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“Barrigas” da Imprensa

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Em um artigo de 1946, publicado na “Folha da Noite”, Belmonte (Benedito Barros Barreto 1896-1947), o notável caricaturista criador de Juca Pato (personagem que, durante muito tempo, foi um dos símbolos de São Paulo), trata dos erros que aconteciam na imprensa de antigamente, decorrentes da desatenção ou mesmo da pressa em fechar as edições, falhas que depois de impressas se tornavam insanáveis, mas que, atualmente, nos atuais formatos digitalizados das publicações, seriam prontamente corrigidas, tão logo fossem percebidas.

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Belmonte descreve as falhas que aterrorizavam as redações, utilizando para descrevê-las a gíria jornalística do seu tempo. O “gato” era uma espécie de erro tipográfico, a troca de letras em uma palavra ou de palavras em uma frase, o “pastel” era “a mistura da composição de duas noticias ou artigos, dando em resultado uma coisa profundamente atrapalhada e profundamente humorística”. E Belmonte apresentava alguns exemplos no seu artigo:

Anúncio publicado, em janeiro de 1926, no “Diário Popular” de São Paulo:

“MOÇA – Vende-se uma, a balanço, baratissima, com freguesia formada e aluga-se o predio onde funciona” etc.”

No jornal “O Estado de São Paulo”, de maio de 1926, um “pastel” misturou trechos da seção esportiva e da religiosa:

“LIGA DE AMADORES DE FUTEBOL – Hoje, dia 1.o de maio, a secretaria da Liga de Amadores de Futebol funcionará somente até às 12 horas. Venham as castas donzelas saudá-la como o símbolo de pureza e o exemplo sublime de todas as virgens cristãs! Venham as mulheres em cujas frontes brilha o diadema formoso da maternidade” etc. etc.”

Para Belmonte, quando essas falhas ocorriam, o recomendável era tentar esquecê-las, para evitar o que ocorrera, no tempo do Império, com o vetusto “Jornal do Commercio”, do Rio de Janeiro, episódio por ele relatado no seu artigo. O imperador Pedro II sofrera uma queda de cavalo que o deixara, por determinado tempo, afastado das suas obrigações monárquicas. Quando o imperador melhorou, o “Jornal do Commercio” se apressou em noticiar para os seus leitores que D. Pedro II se restabelecera e que havia saído dos seus aposentos amparado em duas muletas. Mas, a notícia saiu publicada assim:

“Ontem felizmente, s. m. pode sair de seus aposentos particulares amparado a duas maletas”.

Quando o jornal saiu, a gozação foi imensa e o “Jornal do Commercio” resolveu, na edição seguinte, publicar uma retificação, nos seguintes termos:

“Ontem, por lamentável descuido de nossa revisão dissemos que s. majestade havia deixado seus aposentos particulares amparado a “duas maletas”. O leitor inteligente, porem, viu logo que se tratava de um engano. Com efeito. O que escrevemos foi que s. majestade sairá de seus aposentos amparado a DUAS MULATAS”.

Nos tempos mais recentes, o termo “barriga” passou a nomear genericamente essas falhas involuntárias que ocorriam nos jornais e revistas. Mas, em alguns casos, esses erros também se davam por falta do rigor, por parte dos responsáveis pelas matérias, na verificação do assunto a ser publicado. Foi o caso de uma das mais famosas “barrigas” da imprensa brasileira.;

Em abril de 1983, a revista “Veja” publicou uma reportagem com o título “Fruto da Carne – Engenharia Genética funde vegetal e animal” que repercutia uma matéria publicada, em 31 de março daquele ano, pelo respeitável semanário científico inglês “New Scientist”. A descoberta noticiada pela “Veja” representava uma verdadeira revolução científica, a fusão, obtida pela primeira vez, de células vegetais com células animais. A “Veja” ilustrava a matéria com um infográfico apresentando o que seria o resultado da espetacular experiência genética: “A produção do Boimate”.

FONTE: MIGALHAS

 

Mas, o que teria de errado na palpitante matéria da “Veja”? Há uma tradição na imprensa inglesa de “plantar” reportagens inverossímeis no dia 1º de abril e foi o que fez a “New Scientist” no dia da mentira daquele ano com a publicação da matéria referente ao “Boimate”. Como a “Veja” não verificou a veracidade da reportagem sobre um assunto tão revolucionário como aquele que fora publicado pela revista inglesa, concebeu uma “barriga” inesquecível.

