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A Lepra e “O anjo dos Lázaros” – Eunice Weaver

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Esta coluna tem se dedicado, dentro da medida do possível e de nosso conhecimento, a trazer informações sobre saúde Espiritualidade e, em alguns casos, sobre religiosidade. Fica evidente que, como espiritista, foi na Doutrina Filosófica escrita por Allan Kardec que encontrei muitas das respostas que procurava, tais como: “de onde viemos?”; “por que vivemos?” “Por que vivenciamos certas situações de vida?” e “para onde iremos, quando nosso corpo não tiver mais condições de suportar o espírito que habita em nós?”.

Assim, ofereço ao nosso leitor a oportunidade da refletir comigo sobre esses temas; Os temas abordados não são tão aprofundados, considerando que nem todo leitor dessa coluna é espírita, portanto, não detém conhecimento aprofundado sobre certos temas, e nem a coluna tem por objetivo dar aulas sobre Doutrina Espírita.

Hoje irei falar sobre um tema que para muitos faz parte de um passado muito longínquo – a Lepra, que nós conhecemos como a hanseníase, e sobre uma mulher que como tantas neste Brasil, foi esquecida, e que muito fez pelos acometidos desse mal. O Brasil tem muitos heróis e heroínas que nem se quer são lembrados, e aqui vou falar um pouco sobre “O anjo dos Lázaros”, Eunice Sousa Gabbi Weaver.

A Lepra ou o Mal de Hansen
A Hanseníase é conhecida como uma das mais antigas enfermidades que aflige o homem. No Egito antigo, há referências sobre a lepra de mais de 4.000 anos atrás, em hieróglifos de circa 1.350 a. C. Na Europa, a Lepra teve seu ápice entre os séculos XII e XIV. Na França, entre os anos de 1404 a 1413, o Rei Calos XI ordenou a expulsão dos “leprosos” da cidade de Paris pois significavam uma ameaça à ordem social.

A Bíblia contém passagens sobre a Lepra, mas não se sabe se realmente era a doença que, hoje, conhecemos como Hanseníase. O termo “Lepra” já foi utilizado para designar diversos males dermatológicos de origem e gravidade variáveis e desconhecidas na época. A Igreja, como instituição responsável, através de suas obras caritativas, tais como hospitais e sanatórios, pela administração da saúde, foi uma das principais responsáveis pela exclusão dos doentes da sociedade. Numa época em que saúde pública, como responsabilidade do Estado era um conceito inexistente, a Igreja era responsável, por assim dizer, pelas “políticas públicas” de sua época. De tal modo, sendo responsável por registros de nascimentos, mortes, etc, era essa instituição que cassava os “direitos civis” da pessoa que recebia o diagnóstico da doença.

A partir do diagnóstico, o doente tinha todos os seus direitos destituídos, sendo considerados socialmente como mortos. A doença era tida como reflexo da impureza espiritual. Portanto, o doente era levado ao chamado “Vale dos Imundos”, regiões onde os portadores da hanseníase eram segregados. Não podiam ser considerados nem visto pela família e tinham seus bens divididos por herança.

A Lepra foi por muito tempo considerada incurável, além de grande mutiladora. Quem chegou a conhecer esse mal em época anterior a descoberta de sua cura, sabe que os doentes chegavam a perder partes do corpo, que caiam sem serem sentidas. Era muito comum, a perda dos dedos das mãos e pés, partes que eram muito vistas, por serem mais expostas. Em todo o mundo o tratamento era o mesmo: segregação forçada, ou seja, o doente era procurado como um “cão doente”. Era obrigado, como meio de prevenção, para a família e a sociedade, a viver em albergues ou hospitais.

No Brasil, a antiga lei judaica obrigava seus religiosos a reconhecer a doença e indivíduos portadores da enfermidade. Mas, os primeiros casos notificados em terras brasileiras datam de 1.600, na cidade do Rio de Janeiro. Focos da doença foram identificados também na Bahia e no Pará e as medidas de controle aconteceram por ordem de D. João VI e se limitaram a construção de leprosários (depósitos de doentes) com assistência precária ou inexistente aos doentes. Por muito tempo, as leis determinavam a internação compulsória em hospitais. Os primeiros a serem construídos para esse fim foram em São Paulo, Rio de janeiro e Santa Catarina. Posteriormente a política se estendeu em todo país.

