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O governador filósofo e um notável engenheiro brasileiro

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Nas duas décadas que se seguiram à instituição da República no Brasil, dois grupos disputavam o poder político na Paraíba.

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Um sob a orientação de Venâncio Neiva e Epitácio Pessoa, respectivamente o governador e o secretário-geral do primeiro governo republicano no Estado. O outro, sob o comando de Álvaro Machado e do seu fiel seguidor, o padre Walfredo Leal.

Em 1912, em um acerto conciliatório, os dois grupos resolveram indicar o então senador João Pereira de Castro Pinto para a Presidência do Estado por conta do bom relacionamento que ele mantinha com as duas correntes políticas adversárias.

Castro Pinto era amicíssimo de Epitácio Pessoa, seu colega de turma na Faculdade de Direito, mas a sua ascensão na política se dera no grupo do oligarca Álvaro Machado que, por cerca de vinte anos, dominou a política da Paraíba.

Na época áurea da Faculdade de Direito do Recife, Castro Pinto se sobressaíra ao ponto de merecer do jurista Clóvis Bevilaqua, professor da instituição, o seguinte comentário: “orador brilhante, erudição notável, figura de destaque”. Nos anos finais do Império, Castro Pinto fora uma das principais figuras do movimento abolicionista da Paraíba. Com a instituição da República fez parte da Assembleia estadual que elaborou a primeira Constituição do Estado. Depois, atuou com jornalista, procurador federal, exerceu o magistério na Paraíba, no Rio de Janeiro e no Pará e voltou à política, como deputado estadual e federal e, em seguida senador. A atuação de Castro Pinto nas tribunas da Câmara e do Senado fez com que a sua eleição para a Presidência da Paraíba criasse uma grande expectativa na imprensa do país com relação ao seu governo.

Ao assumir a Presidência do Estado, Castro Pinto tomou várias medidas administrativas inovadoras, fazendo com que as ações do seu governo tivessem repercussão em todo o país. Mas, no âmbito estadual, muitas dessas medidas desagradaram aos dois grupos que o elegeram governador e, como escreveu Gonzaga Rodrigues, “de empolgação unânime como candidato de conciliação, aos poucos foi se vendo imprensado e moído pelos interesses insaciáveis e furiosos dos oligarcas hoje em estado de estátua”. Na eleição de 1915, na qual os dois grupos políticos que disputavam o poder na Paraíba resolveram medir forças, Castro Pinto tomou uma posição de isenção, o que acabou contrariando os dois lados, fazendo com que, nas palavras de Horácio de Almeida, ele sofresse uma “campanha de injúria e ridículo, como nunca houve igual na imprensa da Paraíba, contra um chefe de Estado”. Castro Pinto renunciou ao governo, abandonou a política e nunca mais colocou os pés na Paraíba.

Alguns perfis que foram feitos sobre a personalidade de Castro Pinto criaram uma falsa impressão sobre o seu período no governo do Estado. Para Oswaldo Trigueiro, “Castro Pinto era tido como filósofo, no sentido popular da expressão. Quer dizer, era um idealista, um teórico, um sonhador, inteiramente desprovido de espírito prática”. Samuel Duarte, ex-presidente da Câmara dos Deputados, considerava que Castro Pinto “nascera para a especulação filosófica, o debate científico, a criação literária e, melhor ainda, o ensaio crítico e que, entretanto, os ventos do destino fizeram extraviar-se nos rumos da política”.

Embora Castro Pinto fosse um estudioso da Filosofia, as suas ações no seu reduzido mandato no governo da Paraíba desmentem, de forma categórica, uma possível falta de pragmatismo nas medidas administrativas que ele tomou, entre as quais podem ser destacadas: a proibição dos juízes exercerem atividade político-partidária (vedação que ainda demoraria duas décadas para ser adotada pela legislação federal); o combate ao cangaceirismo que assolava o Estado na época; reformulação da Polícia Militar, designando para o seu comando dois oficiais do Exército lotados no Rio de Janeiro; pioneirismo no ensino profissionalizante com a instalação de uma Escola de Comércio; incentivo ao ensino noturno para aqueles que trabalhavam durante o dia; criação de uma Universidade Popular no modelo que estava sendo desenvolvido na Europa, dentre tantas outras medidas.

Uma das decisões mais marcantes do governo de Castro Pinto foi a adoção das providências para o saneamento da capital do Estado, a então chamada Cidade da Paraíba. Na sua primeira Mensagem à Assembleia legislativa estadual, em 1913, ele expunha a situação:

“Vivemos aqui insulados por fócos de infecção, que circulam com pequenas soluções de continuidade a area urbana da Parahyba […] Só pela construcção das galerias de esgotos, trabalho que demanda uma verba de despesa descommunal para o orçamento do Estado, conseguiremos obviar a um inconveniente de tal gravidade.

Esse melhoramento, como o do esgoto de fézes e materias servidas nos domicilios, são injunções a que nos não podemos esquivar sob pena de aggravarmos extraordinariamente a constituição medica desta capital, dados os progressos surprehendentes de sua população. A Parahyba já não augmenta a olhos vista pelo numero de predios que se edificam, mas pelo numero de ruas que se improvisam, embora nas mais deploraveis condições de hygiene e architectura.

