A Organização Mundial da Saúde – OMS, lá pelos idos de 1946 definiu a saúde como um estado completo de Bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças ou enfermidades. Essa definição foi tão abrangente e significativa que permanece inalterada até os dias atuais, há exatos 76 anos.
A Constituição Federal do Brasil-CF, no seu artigo 23 inciso II, enquadra a saúde como um direito social fundamental e assegura o acesso universal e igualitário com tratamento integral ao cidadão, indo mais além quando reitera:
“Trata – se de um direito de todos e dever do Estado, de competência comum da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios.”
É sobre a governança da prestação dessa responsabilidade intransferível, transformada em cláusula pétrea da Constituição Federal-CF, que queremos discutir com os leitores e internautas que convivem e interagem conosco nesse espaço.
Para início de conversa deveremos lembrar que a carta magna homologada em 1988, restabeleceu direitos e liberdades individuais que foram ceifadas ao longo do tempo.
Direitos sociais conquistados a duras penas ao longo dos anos, que eram centenariamente negados à classe trabalhadora juntamente com os direitos políticos, foram ceifados do cidadão brasileiro pelo neoliberalismo e durante a ditadura militar, acometida da velha paranoia da segurança nacional, ditada pela Academia de West Point, um centro de formação de oficiais generais dos USA para a América Latina.
Tive a oportunidade histórica de acompanhar de perto todo processo de gestação do Sistema Único de Saúde –SUS, o qual foi concebido por médicos sanitaristas de visão social acurada, que somente uma instituição Pública com a credibilidade da FIOCRUZ poderia abrigar. O seu berço não poderia ter sido melhor.
Num trabalho comum inteligente, professores e doutores como: Hésio Cordeiro, Sérgio Arouca, Frederico Simões Barbosa, Paulo Marchiori Buss entre outros, conceberam o Sistema Único de Saúde, (SUS) um verdadeiro salto civilizatório que pode ser considerado sem nenhum favor, como o melhor e mais abrangente projeto de saúde pública do mundo.
1985, ano da redemocratização do Brasil, coincidiu com a nossa condição de aluno da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) pertencente à FIOCRUZ, onde tivemos a oportunidade de acompanhar o nascimento do SUS.
Naquela época, o país estava saindo de uma paralização da produção cientifica que, em nome da paranoia da segurança nacional, havia exilado os nossos melhores pensadores sociais. Era o fim dos anos de chumbo e a aurora de um período de redemocratização e liberdade que se iniciava.
Naquela época fervilhavam naquela instituição científica de referência mundial em educação sanitária, ideias cientificas trazidas pelos exilados que voltavam ao país, à frente o médico sanitarista Sérgio Arouca. Ele que, juntamente com o mestre Frederico Simões Barbosa, haviam acabado de montar o plano de saúde da Nicarágua Sandinista, tomaram como referência o modelo cubano de prestação de saúde, onde trabalharam e conviveram no período de exilio. Desnecessário dizer que o sistema de saúde cubano é o mais avançado e inclusivo do mundo.
Como inspiração não é cópia, eles conseguiram desenhar um modelo de saúde à brasileira, que hoje é referência mundial. O SUS foi provado e comprovado, por ocasião da pandemia da covid 19, a segunda guerra da vacina ocorrida no Brasil, que foi o enfrentamento ao vírus da covid 19.
A primeira guerra da vacina que teve à frente Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, foi encampada com seriedade pelo presidente da república de então, o paulista Rodrigues Alves. Tinha como inimigo comum o mosquito anófeles transmissor da febre amarela. A segunda guerra da vacina, deflagrada a partir de 2020, foi enfrentada pelo próprio povo brasileiro, amparado na ciência, com o apoio de alguns cientistas sérios, onde o adversário maior não era o vírus e sim o próprio presidente da república
Um chefe de estado despreparado, fazendo uso de um discurso negacionista, classificou uma pandemia como “uma gripezinha” e Insistia em dificultar a aquisição da vacina, retardando com isso o necessário o imperativo programa vacinal. A justificativa esfarrapada, usava a alegação de falta de recursos, um discurso ditado por Paulo Guedes & Cia, com base no receituário ultra neoliberal do qual é defensor intransigente, num país que naquela época ainda era a oitava economia do mundo, sendo tratado como mendigo.
Além de não disponibilizar os recursos necessários para a aquisição da vacina e para a ampliação do número de leitos hospitalares, o presidente da república fazia pouco caso da crise sanitária. Apregoava com frequência a cantilena do sistema financeiro, a mesma de agora, sobre a necessidade premente de respeitar o teto de gastos e a responsabilidade fiscal.
