“Sou um arquiteto igual a milhares, com o nome de William Blanco Trindade, que também se assina Billy Blanco, tirando de letra e música as coisas da vida”
Assim o compositor Billy Blanco se apresentava na introdução do seu livro “Tirando de Letra e Música” (Editora Record, 1996). Nada mais correto. O arquiteto, que foi durante muitos anos da sua vida, era também um excepcional compositor que “tirava de letra e música as coisas da vida”, até porque, como ele dizia, citando o escritor alemão Goethe, “a arquitetura é a música petrificada”.
Nascido, em 1924, em Belém do Pará, desde muito cedo demonstrou vocação para a música e para a poesia. Apresentava-se no rádio local e tocava em festas. Começou a estudar engenharia em Belém. Em 1946, se transferiu para a Mackenzie, em São Paulo, mas já com a ideia de se tornar compositor. De um colega de faculdade ganhou o apelido de Billy (que seria mais apropriado à carreira musical). Dois anos depois, uma nova mudança, de cidade e de curso. Foi para o Rio de Janeiro, cursar Arquitetura, na antiga Universidade do Brasil, onde, em 1950, se formou.
Através da cantora Dolores Duran, com quem namorava, na época, é introduzido no meio musical do Rio. Em 1951, tem a música “Pra variar” (que depois ele renegava, por considera-la “fraca e sem expressão) gravada pelo conjunto vocal Os Anjos do Inferno. O primeiro grande sucesso veio, em 1953, com o samba “Estatuto de Gafieira”.
Moço / Olha o vexame / O ambiente exige respeito / Pelos estatutos / Da nossa gafieira / Dance a noite inteira / Mas dance direito
Em 1954, em parceria com Antonio Carlos Jobim, Billy Blanco compõe a “Sinfonia do Rio de Janeiro”, uma “sinfonia popular em tempo de samba”. No mesmo ano, também em parceria com Tom Jobim, compõe “Tereza da Praia”, um dos seus grandes sucessos, gravada por Dick Farney e Lúcio Alves.
Nos anos seguintes, seguiram-se novos êxitos, como “Mocinho Bonito, gravado por Dóris Monteiro e “Viva meu samba”, que teve uma magistral interpretação do cantor Sílvio Caldas.
“Venho do reino do samba / Brilhar no asfalto / E na forma de samba / No jeito de samba / Vem o morro também / Faço da minha tristeza / Um carnaval de beleza / Que noutras terras não tem”
Em 1959, Billy Blanco lançou três músicas que demostram a sua grande habilidade em amoldar letras inteligentes, tratando de “coisas da vida”, em sambas sincopados, como são os casos de “A banca do distinto”, “Camelô” e “Pistom de Gafieira”, que se tornaram grandes clássicos do nosso cancioneiro popular.
“A banca do distinto”
Não fala com pobre
Não dá mão a preto
Não carrega embrulho
Pra que tanta pose, doutor?
Pra que esse orgulho?
A bruxa que é cega esbarra na gente
A vida estanca
O enfarto te pega, doutor
Acaba essa banca
A vaidade é assim, põe o tonto no alto retira a escada
Fica por perto esperando sentada
Mais cedo ou mais tarde ele acaba no chão
Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do tonto
Afinal todo mundo é igual quando o tombo termina
Com terra em cima e na horizontal
“Camelô”
Camelô esse dono da calçada,
Na conversa bem jogada?
Vende a quem não quer comprar,
Se tivesse, tido a chance de uma escola,
Muita gente de cartola,
Lhe daria seu lugar […]
Aconselho então
A muito deputado que ganha calado
Escutar o camelô com atenção
O distinto aprenderá a falar de fato
E ao terminar o mandato já tem uma profissão
Billy Blanco iniciou a década de 1960 com uma magistral parceria com o violonista Baden Powell: “Samba Triste” O compositor, juntamente com a cantora Aracy de Almeida e o jornalista Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta) realizaram, em 1964, um show histórico na boate Zum-Zum, no Rio de Janeiro, que foi registrado em disco da gravadora Elenco.
Durante a chamada Era dos Festivais, concursos de música que passaram a ser realizados, a partir de meados dos anos 1960, Billy Blanco obteve boas colocações nos eventos com as suas canções “Rio do meu amor”, “Canto Chorado” e “Se a gente grande soubesse”.
Nos anos 1970, Billy Blanco compôs uma sinfonia denominada “Paulistana, retrato de uma cidade”.
Billy Blanco compôs, segundo sua própria estimativa, cerca de quatrocentas músicas (trezentas delas gravadas). Durante as duas últimas décadas do século passado e a primeira do corrente século, Billy Blanco manteve-se ativo, compondo, participando de shows e gravando discos, até praticamente a sua morte, em 2011.
Letrista admirável, uma das suas músicas que Billy Blanco mais gostava era “Se a gente grande soubesse” com a qual ele conquistou, em 1966, o quarto lugar no primeiro FIC – Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. No festival, a canção foi interpretada por Bilinho (filho de Billy, então com 9 anos) e o Quarteto em Cy. Aqui, a música é apresentada por Bilinho e três netas de Billy Blanco.
“Se a gente grande soubesse”
Se a gente grande soubesse
O que consegue a voz mansa
Como ela cai feito prece
E vira flor, num coração de criança.
Excelente artigo. Parabéns !
Aprecio estes textos que falam
de músicos e de músicas pra gente conhecer também recordar.São pesquisas riquissimas
A riqueza musical de Flávio Brito tem revelado pra todos nós muito da música universal em gênero popular ou clássico
As suas narrativas são sempre um deleite é um relicário de recordações do nosso cancioneiro.