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O deputado que quis instalar na Paraíba a primeira Faculdade de Direito do Brasil

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Há duzentos anos, no dia 29 de setembro de 1822, na Câmara da capital da Paraíba, foram eleitos os deputados da então Província para a Assembleia Constituinte que funcionaria no Rio de Janeiro com a finalidade de estabelecer o ordenamento jurídico da nação que surgia após a separação de Portugal. Coube à Paraíba uma bancada de cinco deputados e os nomes que foram eleitos para o parlamento nacional demonstravam que persistiam na Província os ideais que animaram o movimento insurrecional que havia ocorrido cinco anos antes e que chegara a implantar no território paraibano, por quase dois meses, um governo de inspiração republicana. Todos os cinco deputados da bancada da Paraíba à Constituinte haviam tido participação efetiva na revolução de 1817.

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Um dos eleitos, o advogado português Augusto Xavier de Carvalho era o pai de José Peregrino de Carvalho, que foi um dos cinco supliciados pela implacável repressão à rebelião de 1817 na Paraíba. Acusado de crime de lesa-majestade e alta traição, José Peregrino, que tinha 19 anos de idade, foi enforcado no Recife e, depois, teve a cabeça e as mãos decepadas e salgadas e levadas para a capital da Paraíba, onde foram pregadas em um poste localizado nas Trincheiras. Conforme determinava a impiedosa sentença que o condenou, o restante do seu corpo foi amarrado na cauda de um cavalo e arrastado até um cemitério do Recife.

 

Dois outros deputados eleitos, Joaquim Manoel Carneiro da Cunha e José da Cruz Gouvea, tiveram participação ativa na revolução de 1817 na Paraíba, desde os primeiros episódios que deram início à insurreição paraibana. Completando a bancada da Província à Assembleia Constituinte foram eleitos dois padres, José Ferreira Nobre, que, em 1817, era o vigário de Pombal, onde propagou do púlpito a revolução entre os seus paroquianos e arregimentou forças, e Virgínio Rodrigues Campello que, na época da revolta, era vigário colado em Campina Grande, onde fez propaganda do levante.

Dos deputados paraibanos à primeira Constituinte do Brasil, apenas José da Cruz Gouvea não foi preso em 1817, quando houve a repressão à rebelião, porque conseguiu fugir para a Inglaterra acompanhando Estevão José Carneiro da Cunha, um dos chefes militares da revolução na Paraíba. Os demais deputados paraibanos haviam sido presos pelas forças da contrarrevolução e tiveram os seus bens sequestrados. Inicialmente, eles foram levados para o Recife e, em seguida, enviados, em uma mesma embarcação, para a prisão na Bahia, onde permaneceram até 1821, quando foram anistiados.

A Constituinte iniciou os seus trabalhos em abril de 1823 e, sete meses depois, no dia 12 de novembro, foi dissolvida por tropas enviadas pelo Imperador Pedro I, inconformado com os rumos que a Assembleia estava tomando no sentido de limitar os seus poderes. Somente quatro deputados paraibanos participaram da Assembleia. O vigário Virgínio Campello, que se encontrava em Portugal, não tomou posse e nem foi substituído, incorrendo em erro o historiador Irineu Ferreira Pinto quando afirmou que teria havido a sua substituição. Mas, do exame das atas da Constituinte se conclui que, efetivamente, na representação da Paraíba apenas um deputado se sobressaiu na Assembleia. Para o historiador Celso Mariz “a Paraíba teve uma figura empolgante no primeiro congresso da nação: Joaquim Manoel Carneiro da Cunha”.

O pernambucano Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, que tinha o mesmo nome do seu pai, residia no Engenho Abiaí, em Alhandra. Segundo Celso Mariz, o “inteligente, instruído e voluntarioso” Carneiro da Cunha pertencia ao “grupo de moços formados aos ensinamentos de Arruda Câmara para as lutas da democracia”. No sumário do seu processo quando da devassa da revolução de 1817 são apresentadas, entre outras acusações, as de que ele “louvou a rebelião […] que isso de rei estava acabado, e que o partido da pátria era melhor; partira para o Pilar com gente que tinha notificado; proclamava a tropa com entusiasmo; foi voluntário ofereceu-se para sentar praça em serviço da pátria; em todo o tempo da revolução andou armado de pistolas e espadas fazendo serviços militares”.

