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A primeira entrevista publicada no Brasil

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Em 1808, quando D. João chegou ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão que haviam invadido Portugal, trouxe na sua imensa bagagem dois prelos e material para tipografia. Logo depois, começava a ser editado o jornal “Gazeta do Rio de Janeiro”, o marco inicial da imprensa no Brasil. A “Gazeta” era uma espécie de “diário oficial” da Corte portuguesa, conforme se deduz das impressões que foram registradas pelo comerciante inglês John Armitage em livro que ele escreveu sobre aquele período:

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“Por meio dela só se informava ao público, com toda a fidelidade, do estado de saúde de todos os príncipes da Europa e, de quando em quando, as suas páginas eram ilustradas com alguns documentos de ofício, notícias dos dias natalícios, odes e panegíricos da família reinante. Não se manchavam essas páginas com a efervescência da democracia, nem com a exposição de agravos. A julgar-se do Brasil pelo seu único periódico, devia ser considerado um paraíso terrestre, onde nunca tinha se expressado um só queixume”

O que ocorria era que os queixumes da população eram escamoteados por uma rigorosa e implacável censura e os raros periódicos que apareceram até o final da década seguinte não atendiam a um princípio fundamental e indispensável para uma imprensa livre: a liberdade de crítica e de opinião. Conforme anotou Nelson Werneck Sodré, na sua indispensável “História da Imprensa no Brasil”, quando ocorreu em Portugal, em 1820, a chamada Revolução do Porto existiam no Brasil apenas dois jornais, a renitente e oficiosa “Gazeta do Rio de Janeiro” e, na Bahia, “Idade de Ouro do Brasil”, segundo ele “periódicos típicos da imprensa áulica”.

Para Nelson Werneck Sodré, a revolução de feição liberal que ocorreu em Portugal teve “consequências favoráveis” para o desenvolvimento da imprensa brasileira e “foi em função delas que o processo da Independência prosseguiu”. A partir daquele momento, surgiram no Brasil vários periódicos que tiveram participação ativa em todo o movimento da Independência e, posteriormente, durante o funcionamento da Assembleia Constituinte que foi instalada, em maio de 1823, no Rio de Janeiro. Dentre esses jornais, destacava-se “O Tamoio”, cujos responsáveis e redatores eram ligados a José Bonifácio de Andrada, que foi denominado de Patriarca da Independência do Brasil.
Filho de uma abastada família de Santos ligada à exportação de açúcar, José Bonifácio deixara o Brasil ainda jovem para estudar na Universidade de Coimbra, onde se formara em Filosofia e Matemática. Tornou-se, na Europa, um respeitado cientista, nas áreas de geologia, metalurgia e mineralogia. Após 36 anos no exterior, regressou, em 1819 ao Brasil. Em janeiro de 1822 assumiu o cargo de Ministro de Estado e, a partir daí, no conceito do historiador Carlos Guilherme Mota, se constituiu “na figura de maior relevo da Independência do Brasil, tanto por sua ação como por sua formação intelectual e política”.

Em julho de 1823, José Bonifácio, que era a figura mais importante do governo, e o seu irmão Martim Francisco (que ocupava a pasta da Fazenda) deixavam o Ministério porque, segundo o historiador Octavio Tarquinio de Sousa, “D. Pedro I, cedendo à influência do reacionarismo português, e muito provavelmente à da amante paulista que havia de enleá-lo por muitos anos, já não fazia empenho na companhia dos Andradas”. Poucos dias depois, saía a primeira edição de “O Tamoio” que passaria a ser a tribuna de oposição jornalística de José Bonifácio e dos seus irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos.

No dia 2 de setembro, ocupando todo o quinto número de “O Tamoio” saía uma matéria que além da sua importância histórica se destaca pelo seu ineditismo. Para Octavio Tarquinio, “na história da imprensa brasileira e, provavelmente, da de outros países, esse número de ‘O Tamoio’ assume excepcional importância por encerrar talvez a primeira entrevista jornalística jamais feita”. O entrevistado, que era tratado como “o raro Paulista e optimo Patriota” e também como “o velho do Rocio”, era José Bonifácio de Andrada que residia, na época, no largo do Rocio, atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro.

