Caros leitores, nesta Coluna abordamos temas que, de alguma forma, trazem questionamentos e, tanto na minha experiência como palestrante espírita quanto em nossas atividades diárias, nos são pedidos esclarecimentos. Evidentemente, aqui não seria o espaço para que os temas sejam exaustivamente abordados, ou seja, mais aprofundados. Aos poucos introduzo as informações necessárias apenas para a compreensão do tema que abordo naquele momento. O tema de hoje, é um dos que preciso adentrar um pouco mais em temas doutrinários e que, sem eles, se torna mais difícil a compreensão das chamadas Experiências de Quase Morte – EQM.
Antes de adentrarmos nas EQMs, vamos conhecer as orientações que Kardec trás, tanto no Livro dos Espíritos, no Capítulo VIII – Emancipação da Alma; como no Livro dos Médiuns – Capítulo VI – Das Manifestações Visuais. A indicação dessas leituras tem apenas o intuito de trazer mais esclarecimentos sobre o tema. Nós, espiritistas e adeptos de outras doutrinas filosóficas, acreditamos na imortalidade da alma e na reencarnação.
Assim, para nós, o fenômeno bicorporeidade não é segredo, assunto também abordado na Bíblia. Entendemos por bicorporeidade a capacidade que uma pessoa tem de transportar seu espírito, sem necessariamente mover seu corpo. Daí a denominação de bicorporeidade, sendo uma pessoa que controla de forma consciente e separadamente seus corpos físico e espiritual.
É conhecido o fato de que Santo Afonso de Liguori foi canonizado antes do tempo prescrito por se haver mostrado simultaneamente em dois lugares diversos, o que, à época foi tido por milagre. Santo Antônio de Pádua, um outro exemplo, estava pregando na Itália, quando seu pai, em Lisboa, ia ser supliciado, sob a acusação de haver cometido um assassinato; no momento da execução, Santo Antônio aparece e demonstra, através da sua afamada eloquência, a inocência do acusado. Comprovou-se que, naquele instante, Santo Antônio também pregava na Itália, na cidade Pádua.
Kardec, por sua vez, explica o fato acima reproduzindo o que ouviu do espírito do próprio Santo Afonso, que deu a seguinte explicação: (…) “O Espirito encarnado, ao sentir que lhe vem o sono, pode pedir a Deus lhe seja permitido transportar-se a um lugar qualquer. Seu Espirito, ou sua alma, como quiseres, abandona então o corpo, acompanhado de uma parte do seu períspirito, e deixa a matéria num estado próximo do da morte. Digo próximo do da morte, porque no corpo ficou um laço que liga o períspirito e a alma à matéria, laço este que não pode ser definido. O corpo aparece então em lugar desejado”. Essas são as explicações para a bicorporeidade. O que acontece com o paciente nas EQM, tem algo de parecido, nos que diz respeito ao deslocamento da alma, mas o paciente não encontra-se dormindo de forma ordinária, encontra-se, geralmente, em estado comatoso; de mesma forma, ao invés de dar ou pedir permissão ao altíssimo para que seu espírito seja deslocado, esse deslocamento se dá sem, necessariamente, a sua intervenção. Sendo tanto a ausência desse pedido para seu espírito ser deslocado como o estado incomum de seu corpo que caracterizam as EQMs.
As Experiências de Quase Morte representam um episódio que se passa com um grande número de pessoas que sobreviveram a situações clínicas graves, muitas vezes diagnosticadas com morte clínica. Esses relatos registram o que elas viram, ouviram e sentiram durante os instantes em que eram consideradas mortos. Relatam a sensação de sair do corpo, ver equipe médica executando tarefas de ressuscitação, ouvirem ruídos estranhos, transportarem-se a outros locais… A maioria relata avistarem um túnel, descrevem ainda experiência de paz e plenitude. Recapitulam suas vidas, encontram-se com seres de luz carregados de compaixão, amor e compreensão.
Em dezembro de 2001, foi publicado, na renomada revista The Lancet, o caso de um paciente de 44 anos de idade que sofrera uma parada cardíaca e entrara em coma. As tentativas de ressuscitação duraram uma hora e meia. Durante a intubação ocorreu o deslocamento de sua prótese dentária, que foi guardada por uma das enfermeiras da equipe. Uma semana depois, já recuperado, mas ainda na UTI, ao ver a mesma enfermeira passar diante do leito, chamou outra funcionária e disse-lhe que sua prótese dentária ainda não havia sido restituída, e, ainda, havia sido guardada pela outra enfermeira, que confirmou toda história. Diante do acontecido que chamou a atenção dos médicos, descreveu que vira a si próprio na maca, de cima, e acompanhou em detalhes todos os esforços despendidos para recuperá-lo. Descreveu com detalhes a sala na qual foi feito o atendimento, bem como tentou desesperadamente demonstrar que estava vivo (experiência descrita em todos os casos estudados), e que não desistissem das manobras de ressuscitação. Quando retornou da experiência, disse não ter mais medo de morrer. Deixou o hospital quatro semanas depois.
Em pesquisa desenvolvida em hospital da Holanda, nos quais foram considerados 1.500 pacientes clinicamente mortos, sessenta e três conseguiram se lembrar do que lhes ocorreu durante momentos que duraram de 15 segundos a 43 minutos. Desses participantes, noventa por cento sofreram ataques cardíacos e dez por cento foram vítimas de acidentes. De acordo com o Dr. Sam Parnia, professor da Universidade Estadual de Nova Yorque, PhD em biologia molecular e especialista em animação cardíaca, um dos maiores estudiosos do mundo em EQM, todos os pacientes descrevem a luta para trazê-los de volta a vida. Alguns afirmaram que tentaram se comunicar com os médicos para dizer-lhes da inutilidade em continuar tentando reanima-los com choques elétricos e que o corpo já estava morto.
