Vivemos o momento em que os preparativos para a instalação do governo do presidente Lula estão em curso. A comissão de transição ainda vem sendo composta, mas mesmo assim, já começa a levantar o tapete dos órgãos administrativos do atual governo, para a inspeção rigorosa a que se propõe. Iniciados os trabalhos, já soa o alarme anunciando a descoberta de crateras na lei orçamentária anual – LOA de 2022, deixadas pelo governo moribundo de Jair Bolsonaro, julgado e derrotado nas urnas.
A pergunta que não quer calar a nosotros, é sobre o rumo que irá ser dado à economia do país daqui por diante, e em que aspectos esse rumo poderá contemplar a nação como um todo, principalmente os descamisados, como os tratava Eva Peron, a Evita dos argentinos.
Na composição da equipe que está coligindo e apreciando os elementos econômicos, os quais irão orientar a formatação do programa executivo de governo do presidente Lula, com certeza encontraremos economistas de pensamento ortodoxo e heterodoxo.
Cada corrente de pensamento, tem em mente o modelo econômico da sua preferência. Se não no todo, pelo menos em parte, ou seja, tem a visão voltada para o seu quadrado.
Em sendo ele um intelectual simpatizante dos postulados do liberalismo econômico, com certeza terá em mente que, a economia, igualmente às demais ciências, deverá estar sujeita às leis naturais e não deverá sofrer intervenções, para “não atrapalha – la”.
Ou seja, ela deverá permitir a liberdade total entre as partes, de modo que as relações entre empregado e empregador sejam feitas com base no livre acordo entre ambos, sem a intermediação do Estado ou dos Sindicatos representativos. É a prática da ideia fisiocrata de condenação aos entraves, ou a louvação ao Laissez-Faire. (deixar passar)
O modelo econômico liberal, tem por princípio estimular a prática do livre comércio, da livre concorrência, do livre cambio, da retirada do protecionismo e do estímulo à competitividade. Defenderá com toda convicção, a ideia de que a economia seja conduzida pela “mão invisível do mercado,” um ente metafísico que com suas “leis”, regulará toda movimentação econômica, “naturalmente.”
Para os defensores desse modelo econômico, o ideal será a adoção dos dogmas do liberalismo econômico, que teve como percussores Adam Smith, o qual escreveu A Riqueza das Nações em 1776, além de Thomas Malthus e David Ricardo.
Se por outro lado o economista tiver mais identidade com o ideário socialista, além das suas ideias e convicções serem completamente antagônicas aos postulados do liberalismo econômico, ele enxergará na grande propriedade privada e na divisão da sociedade em classes sociais, as causas maiores da dominação e da exploração.
O socialismo como uma proposta mais jovem e pela sua própria essência, tem natureza revolucionária. Nascido em berço iluminista, no seu início atravessou discussões internas severas quanto à sua forma, e o seu modus operandis.
O socialismo utópico, embora tecesse ácidas críticas à ordem capitalista burguesa, não oferecia alternativas práticas, adotando uma visão romântica para a proposta socialista.
Um dos expoentes do socialismo utópico, o francês Saint Simon, era um adepto da teoria iluminista e dividia a sociedade em três categorias: os sábios que juntamente com os artistas deveria conduzi-la; os proprietários e os despossuídos.
O outro expoente, também francês, Charles Fourier, era um iluminista inspirado nos ensinamentos de Rousseau, considerado um dos principais filósofos do iluminismo, inspirando inclusive Adam Smith e Hegel.
Robert Owen, era inglês e o mais pragmático entre eles. Tinha em mente, promover a melhora da qualidade de vida dos operários por meio da instrução e acreditava, não sem motivos, que somente a pessoa bem preparada poderia qualificar seu trabalho.
“Chegou a aplicar suas ideias em Empresas da Escócia e, instalado nos Estados Unidos, criou a comunidade New Harmony, em que pôs em prática as suas ideias de formação integral do indivíduo.”
Tudo que ele fez, imbuído da maior responsabilidade, foi no dizer bem-humorado do saudoso Garrincha, sem combinar com os russos.
