Dia desses recebi de uma amiga um livro de sua autoria com o título: Infância Secreta. A obra é mais que uma leitura, é uma verdadeira viagem metafísica e carnal através das paredes da memória e da rigidez do tempo, é o desejo da alma de se ver outra vez no velho ambiente familiar cheio de amor desenhado nas louças e nos copos da comprida mesa da sala de jantar com muitos lugares ocupados por parentes que já não existem mais.
Em cada capítulo e em cada página a menina Aci envolve e devolve ao leitor o mundo onírico da infância. As percepções, as dúvidas, as incertezas, os medos e todos os sentimentos que povoam o universo infantil seguem numa sequência lógica de ambientes, cheiros e emoções vividas por uma criança inteligente e curiosa como foi à criança Aci, e, a sensibilidade da adulta Juraci fez uma linda e alegre viagem ao interior remexendo nos desvãos da memória, trazendo a tona à criança que estava quieta e adormecida no telhado da antiga casa onde passou sua infância e que muitas vezes recorreu ao espaço superior para usufruir a tão sonhada liberdade negada às crianças da sua, da nossa época.
A casa, as regras, o local em que crescemos e que julgamos ser nossa na realidade é dos adultos, as crianças são meras intrusas que sem opção vivem e dividem os espaços com outras crianças, empregados e animais numa guerra diária dividindo afeto, coisas e pessoas que para as mais sensíveis parecem um campo de batalha, principalmente, quando os adultos têm suas preferências. Aci mostra que o mundo infantil é cheio de questionamentos e os adultos não sabem explicar ou abrem novos questionamentos, e na realidade a criança aprende sozinha. A solidão da infância é a escola para aprendizagem individual.
Nas doces lembranças do universo misterioso criado no imaginário infantil, o silêncio dos adultos que escondem segredos, ocultam mistérios e omitem verdades sobre assuntos de família criam expectativas e despertam a curiosidade da criança que acaba por não entender a obscuridade com que os adultos convivem e impõem aos pequenos. A criança é seduzida pela luz, admira e sente a necessidade da claridade, da verdade e da transparência, no seu mundo não cabe à mentira, a inverdade empobrece e torna o mundo chato e incompreensível. A vida não pode ser uma receita de bolo, somos nivelados pelos conceitos sociais e obrigados a seguir regras universais como se todos fossem iguais. Sem se importar com a individualidade de cada um.
Depois de ler e reler seu livro, eu não sei ao certo se Juraci narrou a sua infância ou a minha. O que sei, é que ela, ao contrário de Fernando Pessoa, trouxe de volta o passado roubado na algibeira.