina do Salvador. Estou longe de ser santo.
O professor Moreno, contador das mil histórias no podcast Noites Gregas, nos traz uma cápsula de mil e quinhentos anos depois da época do Nazareno. Na Inglaterra de William Shakespeare, George Herbert expressou um sentimento que já era consenso entre os sábios: a melhor vingança é viver bem.

Segue o professor: “Quer acertar as contas com alguém? Então, em vez de lhe fazer algum mal trate de fazer o bem a mim mesmo. Minha vida vai ficar melhor enquanto a inveja se encarrega de tornar a dele miserável. Minha doce vingança, portanto, vai ser aquela tristeza que os invejosos sentem com a alegria dos outros. A mesma que atormentava o grande general grego Temístocles, que não podia dormir só de pensar nos troféus conquistados por Milcíades, seu rival, grande vencedor da batalha de Maratona. Quanto a mim, não sou exigente. Como o poeta Heine, eu me contento com pouco: cabana modesta, telhado de palha bem simples, mas uma boa cama macia. Manteiga, queijo e pão fresco. Em frente à porta uma cerquinha branca e uma bela e frondosa árvore. E se os deuses quiserem me fazer completamente feliz, vão me dar a alegria de ver em seus galhos seis ou sete dos meus inimigos balançando na ponta de uma corda.”

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