O antagonismo entre a burguesia e o proletariado, acentuou-se depois da revolução burguesa da França em 1789, oficialmente considerada o berçário do capitalismo.
Como a grande massa trabalhadora era aculturada e proveniente do feudo, os pensadores de então, trataram as novas relações de trabalho como uma ciência natural exata, sem entender tratar-se de uma ciência social de viés antropológico de raiz, mas de cunho sociológico e filosófico na essência.
As ideias de pensadores como Simon, Fourier e Rousseau eram utópicas e desprezavam a questão fundamental da divisão da sociedade em classes.
Pretendiam encontrar uma fórmula mágica de domesticar o liberalismo, humanizando-o e tornando-o solidário.
“O Socialismo Cientifico, foi fundado por Karl Marx – cuja obra mais conhecida é O Capital – e Friedrich Engels. Em 1848 Marx e Engels publicaram o Manifesto Comunista, obra que sintetiza os mais importantes postulados dessa doutrina.”
Iniciaram o Manifesto com a celebre frase: “Um fantasma ronda a Europa – o fantasma do comunismo.”
O socialismo científico, ao contrário do socialismo utópico, não se pôs à espera da espontânea capacidade humana de transformação, como era o propósito de Robert Owen. O foco das atenções socialistas foram os mecanismos sociais e materiais usados pelo capitalismo, penetrando a fundo nas suas entranhas, em busca de uma forma de eliminá – los através de uma proposta revolucionária à classe trabalhadora. “Trabalhadores do mundo, uni – vos.”
Marx recolheu os elementos para a sua análise crítica ao liberalismo, do pensamento liberal de Adam Smith, do socialismo utópico dos franceses já citados e da ideologia alemã de Kant e Hegel. Tal qual um farmacêutico, ele preparou a vacina usando o veneno como matéria prima.
Marx desafiou o idealismo filosófico de Hegel ainda estudante e imberbe, quando publicou a sua obra pioneira em 1843: Critica da Filosofia do Direito de Hegel, na transição entre a fase juvenil e a fase adulta da sua obra.
Karl Marx juntou a sua ideia materialista, à dialética idealista de Hegel, obtendo o seu revolucionário materialismo dialético. Em seguida associou a compreensão das condições jurídicas na sociedade, com as suas relações materiais.
“Se por um lado pretendia superar os fundamentos estabelecidos por Hegel para o Estado alemão, por outro visava, através da reflexão entre a visão e a prática, ir além do trabalho teórico de crítica à religião de Feuerbach, uma forte influência na sua formação.”
Pelas considerações iniciais até aqui feitas chegaremos à conclusão de que a escolha de um modelo econômico por parte de um governante que se proponha popular e progressista, deva estar vinculada à proposta política aprovada nas urnas e nunca atrelada ao pensamento dos autodenominados supersecretários e superministros.
Entre os modelos de políticas econômicas sobre as quais discorremos, podemos afirmar sem a menor sombra de dúvidas que o modelo de economia liberal burguês, não convém à classe trabalhadora.
A comprovação do que acabamos de afirmar, foi evidenciada ao longo de muitos anos de uso do liberalismo, por sucessivos governos mundo afora.
Quase sempre à serviço da classe dominante, adotam o liberalismo econômico como modelo, para satisfazer na plenitude, os interesses das minorias. Na atual conjuntura brasileira temos 33 milhões de pessoas na miséria absoluta e 103 milhões em insegurança alimentar, ou seja, não sabem se amanhã terão o de comer, como diz o senador Veneziano.
O modelo econômico socialista, revolucionário em essência, é uma experiencia incipiente, que até hoje não encontrou condições subjetivas que permitissem a sua implementação plena, inclusive no Brasil.
O máximo onde nos foi permitido chegar através do voto, foi a governos populares e progressistas como os do presidente Lula, de Miguel Arraes e de Leonel Brizola.
Esses governantes atenderam, mesmo que minimamente aos interesses e às necessidades básicas do povo, mesmo assim são considerados heréticos, foram estigmatizados e demonizados pela burguesia brasileira, que lhes devota ódio.
Algumas tentativas de implementação de um misto de socialismo nacionalista pela via eleitoral, foram sufocadas, inclusive com eliminação física.