Foi nesse clima negacionista que tentaram passar para o povo a ideia da imunidade de bando, um método que consiste em deixar todos se contaminarem para alcançar a imunidade de forma natural. Os sobreviventes estariam naturalmente imunes, dispensando a aquisição de vacinas.
Por causa desse jogo de esconde esconde, é que estamos próximo de atingir 700 mil mortos, um número de vítimas bem maior do que o que o número de mortos na Guerra do Vietnam.
O ministro representante dos banqueiros Paulo Guedes, o governante de fato, mesmo depois da nomeação de mais de cinco ministros da saúde, continuou repetindo, o mantra da “falta de recursos” como se a vida humana tivesse preço.
Bolsonaro se arvorou de meizinheiro e passou a prescrever medicamentos preventivos para o tratamento de verminoses e doenças infecciosas, ignorando que as viroses como as causadoras da covid 19, são tratadas com o uso de vacinas, justamente as vacinas que ele insistia em não adquirir.
Responsável maior pela expansão da pandemia, numa atitude negacionista, indiferente e negligente, não cumpriu o seu papel de governante e além disso resolveu, do alto da sua incompetência, se posicionar contra a vacina.
O pior de tudo isso é que recebeu o aval de um contingente significativo de médicos, bolsonaristas convictos, que resolveram aderir servilmente ao receituário negacionista oficial, manchando a própria reputação profissional em obediência a uma figura amorfa que contribuíram para eleger e entronizar como mito.
Diante de um cenário como esse, podemos assegurar que foi o SUS e seus dedicados apóstolos, com uma estrutura estrangulada financeiramente que nos salvou a nós todos.
Creio que aqueles que criticavam o SUS antes da pandemia, com certeza mudaram de opinião e passaram não somente a reconhece-lo, como também a defendê-lo, para que no governo Lula ele será fortalecido.
O processo de retirada das atribuições obrigatórias do governo, a rigor antecede o desgoverno de Bolsonaro. Faz parte de um projeto de dominação econômica que teve inicio na educação pública. Ela foi transformada em mercadoria na medida que substituía a educação de qualidade prestada pelo estado, por empresas educacionais privadas.
Educandários públicos de referência, hoje em dia são a pálida imagem de um fracasso educacional propositado, e já não mais existem com a eficiência de antes. Temos algumas exceções como exemplo de resistência, como é o caso próximo de nós do Colégio Agrícola, Vidal de Negreiros–CAVN, em Bananeiras na Paraíba que foi encampado pela UFPB.
Educandários estaduais como o Liceu Paraibano, o Colégio Estadual da Prata em Campina Grande, o Liceu Cearense, o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro e a Rede brasileira de colégios Agrícolas financiados pela Superintendência de Ensino Agrícola e Veterinário-SEAV, tais como os Colégios Agrícolas de Bananeiras-Pb, Jundiaí-Rn, Barreiros-Pe, Barbacena-Mg, Lavras da Mangabeira-Ce, Itaguaí-Rn, ou caíram em qualidade ou não mais existem.
O enfraquecimento da rede pública de ensino ocorreu de forma inversamente proporcional ao fortalecimento do ensino privado, transformado em empresas educacionais, onde o aluno que é apenas um número, estuda para passar no ENEM e não para aprender. A educação dos nossos dias virou um negócio em que a mercadoria cara e de qualidade questionável, só permite o acesso a quem tiver dinheiro, ou seja, à classe dominante.
Mutatis mutandis esse é o tratamento que vem sendo crescentemente dispensado à saúde pública, que definha a olhos vistos. Na medida em que crescem em número e competitividade as empresas privadas prestadoras, a saúde que é uma obrigação de estado vai também sendo transformada em mercadoria que só adquire quem tem dinheiro.
Se disséssemos que o SUS vem prestando um serviço de boa qualidade estaríamos incorrendo numa inverdade. Todavia, essa carência não ocorre à toa e, não explicitar a sua causa seria uma grande omissão de nossa parte.
Comecemos pela questão do financiamento da saúde, que pode ser visualizado claramente na LOA de 2022 em execução. A fatia orçamentaria destinada à saúde, que representa apenas 2,85% do orçamento de 2022, por si só é reveladora das reais intenções do governo federal como mostra a figura que se segue. Nela, a fatia destinada à saúde pública, aí incluído o SUS, representa 1,02% dos 2,85% da LOA. na figura abaixo a saúde esta ao lado da irmã gêmea de infortúnio que é a educação, com 2,69%.
