Há muitos anos sou fascinado por aqueles pequenos pacotinhos de sementes que encontramos em mercados e lojas de materiais para agricultura. Infelizmente sempre fui uma negação no cultivo das pobres coitadas.
Lembro-me de, muito jovem, tentar semear algumas flores, mas a inconstância da tenra idade me fez esquecer completamente a respeito delas. Meses depois me deparei com os tristes saquinhos de terra ressequida. Acredito que aquele foi o meu primeiro fracasso de semeador.
Os anos passaram, e já mais velho, fiz uma enorme quantidade de mudinhas em copinhos descartáveis na varanda do apartamento. Crendo que já adulto e com algum conhecimento a respeito da semeadura, teria sucesso. A realidade sempre vem para nos ensinar a humidade não é?
A grande maioria das sementes saíram de seus invólucros terrenos em poucos dias, contudo, apesar do cuidado com as regas, o sol da manhã… a grande maioria não saiu de seu copinho para conhecer a terra profunda e fértil do jardim.
Minhas últimas aventuras, já realizadas esse ano, giraram em torno de semear um canteiro de girassóis que foi cuidado também com bastante esmero. Plantei-os em um local em que suas futuras flores fossem apreciadas, em que a água da chuva os lavasse abundantemente, não deixei as ervas daninhas se alastrarem, coloquei um bom adubo nas suas covinhas, mas os girassóis desabrocharam parecendo pequenas margaridinhas.
Plantei raríssimas proteas, infelizmente de uma fonte um pouco duvidosa, em uma bandeja de germinação aninhada em uma pequena estufa feita com plástico transparente para manter a umidade constante. Brotaram alguns matinhos e uns trevos. As benditas sementes deram origem a fracas brotações que logo mofaram e sucumbiram.
Na última semana semeei novamente. Dessa vez algumas calêndulas. As brotações já começaram a surgir e o futuro a Deus pertence. Será que dessa vez conseguirei colher as tão desejadas flores? O tempo dirá.
Lembro-me de por semanas e mais semanas, na hora do evangelho no lar (hábitos de mamãe), lermos uma passagem que afirmava e reafirmava que qualquer boa ação feita sem fé era quase que vazia de sentido, o que eu discutia fervorosamente dizendo que muitas pessoas que não prestam reverência a nenhuma divindade só não são capazes de realizar boas ações, como são as que praticam o bem de forma mais altruísta. Não fazem o bem por ser o que Deus disse, ou para garantir que, após a morte, terão um bom destino. Fazem o bem por fazê-lo.
Demorou algum tempo para que eu entendesse que a mensagem que se repetia dizia algo um pouco diferente. Ali não havia referência à fé que depositamos em Deus, mas a fé que depositamos em nós mesmos e em nossos irmãos. A esmola que eu dou não é porque Deus assim o exige de mim, ou para que eu consiga um lugar mais ilustre ao seu lado no paraíso.
Dou a esmola com a fé de que aquelas poucas moedas possam contribuir com o dia daquele meu irmão necessitado. Semeio não mais buscando as flores, semeio, pois, tenho fé que as sementes brotarão e seguirão o seu caminho.
A essa altura não sei mais se a minha fé se tornou o motivo para eu ser um assassino em série de pobres plantas que sucumbem à minha inépcia como jardineiro, mas é ela que me motiva a seguir semeando apesar dos meus fracassos anteriores.
Infelizmente, contudo, nem sempre temos a fé que necessitamos, muitas vezes, para o nosso próprio desenvolvimento. Digo, sem nenhum pudor, que nos últimos tempos tive mais fé nas flores dos girassóis do que em mim mesmo. Teriam as sementes acabado pela falta de fé em si mesmas?
Fato é que muitas das flores que consegui cultivar através dos anos, floresceram, várias vezes, por teimosia minha. Me recusei a aceitar que meus jacarandás não dariam flores. Mais de uma década se passou desde o seu plantio, mas finalmente tenho uma tímida floração que me enche de orgulho. E toda vez que alguém elogia o esparso tapete de flores lilases que se forma no gramado, digo que demorou mais de dez anos para que aparecessem as primeiras. Hoje frequentemente encontro filhos do desgrenhado jacarandá nascendo a esmo no jardim.
Não sei se a árvore prosperou por si mesma ou a minha fé contribuiu com a sua capacidade de florir. Contudo, o que eu observei foi que a fé tem a capacidade de fazer vingar os mais desafiadores vegetais, e, no meu caso, um escritor amador.
Sempre digo que a modéstia, “a virtude possível dos medíocres” nas palavras de Agualusa, não é um defeito que possuo. Me orgulho dos meus méritos e habilidades, contudo, essa consciência de si vem atrelada ao reconhecimento da enormidade de defeitos e faltas que possuo, e talvez essa consciência me impeça de depositar em mim mesmo a mesma fé que sempre deposito nas sementes que planto.
Contudo, ainda sou enorme defensor da fé. Talvez a mesma fé que eu depositei por mais de uma década numa desengonçada muda importada, tenha sido depositada em mim por minha mãe. Não sei se na esperança das flores ou no simples desenrolar natural dos ramos, mas o fato é que a fé que muitas vezes falta em mim, sobra nela.
E não ache o leitor que estou aqui para “rasgar seda”, eu já o faço cotidianamente, mas deixo aqui registrada a verdade que venho aprendendo com o tempo: de fato, a fé move montanhas.
Tenham fé em si mesmos, e na falta dela, tenham fé em seus irmãos aqui na Terra e acreditem na fé que é depositada em vocês. Muitas vezes a fé é tudo que temos e, talvez seja a diferença entre uma semente que nunca vê a luz do sol e aquela que não só floresce, mas que também gera suas sementes.