Para ficar apenas nas Américas, citamos os exemplos do México de Lauro Cárdenas, a Guatemala de Jacobo Arbenz derrubado pela Cia, o Chile de Salvador Allende, assassinado dentro do Palácio de La Moenda sob a supervisão da Cia, a Nicarágua de Daniel Ortega e os revolucionários Sandinistas, o nacionalismo do general Hugo Chaves/Maduro Evo Morales, entre outros.
A recente vitória de Lula, aponta para novas perspectivas de um governo popular e progressista que, mesmo sem tomar posse, já está às voltas com a reação conservadora do congresso nacional. Ao que parece a intenção é torná-lo refém de um congresso conservador, que defende previamente interesses nada republicanos, como é o caso do escandaloso orçamento secreto, instrumento de cooptação e corrupção eleitoral.
Além disso propõem novas regras para o MEI, silenciam sobre a PEC 95 que congela investimentos públicos até 2030 e procuram assegurar a reeleição de Artur Lira, parceiro e avalista de toda saga bolsonarista, pelo menos até aqui.
O economista Marcio Pochmann, como ex diretor do Dieese, professor da UNICAMP, ex presidente do IPEA, presidente da Fundação Perseu Abramo, e um dos cotados para a nova área econômica, tem opinião própria sobre os rumos da economia, diz ele:
“o primordial é que o chefe da pasta tenha uma visão ampla do projeto político e das prioridades do governo, com capacidade para tocar as medidas econômicas…. O essencial é a política que estabelece o horizonte sobre o qual a política deveria estar organizada. Nesse aspecto, mais importante do que uma visão macroeconômica, é a visão do todo, do que será o governo nos próximos quatro anos.”
Essa postura política não é uma novidade para o Brasil. Tivemos dois presidentes da república que marcaram a nossa história que foram Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Poucas pessoas sabem os nomes dos seus ministros da fazenda, porque os estadistas como eles, com um projeto nacional em mente, não davam espaço para esse culto à personalidade de figuras mitológicas de somenos importância.
Somente no período ditatorial, e depois dele, foi que surgiram nomes como: Octávio Gouveia de Bulhões, Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen, Delfim Neto e até Maílson da Nóbrega entre outros, para ocupar o espaço vazio deixado por presidentes omissos, até chegarmos a figuras amorfas como Paulo Guedes, que exerceu o governo de fato.
A um presidente da república eleito pelo povo, ministro nenhum deve dizer o que pode e o que não pode ser feito. Ele deve sim, procurar a fórmula para dizer ao presidente como é que pode, ou por outra adverti-lo sobre a inconveniência legal de faze – lo. Ponto.
Um país que preze por sua soberania, não poderá seguir cegamente o receituário de organismos financeiros internacionais tendo como instrumento, ministros sem representatividade nenhuma e sem compromisso com quaisquer projetos nacionais de governo.
Alea Jacta Est! Ou seja, A Sorte Está Lançada!
Consulta:
Liberalismo, Socialismo e Anarquismo | EducaBras;
https://www.amazon.com.br/Critica-Filosofia-do-Direito-Hegel;
Economia precisa estar a serviço do projeto político, diz Marcio Pochmann – Inteligência Financeira (inteligenciafinanceira.com.br);
Karl Marx: conheça a vida e a obra do pensador alemão – Revista Galileu | História (globo.com);
Fotografias:
Liberalismo econômico: conceito, resumo e características – Toda Política (todapolitica.com);
Adam Smith: A divisão do trabalho – Ensaios e Notas;
Biografia de Jean-Jacques Rousseau e principais obras – Toda Matéria (todamateria.com.br);
Robert Owen | Biografia, Crenças, Nova Lanark, Nova Harmonia e Fatos | Britannica;
Karl Marx: conheça a vida e a obra do pensador alemão – Revista Galileu | História (globo.com);
Especial Getúlio Vargas – Agosto de 1954: 60 anos de uma tragédia brasileira;
Boulos e Manuela recebem apoio de Rede e PDT em SP e Porto Alegre (redebrasilatual.com.br)