Na prisão na Bahia, onde ficou por quatro anos, Joaquim Manoel Carneiro da Cunha “aumentou sua cultura nos serões […] que se permitiram aos réus da revolução”, conforme as palavras de Celso Mariz, que acrescentou que um dos presos, Antônio Carlos de Andrada, irmão de José Bonifácio, “lecionava e pontificava nessas grades, onde futuros deputados, senadores, ministros e presidente purgavam seu ideal de liberdade capitulado pela justiça do tempo em crime de alta traição”.

A altivez de Carneiro da Cunha pode ser avaliada no episódio de uma inspeção que foi realizada na cadeia, quando ele denunciou as condições desumanas em que se encontravam os presos nos cárceres baianos. A ocorrência foi relatada por um dos seus companheiros de cela, monsenhor Francisco Muniz Tavares, que, anos depois, escreveria a “História da Revolução de Pernambuco em 1817”, obra indispensável para o conhecimento dos fatos da insurreição nordestina.

“Ao entrar naquela sala, o major ficou horrorizado, vendo aquele grupo de cinco e seis homens distintos, assentados no chão, tendo sobre esteiras ou bancos, um prato de pirão, e outro de carne sem mais nada. Levantaram-se todos, e um dos presos, o falecido Joaquim Manoel Carneiro da Cunha, sem pedir a palavra, nem fazer o menor exórdio soltou a língua (da qual sempre prodigamente usava, com razão ou sem ela) e dirigiu uma forte catilinária ao carcereiro que o escorchou”

Após a sua libertação em 1821, Joaquim Manoel Carneiro da Cunha retornou para a Paraíba e já em fevereiro de 1822 era eleito como um dos membros da Junta Governativa da Província. Sete meses depois, era eleito deputado à Assembleia Constituinte onde, conforme as palavras de Muniz Tavares – que também fora eleito deputado por Pernambuco – Carneiro da Cunha, soltaria a língua “da qual sempre prodigamente usava, com razão ou sem ela”. O representante da Paraíba foi um dos mais constantes ocupantes da tribuna durante os trabalhos da Constituinte, ao ponto de, em uma das sessões, a ata registrar o seguinte diálogo entre ele e o Presidente da Assembleia:

“O SR. CARNEIRO DA CUNHA: – Peço a palavra.
O SR. PRESIDENTE: – Já fallou.
O SR. CARNEIRO DA CUNHA: – Fallei uma só vez.
O SR. PRESIDENTE: – Não póde mais fallar.
O SR. CARNEIRO DA CUNHA: – Eu não sou daquelles que costumão cansar a assembléa com longos discursos”.

Na Constituinte, Joaquim Manoel Carneiro da Cunha se incorporou ao grupo de deputados que defendiam as posições mais radicais contra o despotismo, chegando a protagonizar ásperos debates com os Andradas: José Bonifácio e Antônio Carlos. A intensa participação de Carneiro da Cunha na Constituinte envolveu proposições e intervenções sobre os mais variados temas, como a abolição da pena de morte, liberdade de imprensa, a regulamentação da extração do pau-brasil e a liberdade de religião. O deputado paraibano também se manifestou pelo estabelecimento do sistema federativo no país. Para o historiador Evaldo Cabral de Mello:

Excepcional foi o caso de Carneiro da Cunha, ao declarar que ‘a federação não era incompatível com o sistema monárquico-constitucional e que era a melhor forma de governo para um país imenso como o Brasil, de modo a dar a cada Província uma assembleia legislativa sem ofensa à integridade do império’