Dr. Paulo César Fructuoso em seu livro “A Face oculta da Medicina diz:
“De algum modo, a mente e a consciência continuaram existindo separados do cérebro dos pacientes estudados. Eles garantiram que tudo viam flutuando perto do teto das salas. Ora, se as atividades cerebrais haviam cessado, seria impossível o funcionamento dos olhos ou ouvidos’.
Pacientes também revelam que viram coisas em outros cômodos do hospital. Um deles conversou com uma mulher que também estava clinicamente morta e ela lhe disse seu nome, tudo isso checado cuidadosamente por pesquisadores.
O que muitos se questionam: Por que estas pessoas têm essas experiências?
Todas as pesquisas revelam ocorrer transformação permanente positiva na personalidade, independentemente do tipo de experiência, se agradável ou não. Sobrevém uma modificação no modo de ver a vida, a pessoa passa a valorizá-la mais. Fica espiritualizada, preocupa-se com a saúde, cuida melhor do corpo e da alimentação. Além disso, adoece menos, torna-se mais fraterna, procura profissão em que possa auxiliar as pessoas, diminui o medo da morte, aumenta a autoestima, o desejo de ser melhor e a sensibilidade ecológica. Alguns se tornam mais intuitivos, vivem a sensação de estado alterado de consciência similar ao que descrevem os iogues, desenvolvem habilidades paranormais (vidência, clarividência). Essas pessoas, em muitos casos mudam tanto seu modo de ser e viver que se tornam irreconhecíveis pela família, provocando em alguns casos, divórcios.
Alguns dos relatos de EQM os pacientes descrevem instrumentos cirúrgicos que o paciente não conhecia, ou diálogos ocorridos enquanto era tido como clinicamente morto. Como podem relatar detalhes das ações médicas e ocorrências acontecidas em outro local?
As explicações para as Experiências de Quase Morte ainda são variadas, contudo, não deixam de ser um desafio para a ciência. O Espiritismo explica pela imortalidade do espirito que sobrevive a morte do corpo físico. O que o Espírito sente, no momento do seu desligamento do corpo, durante a morte, está relacionado com sua condição moral. Quando o Espírito previamente se desligou das coisas materiais e que aspira a espiritualidade, esse desligamento se torna fácil. Ao contrário, há uma luta, agonia prolongada para o espírito que só se interessou pela existência material e não se preparou para a morte. Allan Kardec, fala no Livro dos Espíritos sobre o “êxtase” da morte. O espírito se afasta do corpo, tem visões dos mundos superiores e compreende a felicidade que existe nesses locais, surgindo o desejo de deixar a terra e lá permanecer. Tudo que passa e vê é real, porém, continua sob a influencia das ideias terrenas. Percebe-se que há bastante similaridade entre aspectos da EQM e desse êxtase descrito na doutrina Espirita.
Tendo ouvido pessoalmente um desses relatos, experiência vivenciada por um Médico Cardiologista que sofreu um enfarto, o que me veio a cabeça foi a pergunta do porquê passar por todo esse sofrimento e voltar? E, ele respondeu: “para a compreensão do que eu estava vivendo, uma vez que eu não suportava mais tanta dor, apesar de estar entubado e medicado a vários dias, pedia que Deus me levasse que eu não suportava tanta dor, enfatizando a dor inarrável que sentia. Um “anjo” se aproximou de mim e disse : você precisa ver uma coisa: fui levado a um campo de batalha, onde me vi como um dos soldados das Cruzadas, matando um soldado com uma lança, e logo identifiquei no soldado o mesmo ferimento que naquele momento eu via em meu peito, ocasionado pela cirurgia cardíaca. Disse que eu estava passando pelo sofrimento que causei àquele soldado, mas que eu precisava voltar porque ainda tinha muita coisa pra fazer aqui”.
Diante desse, e de tantos outros relatos já estudados, mas que não poderiam ser descritos neste espaço, acredito que assim como o que aconteceu com Saulo (Paulo) na estrada de Damasco, Jesus, nos possibilita inúmeras formas de sermos reconduzidos ao caminho do amor e da caridade. Como pesquisadora, gostaria muito de entrevistar algumas pessoas que nesta pandemia passaram bem perto da morte e ouvir as suas histórias. O que fica de tudo isso? A certeza de que Deus vem nos dando a oportunidade de nos tornamos seres melhores.
O Homem tem perdido a oportunidade de sentir que a Mãe Terra com toda sua Exuberância, pede socorro. Socorro ao ser mais racional que Deus colocou nela. Mas a irracionalidade a incapacidade de sentir que somos um todo, assim como uma rede de pescar: Cada nozinho é um de nós. Se algum nó se desfizer, toda rede fica fragilizada. O Homem tem desprezado seus semelhantes pela ganancia por bens materiais e poder. Quanto engano! Será que cada um de nós precisará passar por uma Experiência de Quase Morte, para se tornar um ser Humano que possa, ao menos em parte, pôr em prática os ensinamentos do Cristo de amarmo-nos uns aos outros?
Obras Consultadas:
1. Fructuoso. Paulo Cesar. A Face Oculta da Medicina – Editora Educandário Frei Luiz- Rio de Janeiro, segunda edição 2015;
2. Salgado. Mauro Ivan; e Freire. Gilson – Saúde e Espiritualidade. Editora Inede. MG. 2008.