Quando assumiu o Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 01 de janeiro de 2019, o advogado Ricardo de Aquino Salles, ou simplesmente Ricardo Salles, já sabia qual seria o seu papel no Governo Bolsonaro e de que forma deveria ser tocado o ritmo de trabalho para desmontar o aparato estatal de proteção ao Meio Ambiente. Há exatos 12 (doze) meses, na fatídica reunião interministerial de 22 de abril de 2020, o então ministro de Estado, Ricardo Salles, sintetizou em poucas palavras o seu caráter, afirmando que era preciso aproveitar o momento de distração da imprensa com a pandemia para “passar a boiada”, através de mudanças e reformas infralegais de desregulamentação na área de meio ambiente, as quais, segundo o mesmo, simplificariam as normas.
Condenado em primeira Instância pelo juiz Fausto José Martins Seabra, em dezembro de 2018, por improbidade administrativa, graças a uma ação civil pública ambiental movida pelo Ministério Público de São Paulo, que o acusava de favorecer empresas de mineração e aquelas filiadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), com mudanças em mapas de Zoneamento de Áreas Protegidas – Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) da Várzea do Rio Tietê – enquanto era Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, em 2016 (Gestão Geraldo Alckmin 2011-2018), a sua absolvição só veio no mês passado, graças à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, após apelação em segunda Instância.Determinado em alterar as regras de proteção ambiental, Ricardo Salles iniciou a “passagem da boiada” a partir da desestruturação sutil do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), cuja criação se deu através da Lei Federal nº 6.938/1981. A redução de aproximadamente 100 membros para apenas 23, sendo 41% destes compostos por membros do Governo Federal, a partir da promulgação do Decreto Federal n° 9.806/2019, foi a cartada fundamental para excluir a sociedade civil e a ciência dos debates no CONAMA – órgão consultivo e deliberativo que tem um papel extremamente importante na construção de políticas públicas e na regulamentação das leis ambientais do país.
Diante dessa situação clara do encolhimento e da precarização da participação da sociedade civil no CONAMA, a antiga Procuradora-Geral da República (PGR), Raquel Dodge, promove uma ação ajuizada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n° 623, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do Decreto Federal n° 9.806/2019. O julgamento encontra-se suspenso em virtude do pedido de vista do Ministro Nunes Marques (indicado de Bolsonaro ao STF) e pode ser acompanhado no link em anexo.
O esvaziamento não se deu apenas no CONAMA, mas também no próprio MMA, que sofreu uma reestruturação sem precedentes, principalmente pelas medidas legais que culminaram com a saída do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) para o Ministério da Agricultura, e da extinção das Secretarias de Mudanças do Clima e Florestas. O negacionismo climático e o desmantelamento institucional – notório – dos organismos de proteção e fiscalização ambiental federal como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estão sendo a marca de Ricardo Salles.
E não para por aí: em 02 de outubro de 2020 – data de publicação no Diário Oficial da União –, o “passador de boiada”, através da Portaria MMA n° 524, criou um Grupo de Trabalho (GT) formado em sua maioria por militares – dos 7 (sete) componentes, 6 (seis) são militares – para realizar os estudos e análises de potenciais sinergias e ganhos de eficiência administrativa com a fusão das duas instituições, as quais foram criadas respectivamente pelas Leis Federais nos n° 7.735, de 22 de fevereiro de 1989 e 11.516, de 28 de agosto de 2007. A fusão resultará inegavelmente numa paralisia nas atividades das duas Instituições de âmbito nacional e na execução da política ambiental no Brasil, o que acarretará a necessidade de planejamento estratégico para criar normativas infralegais internas. A carta dos 400 (quatrocentos) servidores de carreira do IBAMA denuncia que as atividades de fiscalização de infrações ambientais desenvolvidas pelo Órgão estão paralisadas.Quem não lembra da atuação pífia e da inércia em dar respostas emergenciais do ministro Ricardo Salles diante do maior desastre de vazamento de óleo no país com o aparecimento de manchas de óleo em cerca de 3 mil quilômetros de litoral, desde o Nordeste até o estado do Espírito Santo – final de agosto de 2019 –, o qual matou animais marinhos, impregnou-se em arrecifes, poluiu praias e prejudicou milhares de pescadores e o Trade Turístico, causando problemas sociais e econômicos? De acordo com a jornalista Maristela Crispim, em matéria da revista O Eco, de 31 de agosto de 2020, foi contabilizado que, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, foram coletados mais de 5 (cinco) mil toneladas de óleo na faixa litorânea brasileira. Em abril de 2019, o governo Bolsonaro (ex PSL) havia extinto através do Decreto Federal n° 9.759, de 11 de abril de 2019, dezenas de conselhos, comitês, comissões, grupos, juntas, equipes, mesas e fóruns da administração federal, e dentre esses os dois comitês que integravam o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água (PNC), que foi intituído em 2013. Esses colegiados faziam parte da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) que foram extintos a partir da revogação do Decreto Federal n° 8.243, de 23 de maio de 2014.
