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O Natal de Assis Valente

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Assis Valente



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  Por: Flávio Ramalho de Brito  


A produção musical para o período do Natal tem grande relevância para o mercado fonográfico e isso pode ser avaliado pelo destaque obtido pela música “White Christmas”. A canção, que foi composta por Irving Berlin (um imigrante judeu russo que se tornou um dos principais compositores norte-americanos), foi incluída, em 1942, no filme “Holiday Inn” (no Brasil, “Duas semanas de prazer”) e interpretada na película pelo cantor Bing Crosby.  “White Christmas” se tornou a canção mais vendida em todo o mundo desde a invenção do gramofone, sem músicas concorrentes que possam ameaçar a sua posição. 

                               

Em vários países os principais autores e intérpretes locais se envolvem na produção musical natalina. Nos Estados Unidos, artistas como Frank Sinatra, Bing Crosby, Louis Armstrong, Tony Bennett, Barbra Streisand, Nat King Cole e Ella Fitzgerald fizeram seus álbuns de Natal. E, também, intérpretes que eram vinculados à música destinada ao público jovem, como Elvis Presley, Stevie Wonder, Beach Boys e os artistas da gravadora Motown.


Curiosamente, no Brasil, essa tradição da música para o Natal nunca prosperou. Faz 25 anos, que ocorreu a única e última iniciativa exitosa de um disco, feito no país, especificamente com canções natalinas. Foi o álbum “25 de Dezembro” lançado, em 1995, pela cantora Simone. Esse longo intervalo de tempo sem o surgimento de novos discos de Natal com o mesmo êxito do álbum da cantora baiana levou a uma situação insólita. Há alguns anos, durante o período das festas de final de ano, Simone vem sendo alvo de várias brincadeiras na internet, em razão da audição excessiva do seu disco de 1995 nos shopping-centers e em outros estabelecimentos comerciais. 

Apesar do disco de Simone conter algumas versões para o português de conhecidíssimas canções natalinas, como “White Christmas”, “Jingle Bells” e “Noite Feliz”, isso não decorreu de uma carência da produção musical brasileira para o Natal. Nossos principais compositores, de diversos gêneros musicais, sempre fizeram canções para o Natal, algumas delas de alta qualidade. 

Adoniram Barbosa imprimiu o sotaque paulistano a sua “Véspera de Natal”; o iniciante Chico Buarque fez, por encomenda de uma imobiliária para distribuição como brinde, uma “Canção de Natal”; os pernambucanos Luiz Gonzaga e Zé Dantas são os autores de “Cartão de Natal”; Lupicínio Rodrigues colocou na voz de Jamelão (o seu melhor intérprete) o “Meu Natal”, Djavan gravou “Depois do Natal”, parceria de João Donato com Lysias Ênio e João Mello; Jorge Benjor (ainda como Jorge Ben) fez “Natal Brasileiro”; o paraibano Cassiano deu o toque do soul brasileiro em “Hoje é Natal”; o cantor e compositor Blecaute é o autor da conhecida valsinha “Natal das Crianças”; Armando Cavalcanti e Klecius Caldas, craques em qualquer tipo de música, fizeram a belíssima “Noite Azul”. 


Mas, nenhuma dessas canções natalinas brasileiras alcançou a empatia popular que foi conseguida pelo compositor Assis Valente com a sua marchinha “Boas Festas”, que é, indiscutivelmente, a música do Natal do Brasil. 

O baiano José de Assis Valente foi um dos principais nomes da nossa canção popular na primeira metade do século passado. Para Ary Vasconcelos, respeitado pesquisador da nossa música, “poucos compositores deram à música popular brasileira uma contribuição tão rica como o fez Assis Valente”.

Engenhoso construtor de sambas, admirável cronista do cotidiano em letras inteligentes e irônicas, Assis pode ser comparável, na época, a Noel Rosa. Para o escritor e crítico José Lino Grunewald, Assis Valente era:

“Um sambista dos mais genuínos, com uma vivência de ritmo das mais instigantes e – sobretudo – valorizando as suas faixas melódicas com algumas das melhores letras em nosso cancioneiro […] O aspecto satírico e a capacidade de fabulação de suas composições são notáveis. A surpresa de certas rimas, a riqueza das imagens, o grotesco e o absurdo de certas situações são características bem peculiares. A caricatura, a farsa, o non-sense […]” 

 

Assis Valente deixou um legado de músicas imortais: “Camisa Listrada”, “Recenseamento”, “E o Mundo não se acabou”, “Alegria”, “Minha Embaixada chegou”, “Fez Bobagem”, “Uva de Caminhão”, “Maria Boa”, “Boneca de Pano” e tantas outras. O compositor foi um dos principais fornecedores de músicas para a cantora Carmem Miranda, que gravou 24 sambas de sua autoria. 



Assis Valente é o autor de “Brasil Pandeiro”, uma das músicas que mais representam o Brasil. Para Ary Vasconcelos, “Brasil Pandeiro é a epopeia popular da raça brasileira, da ‘gente bronzeada’”. O samba foi gravado, em 1941, pelo conjunto Anjos do Inferno e, trinta anos depois, transformou-se em um dos maiores sucessos dos Novos Baianos.


O grande compositor baiano, além do mais, com a marcha “Cai, cai, balão”, gravada em 1933, é considerado o pioneiro do gênero de músicas juninas na nossa música popular. A ele, também, pode ser creditada a primazia da inserção das canções natalinas no nosso cancioneiro, com a gravação, naquele mesmo ano de 1933, de “Boas Festas”.

