As vezes me pergunto se esse espaço que ocupo aqui não se tornou apenas um amontoado de crônicas tortas de picuinhas fúteis de internet, mas, para o bem ou para o mal, o escritor só pode falar daquilo que sabe e vive. No meu caso, infelizmente, sou limitado por isso.
Essa semana, além de certas coisas na minha vida pessoal que exigem que eu use a paciência de um exército de monges para que não perca a pouca evolução espiritual que atingi em meus anos aqui na Terra, também surgiu um frisson nas alas periféricas das redes sociais a respeito da forma que criam seus filhos.
Como não sou pai, longe disso, não pretendo jamais dizer o que um ou outro deva fazer em relação à criação de seus rebentos. Entretanto, sou um filho que não sabe ficar calado quando deve, assim, explico: discutia-se que pais que delegam a criação de seus filhos às babás. Além de ser, na minha visão, uma discussão que deveria ter sido superada uns 80 anos atrás com a revolução sexual e a integração feminina ao mundo extra muros de suas casas, vejo que, incondicionalmente, o peso posto nas mães sobre a criação de seus filhos não é distribuído igualmente com os pais.
Discutia-se que o casal em questão relegava a criação de seus filhos às funcionárias. Bem, acredito que, em primeiro lugar, essa discussão jamais aconteceria se se tratasse apenas de um homem. Ninguém se preocupa com os filhos de cantores ou atores, com quem ficam, como são criados ou mesmo se existem. Já em relação às suas contrapartes femininas… E em segundo lugar que precisamos compreender que o cuidar não existe de forma homogênea, atemporal e onipresente. O cuidado tem formas tão diferentes quanto são as pessoas. Cada um ama, cuida e demonstra seu amor e cuidado de uma forma.
Fato é que, para a discussão que trago aqui, o que o casal em questão fez ou deixou de fazer é irrelevante, o que proponho é que repensemos esse folclore da mãe devotada que tem toda a sua vida e existência girando ao redor da criação dos seus filhos. Um homem que deixa o seu lar para buscar “uma vida melhor” ou uma carreira, é tido como um herói que abandona um “porto seguro” para buscar a conquista de mares bravios, se uma mulher, contudo, toma a mesma decisão, ela é quase posta em uma fogueira em praça pública.
O que quero dizer não é que os filhos devam ser negligenciados, muito pelo contrário, filhos, sejam eles planejados, desejados, queridos ou não, são uma responsabilidade quase perpétua de seus pais. Contudo, precisamos desatrelar o cuidado e a responsabilidade à essa mítica de uma presença constante, afetos explícitos e todas essas expressões que atrelamos com o tempo (principalmente desde que nos foi vendido o “sonho americano” a partir da segunda metade do século passado), na relação entre pais e filhos. Mas que desatrelemos essa ideia igualmente de homens e mulheres.
Ninguém poderá me convencer que um pai, mãe, ou qualquer outra pessoa que se dispõe a se responsabilizar por uma criança, que decide sair de casa, seja para poder ter o dinheiro do sustento, seja para buscar uma completude como ser humano, é um milímetro menor que um cuidador que dedica seus dias exclusivamente ao cuidado físico e presente a esses pequenos seres.
Uma coisa que eu gosto sempre de frisar é que um bom pai ou mãe, não necessariamente é um bom cuidador. Acredito que muitos de nós, se refletirmos um pouco, podemos reconhecer que muitos pais ou mães ao nosso redor, por mais que amem e se importem com seus filhos, não são, nem de longe, as melhores pessoas que existem para, de fato, criar e cuidar desses filhos. Muitas vezes o cuidado vem em admitir nossos pontos fortes e fracos e, em certos casos, dar um passo atrás e deixar que outros assumam as funções que não somos capazes de exercer bem.
Essa ideia nunca é estranha quando a associamos aos pais. Quantos não conhecemos que são capazes de matar e morrer por seus filhos, mas incapazes de trocar uma fralda, lembrar das datas das vacinas ou do nome de uma professora. Contudo, se o mesmo se aplicar a uma mãe essa, imediatamente, se torna uma górgona maldosa e negligente com seus filhos. E da mesma forma que poucos filhos se sentem negligenciados por seus pais não saberem as datas de suas vacinas, por mais que achemos incomum, mães que agem da mesma forma não são menos mães nem menos responsáveis e capazes que as outras.
Ainda, gosto sempre de frisar que pais que botam suas vidas pessoais ou profissionais em primeiro lugar não são, necessariamente, pais monstruosos.
Além de, em muitos casos, a necessidade econômica se impor, e aqueles que cuidam de nós precisem dedicar mais tempo e esforço a seus empregos e carreiras que aos filhos, aqueles que priorizam a si mesmos por sentirem a necessidade de se “completarem” fora do papel imposto pela paternidade são tão bons e dignos de respeito e compreensão quanto os primeiros.
Eu acho fundamental que lembremos que pais e mães felizes e realizados são os melhores cuidadores que podemos desejar. Só podemos dar aos nossos filhos aquilo que possuímos. Como lhes ensinar a terem individualidade ante ao mundo, como lhes dizer que devem buscar a felicidade e a alçar os voos mais altos se nós mesmos não o fazemos? Como lhes dizer que devem amar e respeitar a si mesmos se nós não o fazemos. Autoestima, em muitos casos, é hereditária.
Melhor um pai ou mãe feliz que nos sirva de exemplo e motivação que um pobre coitado sempre presente. Ainda hoje me deparo com o fato que a necessidade é a mãe da criatividade e da inventividade. As vezes, um cuidador que está sempre lá para nós pode nos privar de descobertas e conhecimentos que só as necessidades solitárias nos mostram.
Dizem os hindus que existem tantas divindades em seu panteão quantos são os fiéis na Terra. Quanto à paternidade, acredito que o mesmo se aplique. Não há uma forma homogênea de cuidado ou de amor. Tantos quantos são os pais, mães e filhos, tanto são as formas de se cuidar. Lembremos que independente da forma, enquanto houver cuidado há amor. Pais monstruosos não são os que não podem por seus filhos em primeiro lugar, mas aqueles que, diante da possibilidade, decidem que seus filhos não valem o cuidado, o tempo ou o amor.
Paternidade não diz respeito às formas, porque essas são infinitas, mas às escolhas.