Em 2020, Ricardo Salles e todos os brasileiros vivenciaram um dos piores momentos de queimadas nos biomas da Amazônia e Pantanal, sendo este último o mais castigado pelos incêndios florestais desde 1998, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o qual registrou, de janeiro a meados de dezembro de 2020, cerca de 22.119 focos de incêndio – um recorde histórico. Os cortes de gastos, a inércia e a ideologia anti-indigenista preponderante no MMA atrasou o cronograma de prevenção aos incêndios em todo o Brasil, o que provocou um atraso de 3 (meses) na contratação de pessoal de prevenção e controle de incêndios florestais em áreas federais, isto é, em vez de começar as contratações em abril, o início só se deu em julho, o que inclui, nesse grupo, milhares de brigadistas indígenas.
De acordo com o Portal da Transparência, o corte no orçamento destinado à contratação de profissionais que atuaram no combate ao fogo por tempo determinado, somado às suas diárias em 2019 e 2020, teve uma redução de 58%, ou seja, de 23,78 milhões em 2019 passou-se a meros R$ 9,99 milhões em 2020. De acordo com o jornalista Alex Rodrigues da Agência Brasil em matéria intitulada “Fogo já destruiu 3,461 milhões de hectares do Pantanal” de 01 de outubro de 2020, a área carbonizada e incinerada foi maior do que o estado de Alagoas, com seus 27,8 mil km². Criado através do Decreto Federal n° 97.635/1989 (revogado pelo Decreto Federal n° 2.661/1998), o Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) tem tido sucessivos cortes de recursos no orçamento no Governo Bolsonaro (ex PSL) e para 2021 a tendência foi a mesma, o que desencadeia uma lentidão demasiada de resposta rápida às eclosões de incêndios na Amazônia e em especial no Pantanal. Isso provocou a morte de milhares de animais e deixou um rastro de destruição em cerca de 28% do bioma pantaneiro, segundo dados da SOS Pantanal.
Desde que assumiu o MMA, em janeiro de 2019, Ricardo Salles vem vivenciando o avanço no desmatamento na Amazônia Legal, o qual, conforme dados, já representa o maior registrado desde 2008, e entre agosto de 2019 e julho de 2020 atingiu o recorde de 11.088 km² de devastação, segundo as taxas de desmatamento do projeto PRODES Amazônia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Os números já superaram o recorde registrado no período de agosto de 2018 a julho de 2019, que havia sido de 10.129 km², ou seja, um aumento de 9,5% em relação aos dados de agosto de 2019 a julho de 2020. E no meio do recorde de desmatamento, surgiu a crise do INPE com a exoneração do ex-diretor Ricardo Galvão, a partir da crítica, sem provas, do presidente Bolsonaro que questionou os números de desmatamento do INPE e o sistema de monitoramento da Floresta Amazônica, além de acusar o ex-diretor de atuar “a serviço de alguma ONG”. Nesse período, as criticas também partiram do ministro Ricardo Salles, que seguiu na mesma linha de negacionismo científico e acusações de viés ideológico sobre as questões ambientais, chegando a discutir com o ex-diretor do INPE, Ricardo Galvão, em entrevista a um programa de TV a cabo.
