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Arte modernosa

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Outro dia surgiu uma nova “trend”, tendência em bom português, nas redes sociais, na qual o sujeito submetia suas fotografias a um aplicativo que, através, de inteligência artificial, “pintava” retratos seus. E um debate mais velho que a posição de andar voltou à tona: isso é arte?

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Bem, no que me compete, arte é expressão. Independentemente do quão avançada seja a inteligência artificial, ela se resume a isso: inteligência. Arte não é inteligência, é emoção. E, ao menos por enquanto, as tecnologias não foram capazes de simular emoções. É verdade que as obras produzidas por inteligências artificiais são capazes de gerar emoções em quem as observa, contudo, arte é comunicação. Necessariamente precisa de um emissor e um receptor, e enquanto o emissor for uma máquina, algoritmo, que seja, uma das partes da equação está incompleta.

Outrora era comum se dizer que debater alguma questão sem resposta era “discutir o sexo dos anjos”, hoje acredito que podemos atualizar a expressão para “discutir os sentimentos dos computadores”. Por mais bela e revolucionária que seja alguma obra produzida por computadores, elas não podem ser consideradas arte. Ao menos não ainda.

Talvez daqui a 50, 100 anos estejamos discutindo se computadores têm sentimentos e se as musas cantam para eles, contudo, por ora o veredito é o mesmo. O que é, sim, debatível é a forma. Puristas sempre existiram e eu acredito que estão criticando aqueles que produzem desde que o primeiro homem das cavernas ousou usar um graveto ao invés das mãos nuas para deixar suas marcas nas cavernas.

A arte digital, como a arte urbana e tantas outras formas mais recentes de expressão artística são constantemente alvo daqueles que acreditam que gema de ovo e óxido de chumbo nunca deveriam ter deixado de serem usados nas pinturas.

Devo ser honesto com o leitor que eu, em parte, tenho dificuldade de lidar com a efemeridade do mundo digital. Livros digitais, imagens feitas digitalmente e até a escrita sem papel e lápis não me “caem bem”. Eu sinto que me falta a substância da realidade, a riqueza sensorial proporcionadas pelo toque de um livro, seu peso em minhas mãos, ou até mesmo ver como a luz do ambiente influencia em uma pintura ou fotografia.

Reconheço que provavelmente isso seja um traço geracional. Não tenho nenhuma dificuldade em conviver com os serviços de “streaming” seja de filmes, séries, novelas ou músicas. A praticidade de acesso ao mundo digital é fascinante e sua abundância e comodidade são tentadores demais para que os deixemos de lado.

Não sinto falta alguma dos CDs e sua essência fria e high tech. Caixas frágeis que viviam quebrando… e quando tinha aquele “desmoronamento” e era caco de acrílico para todo lado? Ainda bem que passou. Contudo em minha natural contraditoriedade, sinto uma nostalgia pelos manhosos LPs. O arranhar da agulha sobre o disco preto, o movimento ondulado que a agulha faz em uns exemplares um tanto quanto vergados pelo tempo, e a habilidade necessária para pousar a agulha no milimétrico espaço entre uma música e outra. Talvez querer um conjunto de sentidos estimulados ao contemplar alguma forma artística seja o que me encanta.

 

Curioso imaginar que a música evolui, as orquestras permanecem; a pintura muda seus materiais, técnicas, temas, mas o artista permanece. O “produto” entregue é ao que tudo parece, igual. Seja criada através (não “por”) um programa de computador ou um conjunto de músicos, a música é um som, as artes plásticas são imagens, em duas ou três dimensões. Uma coisa, contudo, que me fascina é o teatro. Sobreviveu incólume aos milênios.

A música evolui cotidianamente e a forma de sua apresentação muda e vai da roda de samba em um bar a uma grandiosa ópera com orquestra, cenários e figurinos. As artes plásticas migram do metal, pedra, tecido, às telas dos dispositivos digitais. O teatro, contudo, muda suas técnicas, temas, tudo, mas os atores sobre o palco e a plateia assistindo permanece uma instituição intocada. Talvez uma prima sua seja a arquitetura que por mais tecnológica que seja ainda é cara, poeirenta, demorada e trabalhosa.

Importante lembrar sempre que arte é uma coisinha complicada exatamente por mexer com emoções. As respostas a ela variam da apatia ao amor ou ódio. Contudo, não podemos jamais dizer que tal ou qual arte é “melhor” ou “pior” que outra. Dos rabiscos nas cavernas feitos pelos primeiros homens ao mais recente funk carioca, a expressão humana através dos sentidos é algo que não podemos jamais julgar. Podemos discordar, “desgostar”, mas jamais calar ou diminuir. A arte é, afinal de contas, o que de mais humano existe. Completamente inútil e ao mesmo tempo fundamental.

Entretanto, ao contrário das artes, as ciências podem ser amplamente criticadas por seu atraso. E, nas palavras de um suarento dentista que removeu com um alicate quatro de meus dentes, “a odontologia não evolui em certos aspectos”, e nesse mote me despeço com uma ingrata dor de dente e um sabor de cravo-da-índia de um preguiçoso curativo posto por um profissional de plantão que diagnosticou que preciso de um canal. Outro dia falaremos sobre minha boca veneziana ou da utilidade da arte. Até lá.

 

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