Sempre me pareceu um pouco tolo a emoção que muitas pessoas demonstram quando algum famoso morre. São famosas as cenas, como nos funerais de Getúlio Vargas ou Carmen Miranda, em que multidões se acotovelavam para ver o cortejo fúnebre passar, ou ainda, as filas quilométricas que se formavam para que, por alguns instantes, se pudesse dar o último adeus ao lado do esquife de uma pessoa a quem você nunca chegou perto em vida.
Minha irmã costuma dizer que “língua foi feita para pagar”, e hoje, excepcionalmente, eu concordo. Dia 5 último, o país acordou com a notícia da morte de Jô Soares, e eu me senti como se meu tio-avô (eu tenho uma coisa com tios-avôs) tivesse partido. Tolo imaginar que a morte de uma pessoa quem eu só vi pela televisão pudesse deixar um buraquinho dentro de mim.
Como sempre fui notívago, as madrugadas sempre foram meu espaço, e foram incontáveis as entrevistas que eu assisti no Programa do Jô. Aprendi imensamente, e dei gargalhadas abafadas para não acordar todos em casa. O fato é que numa época sem representatividade alguma, o gordo sempre foi a minha maior referência. Como ele, sempre me diverti ao usar “roupas sociais”, e não sei quantas foram as vezes em que me inspirei em seu estilo para me vestir. Acredito que devo um pouco do que sou ao que via nas madrugadas na TV. O gordo era o gordo, não “gordinho”, não “cheinho”, Jô me ensinou que tudo bem ser gordo, me ensinou que ser gordo pode ser sinônimo de elegância, e que as regras que pululavam à época de como “disfarçar” ser gordo eram uma grandessíssima bobagem.
Não menos importante, vi em Jô quem eu queria ser. Um adolescente meio perdido, como tantos outros, vi nele um intelectual que falava 6 línguas (ainda não empatei com ele por causa do bendito alemão), que sempre declarou que passava a noite acordado e a manhã dormindo e, ainda, que por muitos anos se sentia envergonhado de não estar disponível antes do meio dia. Até que afirmou que dormia até tarde porque também trabalhava até muito tarde. Isso também ressonou em mim.
Lembro-me que na época do vestibular (de antemão digo aos vestibulandos que nunca sigam meus planos de estudo), ao invés de estudar a matéria passava meus dias lendo, inclusive os romances policiais que Jô escrevia. Devo o meu parco conhecimento da Era Vargas a Dimitri Borja Korozec, o atrapalhado assassino de aluguel com 6 dedos que tinha por missão matar Gêgê. Na leitura de Jô eu aprendi que você pode falar de história, mistério e até homicídios com leveza e riso. Acredito que devo a ele minha escrita leve.
Jô era sem falar, porque como diz a canção “quem é mesmo não diz”. De entrevistas a presidentes da república, a entrevistas com um jardineiro que fazia esculturas nas plantas que podava e, ainda, andava de patins, Jô tratava todos com o simples “você”. Não seria correto tratar uns por você e outro por senhor ou senhora. Jô tinha como premissa a igualdade entre todos que sentavam no seu sofá.
Citando Elis Regina, em “Como nossos Pais” que dizia que “os nossos ídolos são os mesmos”, me despeço um pouco triste por saber que o ídolo de tantas pessoas e gerações não poderá ser o ídolo presente que Jô foi e sempre será para muitos de nós.
Enfim, um beijo de um gordo e viva o Gordo!
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