Em valores absolutos caberia ao SUS em 2022, aproximadamente R$171,9 bilhões de reais. Esse número pode ser enxergado como uma quantia fantástica, mas não o é. Uma vez rateado pelos 26 estados da federação, além do distrito federal, resultaria em R$ 6,36 bilhões de reais per capita , ainda assim sujeitos a contingenciamentos ou cortes.
Nesse sentido o Conselho Nacional de Saúde, no mês de outubro do corrente ano, denunciava à OMS e a quem de direito, o corte na dotação orçamentaria do SUS para o ano de 2023, acrescentando que o famigerado teto de gastos vem congelando recursos desde 2018, ano de início da “indigestão” de Bolsonaro, que atravessou toda pandemia cortando despesas na rubrica da saúde. Senão Vejamos:
“O Conselho Nacional de Saúde (CNS) encaminhou, nesta quarta (26/10), uma carta para a Relatoria da Saúde da Organização das Nações Unidas (ONU) denunciando a retirada de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para 2023. O valor do orçamento do Ministério da Saúde está fixado em R$ 149,9 bilhões, o que representa uma redução de R$ 22,7 bilhões, quando comparado a 2022. As perdas podem chegar a R$ 60 bilhões se considerarmos o Teto de Gastos, que tem congelado recursos desde 2018.
A denúncia também foi encaminhada para a organização da sociedade civil Geneva Global Health Hub (G2H2), para a relatoria de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Desca) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) e para o Conselho de Direitos Humanos da ONU.
No Brasil, o documento segue para o Tribunal de Contas da União (TCU), Controladoria Geral da União (CGU), Ministério Público Federal (MPF) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Também é destinado ao relator-geral do Orçamento da União de 2023, senador Marcelo Castro, e ao relator do Orçamento da Saúde de 2023, senador Confúcio Moura.
A redução no orçamento na Saúde para 2023 deve atingir a oferta de medicamentos gratuitos, ações para prevenção e controle de doenças, vacinação, apoio a municípios, estados e Distrito Federal para vigilância em saúde, entre outros. Os principais cortes atingem ações de imunização, cujo orçamento passou de R$ 13,6 bilhões em 2022 para R$ 8,6 bilhões, e a Saúde Indígena que teve seu orçamento reduzido de R$ 1,4 bilhões para R$ 609 milhões, uma diminuição de 60%.”
Parte da população brasileira desassistida, refugiou-se nos planos de saúde de preços inalcançáveis e prestação restritiva. Essa modalidade de prestação exclui mais de 50% da população brasileira que não tem condições de pagamento.
Os 50% restantes, uma parte é beneficiária de planos compartilhados com empregadores, sejam eles públicos ou privados e funciona como um atrativo vantajoso ao emprego, e serve para escamotear os baixos salários.
A lógica poderia ser outra, qual seja, a prestação de um serviço público de saúde, acessível a de toda população, eficiente e eficaz e que permitisse dispensar o plano de saúde. É por essas e outras que deveremos iniciar uma luta logo no início do novo governo Lula, para o fortalecimento do SUS. Para que o melhor projeto de saúde pública do mundo, possa ser também a melhor prestação de saúde.
Consulta:
Qual o papel da OMS e por que suas recomendações são cada vez mais necessárias? – Sala Situação de Saúde (unb.br);
Covid: Brasil encerra 2021 como 12º país em morte por milhão (poder360.com.br);
Veja porquê o verdadeiro problema da dívida pública é o sistema financeiro (sintesu.org.br);
Conselho Nacional de Saúde – CNS denuncia a organismos internacionais corte de R$ 22,7 bilhões no orçamento do SUS para 2023 (saude.gov.br);
Fotografias:
Qual o papel da OMS e por que suas recomendações são cada vez mais necessárias? – Sala Situação de Saúde (unb.br)
https://m.facebook.com/Anamatra/photos/elaborada-a-partir-de-contribui%C3%A7%C3%B5es-de-parlamentares;
https://pt.123rf.com/photo_20712852_cadetes-marchando-em-forma%C3%A7%C3%A3o-academia-militar-de-west-point-west-point-new-york.htm;
Covid: Brasil encerra 2021 como 12º país em morte por milhão (poder360.com.br);
Veja porquê o verdadeiro problema da dívida pública é o sistema financeiro (sintesu.org.br);
Vacina do Covid 19 – Pesquisa Google;