Apesar da descoberta da causa da doença, um bacilo – Mycobacterium Leprae – ter ocorrido em 1874 pelo médico norueguês, Dr. Gerhard Henrick Armauer Hansen, até então, pensava-se que a Lepra era além de hereditária, era castigo divino.

Apesar do Brasil ter sido o primeiro país a substituir o termo “Lepra” por “Hanseníase” em homenagem  ao Dr. Hansen, isso só veio a acontecer 1974, por iniciativa do Dr. Abraão Rotberg, professor titular da Universidade de são Paulo.

A Hanseníase, podemos dizer, que foi e é uma das piores doenças ainda existentes. Apesar de parecer um mal remoto constrito a narrativas bíblicas ou medievais, ainda existe no Brasil. Dados do Ministério da Saúde demonstram a incidência de novos casos. A Hanseníase é uma doença bastante democrática na escolha de suas vítimas: não há distinção entre sexo, idade, cor nem recursos financeiros. A sua causa, espiritualmente falando, como tantas outras já citadas nesta coluna, tem sempre o mesmo princípio: a educação do espírito ou, ainda, a Lei de causa e efeito que, invariavelmente, se impõe igualmente a todos. Tão democrática, a Hanseníase sempre atingiu igualmente a todos, clérigos e pecados, reis e plebeus. Ninguém ficou fora de sua atuação, se dela precisasse como professora.

No entanto, eram os pobres os mais afetados. A desnutrição, más condições de moradia, prole numerosa e o desconhecimento do contágio da doença. Sabe-se desde os primeiros tempos, que a promiscuidade aumenta a possibilidade de contágio.

Durante séculos as pessoas que eram portadoras da hanseníase eram condenadas a viverem afastadas, isoladas, tinham que deixar suas famílias e morar junto somente com outros doentes. Foi para o chamado “vale dos leprosos”, segundo psicografia de João Nunes Maia pelo Espírito Miramez, que Maria, após a partida de Jesus, escolheu ir para, assim, prestar assistência a esses doentes desvalidos.

A atitude de segregação e estigmatização dos doentes sempre foi de encontro ao que a própria Bíblia conta no episódio da cura de dez leprosos, um dos milagres feitos por Jesus, que está relatado no evangelho de Lucas, no Novo Testamento (Lc 17:13). De acordo com as escrituras, aconteceu que, indo Jesus a Jerusalém, passou pelo meio de Samaria e da Galileia e, entrando numa certa aldeia, saíram ao encontro dele, dez homens leprosos, os quais pararam de longe e levantaram a voz, dizendo: “Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós” . E Jesus, vendo-os, teve compaixão e disse para eles irem, e mostrarem aos sacerdotes que estavam curados. E aconteceu que, de fato, indo eles, ficaram limpos.

Por que falar da Hanseníase e de Eunice?
Meu primeiro contato com portadores desta doença, foi por volta de 1969 em uma cidade do Estado de Goiás. Muito nova ainda, não compreendia o porquê daqueles homens que saiam às ruas, montados em cavalos, pedindo esmolas. Não podíamos tocar em nada deles. Quando tínhamos algum auxilio a oferecer, eles estendiam um saquinho na ponta de uma vara, ali depositávamos o que podíamos oferecer. Nada falavam, todos bem cobertos, suas mãos cobertas com luvas. O que nos era dito é que não poderíamos ter acesso a eles. Mas nada era dito. Nada nos era permitido saber.

