Partindo de uma entrevista que ouvi esta semana no incrível podcast “O Assunto”, um episódio no qual Natuza Nery recebeu a psicóloga e psicanalista Natalia Marques, mestre em psicologia da saúde. Para falar de relacionamentos abusivos que vão além de eventos de agressões físicas. Volto, neste espaço, a abordar e tentar, de alguma forma, esclarecer as questões que envolvem relacionamentos abusivos.
Achei de tamanha importância os esclarecimentos, que resolvi compartilhar com nossas leitoras e leitores desde espaço. Quem já leu algum de nossos artigos, sabe que ao escrever, me incluo na maioria das situações que resolvo abordar. Sei que sem meu envolvimento emocional com a causa que escolhi abordar, seriam palavras vazias e sem sentimentos. Não quer dizer, entretanto, que é um relato de minha vida pessoal, mas algumas coisas, ou acontecimentos, fazem parte de minha trajetória, sem dúvida.
Nos acostumamos com a ideia de que relacionamentos abusivos são aqueles nos quais um dos parceiros passa a agredir o outro, ou mesmo colocá-lo em cárcere privado. No entanto, segundo a psicóloga, milhões de mulheres se descobrem diariamente, vítimas de violência de gênero, seja ela patrimonial, financeira, física ou emocional.
– Ela afirma que “não há um perfil traçado” para identificar o agressor. Destaca também que qualquer mulher, independentemente do nível de educação formal ou renda, pode ser submetida à violência de gênero;
Em nossa convivência com mulheres no trabalho, na sala de aula e até mesmo em outros lugares, conhecemos pessoas que estão vivenciando uma situação de violência, mas que não se percebem como tal. Fiquei impactada principalmente com as formas sutis de agressão, principalmente, quando olhamos um pouco para nossas amigas e mulheres em nossa família que já vivem relacionamentos longos, e que em toda sua vida de casadas, não puderam ser elas mesmas.
Alguns tipos de abusos, não podíamos identificar, porque poderiam ser caracterizados pelo ser agredido, como expressões de cuidado, amor, quando na verdade são atos que nos colocam em posição de dominação para apenas atender a vontade do outro.
Alguns casos, por exemplo, podem começar logo nos primeiros dias após o noivado. Em sua grande maioria, parte do companheiro o pedido para a noiva para deixar de andar com algumas amigas que, ao entender dele, não parecem ser uma boa companhia. Ele, sutilmente, vai induzindo-a a deixar de cortar o cabelo, pois “seu cabelo é tão bonito, por que não deixa crescer?”, mais um pedido:
“Você não fica bem usando este tipo de roupa”, se referindo à mulher que sempre usou vestidos ou blusas com alça ou decotes mais profundos. Ao conhecê-la, ele já não gostava de ver a companheira assim vestida, mas para não desgostá-la, foi adiando mais um pouco, pois apenas como namorado, ele não poderia exigir muito dela, ainda…
Com o passar do tempo aquela mulher sensual e bem humorada, com grandes amigas, começa a mudar de aparência, e vai se acostumando com seu novo visual, sem perceber que está sendo manipulada pelo homem que ela jura que a ama desesperadamente e por isso, o “que custa fazer um pouco do que ele pede?”
Com o passar do tempo, após o relacionamento progredir, sem a mulher perceber, ela já não tem mais tantas amigas, já não se veste como antes, e sem as amigas e sem alguém que a alerte, ela vai se tornando outra pessoa. Sem perceber, se torna o “objeto” que agrada àquele homem, sem, no entanto, perceber que essa forma de convivência, não significa que ela é amada. Ele passa ter a mulher como “sua”, e já foi moldando-a do jeito que bem quis. É evidente, que a essas alturas a mulher não se percebe diferente. Para ela, é natural que ela ceda a alguns pedidos dele, afinal, ela o ama.
Conheci uma amiga que tinha um relacionamento que, para ela, era muito normal. Ela nunca dependeu economicamente dele para nada. No entanto, logo ao casarem, apesar do salário dele ser bem maior que o dela, ele propôs que juntassem as contas, pois assim, teriam um cheque especial maior, que os possibilitariam realizar mais coisas na casa que queriam reforma. Ela cedeu, sem perceber que ficaria sem o controle e sem a possibilidade de usar seu salário. A conta era conjunta, mas ela não tinha acesso ao talão de cheques, que á época era o único meio de saque, sem contar com a retirada no próprio caixa.
A época do casamento, era comum as mulheres além de prepararem o enxoval da casa, também prepararem roupas, sapatos, bolsas, como forma de permanecer, como sempre foi, bem vestida e elegante. Com o passar de um ano, as roupas que ela levou já não serviam para sair, os sapatos e bolsas também já não estavam em bom estado. Como minha amiga, foi sempre independente, e todas as vezes que ia pedir a ele algum dinheiro – seu dinheiro – para compra de alguma coisa para seu uso pessoal, ele vinha logo com a pergunta: isso é necessário mesmo? Não poderia deixar pra comprar mais adiante?