Na própria Mensagem ao legislativo Castro Pinto já antecipava as primeiras medidas que ele tomara com relação a minorar tão grave problema de saúde pública:

[…] a vinda a esta capital do Dr. Saturnino de Britto, uma das maiores competencias technicas nessa especialidade. O illustre engenheiro estudou minuciosamente, nos dias em que se demorou aqui, o plano das obras respectivas, cujo projecto aguardo para servir de base á concurrencia publica dos que melhores garantias offerecerem á concessão do serviço, de accordo com o maximo de vantagens garantidas á população”.

O engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de Brito já era, na época em que foi contratado pelo Presidente Castro Pinto, a maior autoridade do país em engenharia sanitária. Nascido em Campos, diplomado em 1884 pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, Saturnino de Brito começou trabalhando como engenheiro ferroviário e, a partir de 1892, passou a se envolver com projetos de saneamento e urbanismo, elaborando planos e executando obras em mais de cinquenta cidades em quase todos os Estados brasileiros. Saturnino de Brito publicou inúmeros estudos técnicos e científicos sobre a sua área de atuação, muitos deles com repercussão internacional, mas também vários artigos sobre economia, sociologia e administração pública. Nos anos de 1942 e 1943, esses escritos foram reunidos e editados, em 23 volumes, pela Imprensa Nacional.

A contratação do engenheiro Saturnino de Brito feita pelo Presidente Castro Pinto para obras na Capital do Estado contemplava, além do projeto de saneamento, um plano de expansão urbanística para a cidade, em uma área de cerca de 100 hectares, cuja originalidade foi objeto da análise dos professores e arquitetos Alberto Sousa, Helena de Cássia Nogueira e Wylnna Vidal:

“O traçado que o engenheiro projetou para tal área era surpreendente, por sua originalidade e seu caráter inovador. Assimétrico e muito irregular, ele diferia radicalmente dos traçados feitos no Brasil nas três décadas precedentes, distinguindo-se inclusive daqueles concebidos anteriormente pelo próprio Saturnino – dentre os quais se destacava o proposto para Santos, em São Paulo. Ademais, ele mantinha-se original mesmo se considerado no contexto internacional, uma vez que não se assemelhava a nenhuma das soluções adotadas pelos planos urbanísticos mais conhecidos produzidos, na época, na Europa e nos Estados Unidos”.

Em março de 1914, o trabalho de Saturnino de Brito estava concluído e o projeto e as plantas correspondentes foram entregues ao governo do Estado. Na Mensagem à Assembleia Legislativa naquele ano, Castro Pinto indicava os próximos passos que seriam tomados pelo governo no sentido de viabilizar as obras:

“O grande engenheiro brazileiro, auctor d’esse projecto, é de opinião que é duvidoso o resultado se as obras não forem realizadas por administração, suggerindo a idèa de um emprestimo exclusivamente destinado a esse fim, não querendo, entretanto, assumir a responsabilidade das negociações”.

Em julho do ano seguinte, Castro Pinto renunciou à Presidência do Estado. No seu discurso na passagem do governo ele destacou as providências que foram tomadas com relação ao saneamento da Cidade da Paraíba:

“Ressalto como melhoramento preliminar, de uma urgencia cada vez maior á proporção que augmenta esta capital, uma rêde de exgotto. Fiz o que foi possivel; como documentação do que assevero ahi está impresso o substancioso parecer do dr. Saturnino de Brito, com as plantas respectivas, attestando a iniciativa da administração publica. Puz em concorrencia a construcção do exgotto projectado: ainda hoje nada se conseguiu de positivo. Emprehender as obras administrativamente é impossivel com as rendas que dispomos. Recorrer ao emprestimo é uma aventura que pode ser das mais desastrosas. Aguardemos melhor opportunidade, que de um momento para outro se nos pode deparar […]”

Somente em 1923, dez anos depois da elaboração do projeto por Saturnino de Brito, é que foram iniciadas as obras de saneamento na Capital da Paraíba. O Presidente do Estado Solon de Lucena registrou, na ocasião, que “desde o govêrno Castro Pinto que a Parahyba clama, a bem da hygiene e da saúde publica, pelo serviço de exgotto”. As obras de saneamento da cidade foram contratadas com o próprio engenheiro Saturnino de Brito que, na impossibilidade de se afastar do Rio de Janeiro, indicou para supervisionar os serviços outro renomado nome da engenharia brasileira, o professor da Escola de Engenharia de Belo Horizonte e então diretor de Viação e Obras Públicas de Minas Gerais, Lourenço Baêta Neves, que foi cedido à Paraíba pelo governo mineiro. Em 24 de janeiro de 1926, foram entregues as obras de esgoto e ampliação do serviço de água da Capital do Estado e, conforme o relatório do Presidente João Suassuna, “recebeu-as o Estado das mãos do notavel profissional dr. Francisco Saturnino Rodrigues de Britto, que as reputou concluidas sob o ponto de vista technico”.

Três anos depois de concluída a primeira etapa do saneamento da Capital da Paraíba, o engenheiro Saturnino de Brito faleceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, onde se encontrava supervisionando obras. Várias cidades brasileiras o homenagearam colocando o seu nome em ruas e equipamentos urbanos. Saturnino de Brito recebeu o título de Patrono da Engenharia Sanitária do Brasil.

Nota: No próximo dia 11 de julho (terça-feira), a Academia Paraibana de Engenharia – APENGE, promoverá, às 18h, no Littoral Hotel (Av. Cabo Branco 2172) uma palestra proferida pelo engenheiro Sérgio Rolim Mendonça, ex-Consultor do CEPIS/OPAS/OMS e Presidente da APENGE, sobre a importância de Saturnino de Brito na Engenharia Sanitária brasileira. O evento será franqueado ao público.

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