O Tamoio, 2 de setembro de 1823,Acervo Biblioteca Nacional

O jornalista iniciava a matéria relatando o início da conversa com José Bonifácio.

“Cheguei á porta, bati huma e mais vezes, e ninguem apparecia, que levasse recardo, a final sahio hum muleque que em Lingua preta (Lingua que falla tambem muita gente branca em Tribunaes, Dicasterios, &c, &c) me disse que o Sr. estava doente […] Mandou-me logo entrar e o achei sentado em huma cama de campanha com huma mezinha defronte, muitos papeis espalhados, e hum livro Grego aberto, que depois soube ser o ‘Periplon de Hannon’ […] Recebeo-me mais esta vez com a mesma cordialidade antiga, e começando eu com muito fogo a dizer-lhe o porque vinha vel-o, deo uma risada, e começou a socegar-me com a sua costumada ironia Socratica, que nunca deixa, se não quando se trata seriamente da honra e salvação da nossa cara Patria”

Para o historiador José Honório Rodrigues, a demissão de José Bonifácio se deu em decorrência das reformas sociais e econômicas que ele tentou implementar e, por conta disso, “entrou em choque com todas as forças reacionárias que influenciavam D. Pedro”. Além do mais, segundo José Honório, “em Portugal, viu-se logo que o Brasil tinha um estadista e sobre ele recairia o ódio do Congresso, dos publicistas, dos jornalistas, dos políticos portugueses”. E é o próprio José Bonifácio quem relata o episódio na entrevista ao “Tamoio”

“Meo bom Amigo, sou já velho, tenho visto muito mundo dentro e fóra da Patria, e conheço os homens […] Era impossivel que não adquirisse no lugar que occupei, e nas circunstancias actuaes, muitos inimigos […] V. m. bem sabe que eu tive a desgraça de ser o primeiro Brasileiro que cheguei a ser Ministro d’Estado: isto não podia passar pela guela dos Europeos, e o que he peior, nem pela de muitos Brasileiros. Ajunte a isto que fui tambem o primeiro que trovejei das alturas da Pauliceia contra a perfidia das Cortes Portuguezas: o primeiro que preguei a Independencia e a liberdade do Brasil”

Nas suas declarações para o jornal, José Bonifácio expressava o seu desencanto com a atividade política e o seu desejo de voltar a se dedicar apenas às atividades intelectuais.

“Acolher-me ao retiro dos campos e serras, que me virão nascer, e folhear ali algumas paginas do grande livro da natureza, que aprendi a decifrar com apurado e longo estudo, sempre foi huma das minhas mais doces, e suspiradas esperanças […] Cada vez mais me persuado que não nasci senão para homem de letras […] No retiro do campo, meo bom Amigo, terei tempo (que sempre ate agora me tem fogido) de dar a ultima mão á redacção das minhas longas viagens pela Europa, aos meos compendios de Metallurgia, e de Mineralogia, e a varios Opusculos, e Memorias de Filosofia e Litteratura, fructos de larga e appurada aplicação […] Se não servirem para o Brasil, como creio, servirão talvez para os doutos da Europa, que conheço, e me conhecem. E que maior consolação póde ter hum amante das Sciencias, e das boas Artes, que communicar suas ideias e pensamentos, a quem póde entende-los, e aproveita-los”

Ao final da entrevista, o Patriarca da Independência se submetia ao julgamento da posteridade.

“Julguem-me como quizerem; brada-me a consciencia dia e noite que fiz á minha Patria, e ao povo desta Cidade, todo o bem que pude, e estava ao meo alcance. Se me não foi possivel dar a ultima mão de estuque ao magnifico Salão Nacional, ao menos emboquei a parede”.

“O Tamoio”, a tribuna na imprensa de José Bonifácio e dos seus irmãos, teve vida breve, apenas três meses. No dia 12 de novembro, por determinação do Imperador Pedro I, tropas cercaram o edifício onde funcionava a Assembleia Constituinte que foi dissolvida. Os militares invadiram a tipografia onde era feito “O Tamoio” e destruíram tudo o que pertencia ao jornal. Dentre as várias prisões que foram feitas estavam as de José Bonifácio e a dos seus irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos que foram, em seguida, deportados.

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