As tradições cientificas criaram o hábito de nos fazer pensar numa forma linear que vai da identificação do problema à resposta em forma de solução. Onde não há problemas não há necessidade de discussão sobre qualquer coisa, posto que não há solução a ser buscada. Aí está o problema.
No atual contexto de excesso de informações e comunicação, onde verdades e mentiras se articulam em casos quase insolúveis, foi erguida uma grande barreira contra qualquer investigação sobre os verdadeiros e grandes problemas que enfrentamos.
Os problemas ficaram invisíveis pois foram diluídos em uma infinidade de peças espalhadas por todo o mundo. As narrativas sobre a história, os mecanismos de funcionamento da sociedade, as relações de poder, os micros relacionamentos sociais, etc. estão tão complexas e rebuscadas que dificultam toda e qualquer discussão em formas simples.
É necessário romper a porta dos excessos de informações e comunicações, falsas ou verdadeiras, mas quase sempre misturadas, para se entender o que existe de fato. Todos fomos afastados das discussões sobre a nossa própria realidade e isso está causando um grande mal-estar social. Tomo por exemplo, entre tantos que poderia abordar, a polarização entre o chamado bolsonarismo e o petismo que, com raras exceções de alguns temas, é uma polarização que mais obscurece do que esclarece os nossos problemas reais.
Não se trata de esquecer coisas como o roubo das joias, mas colocar isso no devido lugar, ou seja, numa delegacia de polícia e exigir celeridade do delegado em apurar o caso e mandar prender os criminosos, sem atrapalhar as discussões sobre os grandes temas necessários ao país.
E esses temas não são nada misteriosos nem de restrito ou especializado conhecimento. Estão sendo propositadamente escondidos por meio de uma certa cumplicidade entre o poder econômico e as instituições de poder público.
O caso dos trabalhadores escravizados nas vinícolas em Rio Grande do Sul é a ponta de um iceberg nas relações de trabalho que é um dos maiores, senão o maior mesmo, problema do nosso país.
Mas dizer essa verdade é meio antiquado. Teimo em perguntar: é possível uma democracia onde ainda existem trabalhadores escravizados? Alguém se deu conta que esses escravos modernos votam? É possível falar em representação política adequada ou em reforma fiscal justa nestas condições?
É possível encontrar uma solução consistente para os problemas referentes a opressão de mulheres, de negros, e outros segmentos sociais, onde ainda estamos convivendo com relações de escravidão? Discutir tudo isso é importante, mas precisamos nos concentrar nos problemas fundamentais.
Resolver de forma clara, segura e profunda as desigualdades e dissimetrias jurídicas, econômicas e culturais nas relações de trabalho em nosso país é a chave para solução de muitos outros problemas que enfrentamos.
Precisamos ir além da simples revogação da contrarreforma trabalhista feita pelos fascistas, mas será que vamos conseguir pelo menos isso?