Colônia Getúlio Vargas em Bayeux/Pb

É claro que eu já conhecia na Bíblia a cura dos leprosos. Mas, sem associar ao nosso tempo aquela doença tão terrível. O tempo passou, já morando em João Pessoa e trabalhando com Programas de Combate a Pobreza, conheci uma Senhora que representa uma instituição Espírita que fica localizada ao lado da Antiga Colônia Getúlio Vargas, para muitos, ainda o conhecido Leprosário. Só então, tive a oportunidade conhecer um pouco mais sobre a triste doença que sentenciava à morte os ainda vivos. Muitos chegaram na Colônia Getúlio Vargas em Bayeux/Pb ainda crianças, alguns, nunca conheceram suas famílias nem delas jamais tiveram notícias. Muitos, já adultos, construíram suas famílias ali mesmo, e lá ainda moram seus filhos e outros descendentes. As histórias lá vividas, nem todos suportariam conhecer. Mas não foi uma realidade vivida só aqui na Paraíba, mas em todo Brasil. Não sei precisar quando, mas foi descoberto que a doença não era hereditária, mas passava para o filho que era amamentado pela mãe doente e pelas secreções. Surge ai, um outro problema: o que seria feito com as crianças que eram geradas por relações afetivas dentro dos espaços da doença? Pela lei, a família do doente era procurada, para saber se recebiam aquele descendente, mas, muitos com medo rejeitavam a criança. É por este problema que surge um movimento de mulheres da sociedade, uma vez que o poder público, não acolhia aquelas crianças que muitos tinham medo até mesmo de tocá-las devido ao estigma da doença.

Esse movimento funda, então, a “Federação das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa Contra a Lepra” em 1917 tendo Alice Tibiriçá assumindo a sua presidência, e sendo Eunice Weaver vice presidente. Em 1935 após alguns problemas Eunice assume a direção da Federação e inicia em todo Brasil, juntamente com mulheres da sociedade, uma campanha para fundação de Colônias para abrigar os Hansenianos, e juntamente com esses abrigos, a criação de Preventórios, que posteriormente vieram a se chamar Educandários, com o objetivo de acolher os filhos dos hansenianos, que não eram recebidos pelas famílias. O objetivo dos Educandários era acolher, cuidar e educar, até que atingissem 20 anos, os filhos dos hansenianos. Eunice lutou bravamente para garantir a essas crianças um mínimo de dignidade e amor.

Dentre as histórias que envolveram Eunice e que nos toca profundamente, foi de uma criança no Norte do País por nome de Francisco. Em uma de suas visitas ao Educandário que ele morava, ele lhe pediu uma bicicleta. Diante das dificuldades de toda espécie e da luta para sensibilizar a classe política para a necessidade de apoio ao combate da doença, ela demorou a comprar a bicicleta, uma vez que os recursos eram muitos escassos, e nas prioridades, um brinquedo não estava em primeiro plano. Mas quando ela finalmente consegue a bicicleta e leva a Francisco, ele responde: “Tia Eunice, não preciso mais, não tenho mais meus dedinhos”. Esse relato foi feito por Eunice, numa reunião de Governadores, quando justamente o governador do Estado que Francisco morava, achava que cuidar dessas crianças não era prioridade em seu governo.

Na Paraíba, Eunice foi a responsável pela articulação com o Governo Estadual, para juntamente com as mulheres da sociedade paraibana, construir a Colônia Getúlio Vargas, e o Educandário Eunice Weaver, que, após sua morte, passou por inúmeros problemas. Não sabemos como, foi adquirido por empresários que o demoliram. Tem seu nome o Centro Espírita Eunice Weaver, construído a mais de 30 anos em uma área ao lado da Antiga Colônia Getúlio Vargas, e uma Creche “Solar Joanna de Ângelis” que tenta dar continuidade ao sonho de Eunice: Cuidar dos pequeninos, muitos descendentes de famílias de hansenianos que lá, após a cura, construíram suas famílias.

Esta, é parte de minha pequena homenagem a esta mulher, que ainda hoje, na Espiritualidade contribui juntamente com tantos outros Espíritos Abnegados, não mais pela erradicação da Lepra como ela conheceu, mas pela Lepra Moral, na qual, muitos homens e mulheres, que pelo seu grau de invigilância ainda buscam, ansiosos pela coroa dos triunfos mundanos”. (Emmanuel/Chico Xavier)

A Hanseníase, ainda não foi erradicada. Precisamos ter olhos e o coração abertos para essa doença que não mutila só os corpos, mas as almas.
Essa, é a primeira parte dessa história, no próximo artigo, traremos mais detalhes da vida dessa mulher encantadora que recebeu o cognome “Anjos dos Lázaros”.

 

Obras Consultadas:
1. Filantropia, poder público e combate à lepra (1920-1945) Vicente Saul Moreira dos Santos;
2. Quem foi Eunice Weaver – disponível em: Aew.org. Br/quem foi Eunice Weaver. Disponível em 13/09/2021
3. Dicionário de Mulheres do Brasil – Jorge Zahar Editor. 2000.

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