Atrelado ao fato do desmatamento, o IBAMA, em março de 2020, através do seu presidente o advogado Eduardo Bim, nomeado por Ricardo Salles, flexibilizou as normas para a exportação de madeira brasileira, tendo como base um despacho que suspendeu os efeitos de uma Instrução Normativa, no qual seria apenas necessária a apresentação do Documento de Origem Florestal (DOF) feita de forma Declaratória pelos empreendedores para exportar a madeira. O afrouxamento das regulamentações, facilitando a extração ilegal de madeiras raras e valiosas, como o Ipê, podem estar protegendo grupos criminosos que cortam as árvores na Amazônia e seus respectivos exportadores no Brasil, é o que apontam diversas entidades ligadas ao meio ambiente.
Tantos aspectos de desprezo, omissão, apatia e artimanha por parte do ministro Ricardo Salles, nos levam-nos a acreditar em uma gestão antiambiental cuja realidade já estava sendo vista pelos 7 (sete) ex-ministros (ainda vivos) do Meio Ambiente, que assinaram, em conjunto, no dia 08 de maio de 2019, um comunicado que acusava o Governo Federal e o ministro Ricardo Salles de realizar em pouco menos de 4 (quatro) meses uma “política sistemática, constante e deliberada de destruição das políticas meio ambientais”.
O ponto alto de descompasso e de contramão na questão ambiental do ministro Ricardo Salles não foi realizar a revisão de todas as 334 Unidades de Conservação do país alegando falta de critérios técnicos para suas escolhas ou a perda de centenas de milhões de dólares para combater o desmatamento na Amazônia via Fundo Amazônia, graças à suspenção da diretoria e do comitê técnico do Fundo, nem tampouco a queixa-crime formulada pelo ex-chefe da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), o qual acusa Ricardo Salles por crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e obstrução a operações, incluindo a da operação Handroanthus, que apreendeu mais de 200 mil metros cúbicos de toras extraídas ilegalmente, com valor estimado em R$ 130 milhões.
O ponto que ultrapassou todos os limites, até mesmo para um antiambiental, foi a desregulamentação das medidas protetivas ambientais que tratam do licenciamento para empreendimentos de irrigação e dos limites de Áreas de Preservação Permanente, como dunas, manguezais e restingas contidas nas Resoluções CONAMAs, e o despacho determinando aos órgãos ambientais federais a adoção de regras do novo Código Florestal na Mata Atlântica, o que gerou insegurança jurídica e abriu caminho para a anulação de multas, embargos e desmatamentos ilegais. No segundo caso, o ministro não recuou, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) restaurou de forma imediata a vigência e eficácia das Resoluções CONAMA n° 284/2001, 302/2002 e 303/2002, suspendendo, portanto, a Resolução CONAMA n° 500/2020 proposta pelo ministro.
Ricardo Salles já defendeu a “legalidade” da extração e da ação de madeireiros investigados, tem aliança com madeireiros e garimpeiros ilegais e com seus métodos de destruição de medidas protetivas ambientais; ele traz à baila um perfil ardiloso e cruel de ministro de Estado com política antiambiental, prestando, assim, um desserviço à sociedade brasileira e contrariando a lógica da responsabilidade intergeracional ambiental.
Links de interesse:https://www.oeco.org.br/reportagens/um-ano-depois-origem-do-oleo-que-poluiu-o-nordeste-seguedesconhecida/
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/10/governo-bolsonaro-extinguiu-comites-do-plano
Estarrecedoras as informacoes que nos passam o texto ou seja um aprofundamento do que consiste "passar a boiada" plano de ação do ministro-assassino do meio ambiente. E ele está
conseguindo tranquilamente realizar o seu plano e ainda pousa de bom moço no Encontro do Clima promovido pelo governo americano. Daí fico me perguntando: e nós povo assistindo a tudo de cabeça baixa enquanto o dois facínoras destroem a natureza, a vida, o nosso futuro,a nação.Quando acordamos será q nao e tarde demais