A “Veja” concorreu, também, para uma “barriga” relacionada com a Paraíba. Em um elogioso artigo, publicado em maio de 1977, do jurista Dalmo Dallari sobre o livro “O Supremo Tribunal Federal e a instabilidade político-institucional”, do escritor e ex-Prefeito de João Pessoa Osvaldo Trigueiro do Vale, que nunca foi ministro do STF, a foto que ilustra a matéria refere-se ao ex-Governador da Paraíba e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal Oswaldo Trigueiro de Albuquerque Melo.

FONTE: “Veja”, 11 de maio de 1977.

Os jornais da Paraíba também produziram “barrigas” que tiveram repercussão nacional. Em fevereiro de 1972, o jornal “A União” foi alvo de uma “barriga” envolvendo as fotos do escritor e político José Américo de Almeida e da cantora Elis Regina. O caso obteve alcance nacional. Matéria publicada no semanário carioca “Politika” abordou o assunto:

“O governador Ernani Sátiro, da Paraíba, quase explodiu de irritação, semana passada, aqui no Rio. O jornal ‘A União, de propriedade do governo […] publicou na primeira página duas fotos grandes: a do ministro José Américo e a da cantora Elis Regina. Só que trocaram as legendas. Em baixo da foto de José Américo saiu: “Continua fofocando”. E em baixo da foto de Elis Regina saiu: “Continua líder”. Manoel Gaudêncio, secretário do governo explica a indignação dos paraibanos: – Por mais que a gente compreenda que esses enganos são comuns em jornais, é chato que tenha acontecido exatamente com o maior dos paraibanos vivos”.

FONTE: Politika 13 a 19 de março de 1972

“Politika” resolveu narrar o episódio fazendo uma gozação com a “barriga” de “A União”. Na verdade, as fotos saíram em uma seção interna do jornal e as legendas trocadas não foram aquelas que o periódico carioca publicou. A de José Américo foi “focado no sucesso” e a de Elis: “José Américo em três novelas”.

Outra barriga de repercussão nacional envolveu, em junho de 1973, novamente “A União”. Vivia-se o último ano do governo Médici, o período mais repressor da ditadura militar. Os jornais e as revistas estavam sob censura e aguardava-se, naquela ocasião, a escolha pelo alto comando militar do quarto dos cinco militares que governaram o país nos 21 anos de regime autoritário. Tão logo foi anunciado o general ungido pelos militares para ocupar a Presidência da República “A União” estampou o seu nome em letras garrafais em uma manchete na primeira página da edição do dia 18 de junho de 1973.

Segundo a revista “Veja”, poucos paraibanos tiveram acesso ao jornal “A União” naquele dia, “pois a edição foi apreendida por ordens simultâneas partidas de três pontos diferentes: da Polícia Federal, da Secretaria de Divulgação e Turismo, responsável pelo jornal, e do próprio governador Ernâni Satyro, que se encontrava em Brasília. Em manchete de oito colunas, na primeira página, a veneranda folha anunciava a candidatura do general Orlando Geisel à presidência da República”. Ocorre que o escolhido fora o general Ernesto Geisel, irmão do também general Orlando.

A “barriga” de “A União” teve graves consequências: a demissões do Secretário do Estado ao qual o jornal estava subordinado, do diretor e do editor-geral do jornal. No dia seguinte o jornal publicou a notícia com a manchete correta. A edição de “A União” com a “barriga” do anúncio do novo general-presidente é raríssima, não está disponível nem nos arquivos do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba – IHGP, mas a primeira página com a manchete foi reproduzida, na semana seguinte ao fato, nas páginas da “Veja”.

FONTE: “A União”, 18 de junho de 1973 – “Veja”, 27 de junho de 1973
FONTE: “A União”, 19 de junho de 1973

Três meses depois, nova “barriga” saía da lavra de outro jornal paraibano e que teve, também, repercussão nacional. A profusão de militares de várias patentes que ocupavam inúmeros cargos no governo era de tal ordem que confundiram os jornalistas do “Jornal da Paraíba”, de Campina Grande. Na extensa matéria, na edição de 16 de setembro, que reproduzia um discurso do general Geisel, uma fotografia acompanhava o texto com a legenda “O CANDIDATO”. Ocorre que a foto não era de Geisel, mas de outro militar, o então vice-presidente da República Augusto Rademaker.

FONTE: “Veja”, 25 de setembro de 1973

Como ocorreu no caso das “muletas” de Pedro II contado por Belmonte, a correção da “barriga” pelo “Jornal da Paraíba” acabou piorando a situação, conforme o relato da revista “Veja”:

“Recolhidos às pressas os quinhentos exemplares foram trocados por 250 de uma segunda edição, onde a foto de Rademaker foi substituída por uma do presidente Emílio Garrastazu Médici, que também não discursara naquele dia. Somente na terceira tentativa o “Jornal da Paraíba” conseguiu acertar com a ilustração, mas então já passava do meio-dia”.

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