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InícioFlavio Ramalho de BritoUm Presidente civil que enquadrou militares golpistas

Um Presidente civil que enquadrou militares golpistas

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Foto: Fonte Wikipédia, a enciclopédia livre

Em 1918, na data de 15 de novembro, como vinha ocorrendo nos primeiros tempos do regime republicano, ocorreria a posse do novo Presidente da República.

O paulista Rodrigues Alves, que já havia governado antes o país (1902-1906), foi o primeiro brasileiro eleito para um segundo mandato presidencial. Acometido, segundo alguns, pela gripe espanhola (o que é contestando por conceituados historiadores), Rodrigues Alves não pôde tomar posse e o governo ficou sendo exercido interinamente, até o seu restabelecimento, pelo Vice-Presidente Delfim Moreira. Rodrigues Alves não se restabeleceu e morreria dois meses após o início do seu mandato. Determinava a Constituição do país, vigente à época, que em caso do falecimento do Presidente antes da metade do mandato seriam realizadas novas eleições para a Presidência.

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Começaram, de imediato, as articulações entre as lideranças políticas de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os Estados que efetivamente decidiam, nos anos da nossa Primeira República, aqueles que assumiriam a Presidência do país. O Vice-Presidente em exercício apresentava uma precoce arteriosclerose com “lacunas em seu pensamento” e não participava dessas confabulações. Assim, não podia ser de todo irreal a irreverente descrição do mineiro Delfim Moreira que foi feita por Darcy Ribeiro: “Tímido, cria passarinhos no Palácio do Catete e dá inequívocos sinais de desequilíbrio mental. Esconde-se atrás das cortinas e fica espiando quem o procura antes de apresentar-se”.

Foto; Fonte; Wikipedia

Como era a prática da época, a escolha do candidato oficial, e, por que não dizer, considerando-se as eleições fraudulentas que se faziam naqueles tempos, do próprio Presidente da República, se deu em uma reunião de poucos participantes.

Neste restrito conclave foi definido o nome do paraibano Epitácio Pessoa que, naquele momento, se encontrava na França chefiando a delegação do Brasil ao Congresso da Paz de Versalhes, onde se decidiam os acertos e reparações entre as nações referentes a Primeira Grande Guerra Mundial. A chefia da delegação brasileira havia sido oferecida a Ruy Barbosa, que a recusou, talvez prevendo o desfecho fatal da doença de Rodrigues Alves, o que o afastaria do Brasil quando da definição do candidato governista à Presidência.

O próprio Epitácio Pessoa, no seu livro “Pela Verdade”, publicado em 1925 (Livraria Francisco Alves, 694 p.), comenta a sua escolha como candidato à Presidência:

“Nunca aspirei á presidencia da Republica. Foi idéa que jamais me perpassou pela mente, não só porque, sem falsa modestia, não me sentia á altura do cargo, como porque a machina politica do paiz estava montada de tal maneira que ao representante de um Estado pequeno, como a Parahyba, não era licito levar tão longe a sua ambição.

De facto, só circumstancias as mais variadas e imprevistas – a opposição do Rio Grande do Sul a qualquer candidatura paulista ou mineira, as apprehensões que infundia á politica dominante dos Estados a candidatura Ruy Barbosa, a minha ausencia do paiz no desempenho de uma missão de alto relevo, a independencia em que sempre me conservára entre os partidos politicos, o meu alheiamento á luta que se travára em torno da successão do Conselheiro Rodrigues Alves, etc. – tornaram possivel a escolha do meu nome”.

O historiador Hélio Silva apresenta outras razões para a escolha, pelos chefes da política nacional, do nome de Epitácio Pessoa como candidato à Presidência:

“Havia uma outra justificativa para a conduta dos chefes: oriundo de um pequeno Estado, Epitácio não poderia perturbar o jogo dos grandes e nem teria como influir na sua própria sucessão, para a qual, desde já, os potentados se preparavam […] Na verdade, não esperavam que ele ‘presidisse’ a República, mas que ocupasse, discreta e silenciosamente o Palácio do Catete, sem ligações com os fatos que antecederam e motivaram a sua escolha, nem que influísse nas negociações que não foram interrompidas para a sua sucessão”

Epitácio Pessoa estava ausente do país quando da Convenção partidária que formalizou a sua candidatura, também não participou da campanha eleitoral e nem se encontrava no Brasil no dia da eleição. Ruy Barbosa, tendo sido preterido como o candidato das forças governistas, apresentou-se, pela terceira vez, como candidato oposicionista à Presidência da República. A campanha de Ruy Barbosa mobilizou os principais centros urbanos do país, Ruy ganhou de Epitácio em todas as capitais, à exceção de Manaus e da capital da Paraíba, mas o peso eleitoral da estrutura oligárquica dos Estados definiu a eleição em favor de Epitácio Pessoa.
Para o escritor e político pernambucano José Maria Bello, na sua “História da República”, Epitácio Pessoa:

“Chegando ao Brasil, esforça-se por mostrar a sua autonomia perante a estreita política dos partidos. A formação do seu ministério contraria os hábitos de governos republicanos; mais o preocupava possível critério dos técnicos para as pastas do Governo do que o político […] Ao convidar para as pastas militares dois políticos civis, Epitácio Pessoa resistia não apenas a pressões impertinentes de certos grupos de militares, sobretudo da Marinha, mas a quase ameaças”.

