Uma boa parte da população brasileira desconhece que a peça orçamentária federal, também chamada de Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), trabalhada pelo Superministério da Economia, guiado pelo “posto ipiranga” ou “guru” Paulo Guedes, é encaminhada ao Congresso Federal e as discussões e negociações sobre possíveis vetos – corte definitivo da despesa – ou bloqueios são tomadas efetivamente na Junta de Execução Orçamentária – formada por Casa Civil e Ministério da Economia – em consonância com parte das lideranças partidárias, especificamente os partidos políticos que dão base ao Governo Bolsonaro (ex PSL). Cabe ressaltar que é na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) onde é exposto e “discutido democraticamente” o orçamento.
Nesse sentido, o Governo Federal, a partir do PLOA n° 28/2020-CN, encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de despesas para o exercício financeiro de 2021, na qual, em seu volume II – Consolidação dos Programas de Governo –, estabeleceu um orçamento de 200 milhões de reais para a realização do Censo Demográfico, Agropecuário e Geográfico (ação 20U7) de 2021. Logo após as tratativas na Junta de Execução Orçamentária e a tramitação na CMO e no Congresso Federal, o valor foi reduzido para 71 milhões de reais. Em 22 de abril de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (ex PSL) sancionou a Lei Federal n° 14.144 (Publicada no DOU de 23.4.2021) na qual vetou parte dos recursos destinados ao Censo Demográfico, Agropecuário e Geográfico, reduzindo o orçamento para R$ 17.750.000,00.
Ao tomar conhecimento do corte de gastos feito pelo Governo Federal, em 26 de março do corrente ano (2021), um dia após a confirmação do corte orçamentário para a realização do Censo Demográfico que deveria ter ocorrido em 2020, a economista Susana Cordeiro Guerra pediu demissão alegando motivos pessoais para as tomadas de decisão.
A garantia da realização do Censo Demográfico no Brasil é uma obrigatoriedade constitucional que surgiu a partir da Constituição da República do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, em cujo art. 28, especificamente no seu parágrafo 2°, delega que o Governo Federal deve realizar a revisão do recenseamento da população da República a cada 10 (dez) anos.
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, especificamente no art. 21 (inciso XV), a União, ou seja, o Governo Federal continuou com o dever de organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional. No mesmo sentido, a Lei Federal n° 4.789, de 14 de outubro de 1965, também garantiu que a União, através do Serviço Nacional de Recenseamento vinculado ao IBGE, garantiria os Recenseamentos Gerais do Brasil nos anos de milésimo zero, compreendendo os Censos Demográficos (População e Habitação) e Econômicos (Agrícola, Industrial, Comercial e dos Serviços). Essa lei foi revogada a partir da promulgação da Lei Federal n° 8.184, de 10 de maio de 1991, que dispõe sobre a periodicidade de realização dos Censos Demográficos e dos Censos Econômicos, os quais não poderão exceder a dez anos e cinco anos respectivamente.
Para os economistas da Escola de Chicago da atual gestão federal, e em especial para o ministro Paulo Guedes, o Censo Demográfico brasileiro deveria ser menos abrangente com poucos questionários para reduzir custos. Infelizmente, no último Censo Demográfico brasileiro de 2010, os pesquisadores tiveram que preencher apenas 40 questões básicas.
O Brasil realiza a contagem populacional completa de todo o seu território desde o século XIX, especificamente no ano de 1872 com o chamado “Recenseamento Geral do Império” no período pós-regime monárquico. Naquela época, a responsabilidade pelo Censo Demográfico ficou a cargo da Diretoria Geral de Estatística (1871-1879), órgão criado para realizar o primeiro censo geral do país e para desenvolver um programa de estatística com caráter contínuo e ascendente.
Na era da tecnologia, do conhecimento e da informação, o Censo Demográfico é um instrumento fundamental no planejamento de um país e o cerne para o sucesso na implantação de políticas públicas nos âmbitos federal, estadual e municipal. Além disso, é determinante para os planos e projetos de investimentos das empresas estatais e privadas, principalmente no que se refere ao tamanho do mercado de consumo e mão de obra. É dessa forma que o Censo Demográfico se torna um investimento indispensável para o planejamento de políticas públicas, programas e planos para os próximos 10 anos, seja para os agentes governamentais e para a iniciativa privada ou pública.
Entendendo essa realidade, o ministro Marco Aurélio Mello do Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão monocrática, determinou na quarta-feira, dia 28 de março, que o Governo Federal e o IBGE adotem medidas para a realização do Censo Demográfico ainda para esse ano. O ministro acatou o pedido do governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), que ajuizou ação alegando omissão do Governo Jair Bolsonaro (ex PSL) no cumprimento legal do Censo Demográfico. A partir de ontem, sexta-feira (07/05), o STF iniciou a análise no plenário virtual da liminar do ministro Marco Aurélio Melo.
A sociedade brasileira deve deixar a omissão de lado e passar a fiscalizar e exigir do Governo Federal o cumprimento de metas e ações de seu interesse, dentre eles a do Censo Demográfico, que é essencial para o planejamento do Brasil para os próximos 10 anos, principalmente na era moderna da ciência e tecnologia onde a informação é estratégica.
O censo é a ferramenta mais importante para guiar as futuras políticas públicas, algo que nunca foi prioridade desse governo do Biro Liro.