Para não criar atrito nem desavença, ela passou a usar as roupas mais baratas e as mais acessíveis possível, mas continuou a desenvolver suas atividades profissionais normalmente, só que agora, era irreconhecível pela sua forma de se vestir e calçar. A mulher elegante e bem cuidada que sempre foi, desaparecera.
Até que um dia, sua irmã, percebendo o que estava acontecendo, pede que ela se olhe no espelho e diga o que estava vendo. Ao se ver, logo no primeiro momento não se percebeu, mas a sua irmã insistiu e a levou a buscar a antiga mulher que era antes do casamento. Foi um choque, quando o véu caiu, mas ela foi forte o suficiente, para procurar o marido e reverter a questão da conta bancária. No entanto, ela ainda cometeu um grande erro que só veio perceber quando já tinha filhos e as despesas da casa aumentaram. Ela negociou que ele assumiria as contas com a casa e ela arcaria com a feira.
Com o passar dos anos, a despesa maior, mas permaneceu sendo de responsabilidade dela, inclusive as despesas com as roupas das crianças. Chegou ao ponto, dela ter que custear até as despesas com os hospitais por ocasião dos partos.
O pior de tudo isso, ela mesmo percebendo o erro que havia cometido, não teve a coragem de refazer sua proposta financeira para a manutenção da casa. Com o passar dos nos, essa amiga, passou por vários casos de traição do marido, mas não teve forças para abrir mão do relacionamento que só veio sentir que era, e é, abusivo, quando eles já estavam idosos, e ele doente. Por questões de ordem humanitárias, ela mantém o casamento, que desse, o que melhor ficou foram os filhos que sempre estiveram ao lado dela.
Relato esse caso, para que percebamos que o quanto antes identificarmos que estamos num relacionamento abusivo, procuremos dar um ponto final a ele, pois a cada dia fica pior. E, para a mulher, ela está sempre em desvantagem nessa situação. Pois o homem com quem ela se casou, para toda rede de colegas, familiares e para os poucos amigos que restam, ele seria incapaz de ter um procedimento desses. Neste relacionamento, teríamos outros problemas a serem abordados, que podem ser considerados como abusos, mas a título de esclarecimento e de chamar atenção para o problema em questão, acredito, já ser o suficiente.
Com isso, quero demonstrar que os relacionamentos abusivos não são, necessariamente, relacionamentos violentos. Mas são relacionamentos que, desde a sua gênese, envolvem microagressões de um parceiro para com o outro. Os parceiros podem adotar como forma de agressão o desrespeito à vontade do outro, passa a usar palavras que venham magoar pela forma de vestir, do corte de cabelo, da forma de se expressar e ser repreendida(o) em público: Muitas vezes ao dar uma opinião em meio a um bate papo entre amigos, sair um “cale a boca, você sabe de nada”.
Com o passar do tempo, para não se tornar causa desse tipo de reação o outro se cala, se retrai. Com o passar dos anos, identificaremos, muitas vezes, uma mulher doente, “engasgada” com tanta coisa que já engoliu, que pode desenvolver várias patologias que não tem ideia que essas, foram desenvolvidas em função do não falar. De tão reprimida, ela deixa de ser ela mesma. Se torna irreconhecível e amargurada. Aos olhos da família e amigos, nada é percebido. Pois diante de outras pessoas aquele companheiro é gentil, amável e muitas vezes, até religioso.
Contudo, se analisarmos um pouco mais de perto, pessoas com esse tipo de comportamento, encontraremos em outras situações, demonstrações de falta de caráter, ética e a covardia. Aprenderam que o importante é apenas a própria vontade, o seu eu.
Para concluir, utilizarei as palavras da psicóloga: “A relação não acaba no momento em que termina”. Ela perdura naqueles que a viveram para sempre.
Ainda assim lhes digo, nenhuma pessoa deve se manter em um relacionamento em que não se sinta valorizada, respeitada, amada. Ainda que as circunstâncias não permitam o fim dessa relação, devemos exigir de nós mesmas a constante lembrança de que não importa o que digam ou que façam, somos seres únicos e dignos de valor, respeito e individualidade. Por mais difícil que seja vivermos rodeadas de pessoas que não nos valorizem, e nos agridam, é fundamental que nós mesmas não passemos a ser aquilo que fazem de nós. Não somos vítimas indefesas que precisam ser resgatadas por cavaleiros em armaduras brilhantes, somos os dragões que com nossa força somos capazes de manter, criar ou destruir tudo que nos rodeia. Inclusive a nós mesmas.