Ao tempo que fora deputado federal, Epitácio Pessoa se posicionara em frontal oposição ao Presidente Floriano Peixoto, inclusive denunciando da tribuna da Câmara a derrubada, por ordem do Marechal Floriano, de governadores dos Estados, entre eles Venâncio Neiva, o primeiro governante republicano da Paraíba. Vinha dessa oposição a Floriano Peixoto a antipatia a Epitácio da parte de militares florianistas. Em “Pela Verdade” Epitácio Pessoa rebate a uma sua alegada animosidade com relação à classe militar:

Foto: Fonte: Wikipédia, a enciclopédia livre.

 

“Ora, eu nunca senti antipatia pelas classes armadas […] Fiz opposição ao Marechal Floriano, com quem tinha relações pessoaes, por questão de principios […] Não passa, pois, de uma intriga mal alinhavada essa da minha ‘ogerisa’ ás classes armada.

‘Ogerisa’ tenho, sim aos officiaes que, roidos de ambição ou de inveja, descuram dos deveres de sua nobilissima profissão para se envolverem em tricas de politicagem; aos que, trahindo a missão que lhes cabe nas sociedades organizadas, volvem contra a ordem constitucional as armas que da nossa confiança receberam para guardal-a; aos que teem a estulta pretenção de se arvorar em patrões da Republica”.

Em “Pela Verdade” Epitácio Pessoa se refere ao episódio da nomeação de ministros civis para as pastas militares:

“Como era natural, o meu primeiro acto de governo foi a organização do Ministério. Divulgada a resolução em que eu estava de nomear civis para as pastas militares, logo a intriga começou a imputal-a a prevenções que eu trazia contra as classes armadas, e, com grande e para mim dolorosa surpresa, fui informado de que no seio destas, principalmente da Marinha, se pronunciava forte agitação subversiva contraria áquella escolha.

Era um triste symptoma, Contra o direito que ao Presidente assegura a Constituição de escolher com inteira liberdade os seus ministros, conspiravam, em conciliabulos de que a policia me trazia ao corrente, officiaes esquecidos dos seus deveres de obediencia, imbuidos do espirito de casta, impellidos por philauciosas ambições”.

No seu depoimento, Epitácio Pessoa relata a abordagem que recebeu para que não fossem nomeados ministros civis para as pastas militares, na véspera da sua posse, altas horas da noite, de um prestigioso militar, que ele não citou no seu livro, mas que Laurita Raja Gabaglia Pessoa, sua filha e biógrafa, afirma ter sido o próprio ministro da Marinha que seria substituído:

Na véspera da minha posse, ás 11 ½ horas da noite, em minha residência, um dos mais prestigiosos generais da Armada me aconselhava a recuar daquelle proposito para não expor o paiz ás vicissitudes de um movimento armado. Respondi-lhe, como devia:

– Amanhã a imprensa publicará a nomeação de um civil para a pasta da Marinha; A Armada, digo mal, os indisciplinados da Armada que tomem a responsabilidade de perturbar a ordem constitucional da Republica pelo facto de não querer o Presidente, no uso incontestavel do seu incontestavel direito, reconhecer-lhes titulos de propriedade sobre uma das pastas do Governo. Resistirei e veremos por quem se pronuncia a Nação”.

No dia seguinte, conforme anunciara Epitácio Pessoa, os jornais publicavam a nomeação do político mineiro Raul Soares como Ministro da Marinha e a do engenheiro João Pandiá Calógeras como Ministro da Guerra.

Vida Doméstica, 1920, Biblioteca Nacional

Segundo o historiador Hélio Silva, Epitácio Pessoa “era um homem educado, sociável, inteligente, falando com facilidade, vestindo-se bem, apreciando o êxito mundano, frequentando as temporadas lírica e francesa do Teatro Municipal”. Além dessa faceta de civilidade, Epitácio Pessoa sabia exercer, como Presidente da República, com toda a plenitude, o seu poder constitucional, conforme rememorou em suas memórias o tempo da Presidência de Epitácio, quando ele era jovem acadêmico de Direito, o professor e jurista Hermes Lima (“Travessia – Memórias”, Livraria José Olympio Editora, 1973):

“Eu admirava Epitácio […] sua presença no governo dava a sensação de alguém que ocupava literalmente a dimensão toda da Presidência. O topete de não deixar acusação sem resposta, a iniciativa das obras no Nordeste, os ministérios militares entregues a civis, a presença viril que compensava a sua fraca base política nacional, tudo nele evocava um feitio de líder […] Da sacada do Catete, o presidente falou, a voz firme, clara, aveludada. Orador extraordinário, tinha realmente um ar de galo-de-campina”.

Hermes Lima relatou em suas memórias um episódio que lhe foi contado pelo escritor paraibano Orris Soares, que ele considerava um “homem veraz”:

“Ao regressar de Versalhes, Epitácio desembarcou na Paraíba de fraque e chapéu alto, […] os dois velhos amigos entraram num aposento do palácio para descanso de alguns minutos. Ao sacar o casaco, apareceu-lhe na cava do colete um punhal.
– Mas, Epitácio, você, embaixador, presidente?
– É costume antigo. Não posso me desfazer dele”.

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