No mês de agosto de 1823, discutia-se na Assembleia Constituinte a criação de uma Universidade no Brasil com a instalação do primeiro curso jurídico no país. Carneiro da Cunha ocupou longamente a tribuna para contestar a proposição que fora apresentada por Silva Lisboa (futuro Visconde de Cairu) e por José Martiniano de Alencar (pai do romancista cearense) para que a Universidade fosse instalada no Rio de Janeiro:

“Sr. presidente, levanto-me para fallar a favor do projecto, mas não posso de nenhum modo accommodar-me com a opinião dos illustres deputados os Srs. Silva Lisboa e Alencar, relativamente a ser instituida a universidade no Rio de Janeiro. Parece-me evidente a impossibilidade de haver nesta côrte uma universidade, onde o luxo desmedido, e variados divertimentos devem necessariamente ter grande influencia nos animos dos estudantes, incitando-os a fazer despezas para gozar delles, ao mesmo tempo que as mesadas se limitão apenas ás quantias necessarias para os gastos de sua subsistencia, e compra de livros”.

O deputado Carneiro da Cunha se posicionou, contra a propositura que fora apresentada indicando o Rio de Janeiro como sede da Universidade, argumentando que o “luxo desmedido e variados divertimentos” da cidade, desviariam a atenção dos acadêmicos dos seus estudos. Por outras razões, também criticou as alternativas de se ter a sede da instituição em São Paulo, na Bahia ou em Pernambuco e defendeu uma proposta para instalação da Universidade na Paraíba:

Portanto, tendo pesado todas estas razões, e conhecendo, que não é praticavel o estabelecer-se a universidade nem em S. Paulo, nem na Bahia, nem em Pernambuco, e muito menos no Rio de Janeiro, digo que preferiria a Parahyba. Ella não é a minha patria, porque nasci em Pernambuco; mas se sou deputado da Parahyba, tambem o sou de toda a nação.

Em seguida, Carneiro da Cunha passou a apresentar na tribuna as vantagens da instalação da Universidade na Paraíba:

A Parahyba offerece muitas vantagens, que não encontro nas provincias que já citei; clima moderado abundancia de viveres, todas as commodidades necessarias para a subsistencia, e nenhuma distração ou divertimentos. O povo da Parahyba é um povo simples, de costumes ainda mui singelos, onde não ha theatro, nem dissipação de qualidade alguma. Tem além disto grandes edificios que podem servir, tanto para o estabelecimento do collegio, como para habitação dos estudantes. Para o norte seguramente não ha uma só provincia que tenha um tão bello edificio como o convento de S. Francisco da cidade da Parahyba, que tem uma grande cerca, e todos os commodos necessarios; é um edificio immenso, e só precisa de alguns reparos. Além deste convento ha o de S.Pedro onde existem dous frades, e outro do Carmo que os frades já não querem habitar. Eis um paiz bello para se estabelecer uma universidade, no caso de se admittir que deve ser uma só, porque fica mais perto do resto das provincias do norte.

A dissolução da Assembleia Constituinte, não permitiu que fosse votada a proposta de Joaquim Manoel Carneiro da Cunha de instalação na Paraíba do que então era chamado de Universidade, mas que, na realidade, tratava-se da implantação de cursos jurídicos no país. A matéria ficou pendente até que um decreto de 1825 estabeleceu o Rio de Janeiro como sede de um curso jurídico, determinação legal que acabou não sendo efetivada. No ano seguinte, a Assembleia Geral votava a lei de criação dos dois primeiros cursos jurídicos no Brasil, nas cidades de Olinda e São Paulo, lei que foi sancionada pelo Imperador Pedro I em 11 de agosto de 1827, data que é, anualmente, celebrada pelos advogados brasileiros.

Joaquim Manoel Carneiro da Cunha retornaria à Câmara dos Deputados em mais duas legislaturas. Para Celso Mariz, o ruído da sua palavra “ouve-se até 1859, quando a morte o retira da arena”. No momento em que se comemora o bicentenário da Independência do Brasil a figura do destemido deputado pela Paraíba, destacado protagonista das lutas pela emancipação da nação brasileira, é totalmente esquecida.

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