 

Apesar da maioria das letras das músicas de Assis Valente expressar situações alegres, divertidas e jocosas, ele teve, ao contrário, uma vida triste e trágica. O compositor nasceu de uma relação extraconjugal casual de um abastado comerciante de Salvador com uma moça do interior da Bahia, pobre e de poucas letras. Aos seis anos de idade, foi afastado da mãe para ser criado por uma família que pudesse dar melhores condições ao menino que já mostrava invulgar inteligência. Segundo Gonçalo Junior, autor de uma alentada biografia de Assis (“Quem Samba tem Alegria”, Civilização Brasileira, 2014, 657 páginas), “o relativo desprezo de Assis pela mãe, demonstrado quando ele já era famoso, contraria a história de que partiu contra a vontade dela”. 

Aos 10 anos, menino precoce, Assis fugiu da casa da família que o criara e se incorporou a um circo que passara por Alagoinhas, cidade onde vivia. Retornou, após algum tempo, para Alagoinhas e, depois, conseguiu ser aceito na família do seu pai, em Salvador. Na capital baiana, Assis desenvolveu sua habilidade para o desenho e a escultura e especializou-se como protético. E com essas aptidões, mudou-se, aos 17 anos, para o Rio de Janeiro. Até então, Assis não tinha qualquer relação com a música.

Trabalhando como protético, mas também fazendo cartuns e ilustrações para revistas cariocas, Assis Valente acabou se envolvendo no ambiente cultural da cidade. Ficou amigo do pintor e sambista Heitor dos Prazeres, que se impressionara com a facilidade que ele tinha para fazer versos. Cerca de quatro anos depois que chegara ao Rio, Assis Valente já tinha músicas gravadas por Araci Cortes (“Tem francesa no morro”) e Carmem Miranda (“Good-bye boy”).

Na véspera do Natal de 1932, o ano em que teve as suas primeiras músicas gravadas, Assis Valente se encontrava, sozinho, em um quarto de pensão na praia de Icaraí, em Niterói. São as palavras do próprio compositor:

“Uma tristeza forte me invadiu pouco a pouco. No meu quarto havia um quadro que representava uma menina olhando um sapatinho. Era um quadro típico de Natal, que muito me impressionou. Pensei na alegria de ser feliz, de não estar só no mundo, como eu me encontrava. Aí, pedi a Papai Noel uma porção de coisas bonitas. Infelizmente, porém, eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel, bem assim felicidade, eu pensei que fosse uma brincadeira de papel. Quando passou a tarde, a música estava feita. Papai Noel não tinha vindo, mas eu ganhara um presente, a melhor das minha composições”. 

 

A canção, denominada “Boas Festas”, foi gravada, em outubro de 1933 (com arranjo e regência de Pixinguinha), por Carlos Galhardo, um cantor que iniciava sua carreira. A gravadora RCA Victor não acreditou que a música tivesse vida longa, pois a colocou no “lado B” do disco (o lado em que ficava a gravação de menor destaque). Lançada em dezembro, “Boas Festas”, tornou-se, de imediato, um grande sucesso. Apesar do título efusivo de felicitações, a música tem uma das letras mais melancólicas do nosso cancioneiro. Mas, mesmo assim, conseguiu se tornar a canção de Natal brasileira mais conhecida.

 “Anoiteceu / O sino gemeu / A gente ficou / Feliz a rezar / Papai Noel / Vê se você tem / A felicidade / Pra você me dar / Eu pensei que todo mundo / Fosse filho de Papai Noel / Bem assim felicidade / Eu pensei que fosse uma / Brincadeira de papel / Já faz tempo que pedi / Mas o meu Papai Noel não vem / Com certeza já morreu / Ou então felicidade / É brinquedo que não tem.”


A partir de 1932, e pelo restante da década, Assis Valente sempre tinha uma música em evidência. Mas, o ambiente musical foi mudando, os grandes compositores como Ary Barroso, Lamartine Babo e Braguinha estavam se transferindo para outras atividades. Em 1941, Assis Valente não conseguia, como antes, que as suas músicas fossem gravadas. Esta situação, a sua personalidade depressiva, o fracasso no seu casamento, problemas financeiros, com o álcool e a cocaína, fizeram com que o grande compositor baiano tentasse o suicídio. Assis se jogou do alto do Corcovado e se salvou, milagrosamente, por ter caído na copa de uma árvore, de onde foi resgatado. 

Em 1958, esquecido e sem ter mais as sua músicas gravadas, novamente a depressão voltou a afetar Assis Valente. No final da tarde do dia 11 de março, o notável compositor sentou em banco de uma praça onde crianças brincavam alegremente e ingeriu uma dose mortífera de formicida com guaraná. Faltavam 8 dias para o seu aniversário de 47 anos.

Embora as principais canções de Assis Valente continuem a ser regravadas pelas mais importantes figuras da nossa música popular, o nome do compositor é, atualmente, inteiramente desconhecido pelas novas gerações. 

Há quase noventa anos, “Boas Festas”, que é bastante ouvida no período do Natal, sem que muitos saibam quem é o seu autor, continua a nos lembrar, ao menos no curto espaço das festas natalinas, que no nosso país tão desigual nem todo mundo é filho de Papai Noel. 



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