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Sorrisos de fios de ovos

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Ao contrário das festividades que representam essa época, para muitos, a época das reuniões familiares é um momento de grande desconforto. Para muitos a tranquilidade das festas de fim de ano são um privilégio inalcançável.

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Como a maioria dos privilégios, para muitos que o possuem, este também passa despercebido, mas, para aqueles que o almejam, sua falta é gritante. Muitos aproveitam as festividades de final de ano para apresentarem seus namorados ou namoradas aos pais, tias e avós, contudo, para uma grande população de pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIA+, por exemplo, esse é um privilégio que talvez seja impensável.

Apresentar os seus amores à família é algo impensável pelo simples fato que nossas famílias não nos conhecem. Como poderíamos apresentar nossos amores aos nossos se eles sequer nos conhecem. Conhecem, sim, uma versão “aceitável” de nós mesmos, uma versão podada, diminuída e cuidadosamente guardada em um armário. Muito se fala na responsabilidade que temos com nossas famílias, afinal de contas, os dez mandamentos dizem que devemos honrar nossos pais, mas pouquíssimo se fala de uma reciprocidade de nossos mais velhos em relação a nós.

Seja você membro de uma minoria ou não, um “gap”, como dizem os ingleses, intergeracional me parece cada vez mais evidente. Não digo que há uma “culpa” per se, entretanto, vivemos em uma sociedade que cobra “bons filhos”, mas esquece que estes são uma resposta a “bons pais”. Inúmeros são os casos de pessoas que conheço que são completos desconhecidos de seus pais ou familiares.

Existe uma outra expressão, “trauma intergeracional”, que se refere a traumas familiares perpetuados através das gerações de uma mesma família; seja um trauma referente ao costume de se bater em crianças, seja em uma educação rigorosa ou religiosa, seja a de um racismo ou elitismo que nos proíbe de nos relacionarmos com pessoas fora de nossos círculos, que geram, geração após geração, hábitos que se repetem e deixam marcas profundas naqueles envolvidos nesta dinâmica.

Num mundo cada vez mais mutante, as diferenças entre gerações são cada vez maiores, desta forma um “espaço”, ou “gap”, entre gerações que era comum anteriormente, hoje se tornou quase uma falha geológica. Meus pais nasceram no tempo das cartas, eu alcancei o surgimento dos e-mails, e as novas gerações não sabem o que é um mundo sem mensagens instantâneas. Assim, se continuarmos com uma “aclimatação geracional” no mesmo ritmo de nossos avós, jamais seremos capazes de falar a mesma língua que nossos filhos.

Num mundo onde existem pessoas não binárias, transsexuais, intersexuais, bissexuais, gays, lésbicas e infinitas outras denominações referentes a como nos identificamos como pessoas e como amamos outros, o mínimo que devemos esperar é um “encontro no meio do caminho”, em que nos despojamos de nossos entendimentos e crenças e fazemos um salto no escuro guiados apenas pelo amor que nos conectam aos nossos entes queridos.

É verdade que, muitas vezes, somos incapazes de compreender muitas dessas novas denominações, e até mesmo de sentir as dores daqueles que amamos, contudo, é nossa obrigação nos encontrarmos, ao menos, no meio do caminho, com aqueles que amamos.

Nossa preocupação com aqueles que amamos, preocupações de que eles sofram com um mundo injusto, muitas vezes, podem fazer com que criemos escamas diante de nossos olhos que nos impedem de ver que o mundo já é um local hostil demais para que sejamos, nós também, mais uma hostilidade em relação a eles.

Meu mundo ideal, meu desejo de natal, é que exista paz entre as famílias; é que eu seja compreendido pelos meus e que eu possa lhes compreender. Infelizmente sou incapaz de construir sozinho esta ponte, preciso que à sua margem exista a vontade de alcançar a minha.

Àqueles que, como eu, veem nessa época um momento, se não doloroso, ao menos desconfortável, em relação às nossas dinâmicas familiares lhes digo: é apenas uma noite com sorrisos amarelos como fio de ovos. Em poucas horas tudo passa e voltamos à normalidade cotidiana.

 

Em se referindo a uma festa religiosa me sinto um pouco mais a vontade para falar de religiosidade e espiritualidade do que normalmente me sinto, assim, lhes digo, se ama, vá, se não há amor, não te demores. O amor deve ter essa natureza de ser uma via de mão única que não pode exigir reciprocidade. Amamos. Se é correspondido, compreendido, que se dane. O amor ama. O amor deve amar sem perguntar e sem julgar. Contudo, não devemos acreditar que o amor deve nos machucar ou nos prender. O amor ser uma via de mão única é uma benção que devemos usufruir. Podemos amar sem amarras, contudo, o amor não pode ser o único juiz de nossas vidas. A existência do amor é um indicador de onde devemos ou não firmar nossas raízes, se não o há vindo de todos os lados, que o busquemos em outras paragens.

Se há julgamento e questões intermináveis, não há amor, há medo, há aversão. Onde não há amor não te demores, repito. Contudo, estabeleçamos o compromisso de nos encontrarmos no meio do caminho com aqueles que amamos, não levemos hostilidade e má vontade para onde não há necessidade, mas também não deixemos o amor nos fazer cegos para as maldades do mundo.

Sempre tomemos como exemplo aquela família de refugiados, que, rodeada de pastores numa estrebaria, deu origem ao rei dos reis, ao homem que nos ensinou que tudo se resume a amar e a fazer o bem. Tomemos como exemplo uma família que no meio de uma caça a crianças, se manteve unida, e que estabeleceu o exemplo para todos as outras famílias. Se não podemos contar um com os outros, não somos uma família. Lembremos sempre que o Natal é uma festa em que celebramos a chegada do amor ao mundo. E lembremos que nessa data o amor deve prevalecer, contudo, se a celebração lhe exigir mais que alguns simples sorrisos amarelos como fios de ovos, lembre-se sempre que não deves te demorar onde não houver amor.

Que este natal seja repleto de amor, de pontes construídas de ambos os lados e firmadas em solos amorosos, que possamos entender e sermos entendidos e que possamos sair dos nossos armários sejam eles quais forem. Que a celebração do nascimento do rei dos reis nos lembre que não precisamos de nada além do amor, e que sem o amor não há nada. Feliz Natal a todos.

 

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