Por: JOÃO VICENTE MACHADO
A notícia destaque da semana e que causou um profundo mal estar, não somente no meio jornalístico como também em todos os amantes da democracia da palavra, foi a reação tosca e furiosa do presidente da república a uma pergunta que lhe foi formulada por um jornalista do jornal O Globo na catedral de Brasília que ele visitava no domingo, dia 23/08/2020.
O jornalista indagou do presidente sobre o que justificaria os depósitos feitos pelo ex-assessor Fabrício Queiroz em favor da primeira dama Michelle Bolsonaro. O presidente ficou possesso e respondeu com a “fidalguia” que lhe é peculiar: “a minha vontade é encher sua boca de porrada”. (clique aqui)
Uma resposta dessas poderia vir de qualquer pessoa, menos de um chefe de estado, representante legal da ainda sexta ou sétima economia do planeta.
A plebe ignara pode até se comportar de maneira imprópria, cometer deslizes, mas ela não aceita e nem aprova esse comportamento vindo de alguém que se diz liderança.
Faz-nos recordar o velho bordão popular que repete sempre: “já não se fazem mais presidentes da república como antigamente.”
O Presidente Juscelino Kubitschek tinha no famoso jornalista e compositor famoso David Nasser, um crítico ácido, tendencioso e costumaz a quem quer que representasse um mínimo de democracia e com JK não foi diferente.
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Jornalista David Nasser foto: DR/de internet |
Era um compositor já consagrado e como jornalista escrevia uma prestigiada página na revista O Cruzeiro, sempre ilustrada com fotos do famoso fotógrafo Jean Manzon.
A revista integrava um conglomerado de órgãos jornalísticos denominado Diários Associados, de propriedade do jornalista paraibano de direita Assis Chateaubriand, à época muito mais poderoso do que foi Roberto Marinho sendo denominado pelo jornalista Fernando Morais num livro biográfico, como Chatô, o Rei do Brasil.
Dá para perceber que o habitat jornalístico de David Nasser, tinha um enorme poder de fogo e enquanto ele rezasse pela cartilha do poderoso chefão teria munição suficiente para para atingir e derrubar governantes que contrariassem o establishment.
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Juscelino Kubitschek |
David Nasser não dava trégua a Juscelino Kubitschek por quem não nutria qualquer simpatia e que era criticado pelo seu nacionalismo que lutava por um país independente e qualquer argueiro no olho das oligarquias, por qualquer motivo banal era objeto do engenho de moer reputações, como acontece até hoje, inclusive aqui na Paraíba.
David Nasser não era um primor de ética e tinha métodos nada republicanos, prática ainda hoje presente no jornalismo atual, sobretudo naquilo que considero milícias virtuais que é um jornalismo à soldo do sistema.
Na vida pessoal ele teve uma trajetória nebulosa, inclusive mantendo ligações com grupos de extrema direita, chegando até a ser Presidente de Honra de um grupo de extermínio ligado à polícia carioca denominado Scuderie Le Coq, que defendia na sua prestigiada coluna da revista O Cruzeiro.
Conspirou contra a posse legitima de João Goulart com a vacância devida a renuncia de Janio Quadros e desentendeu-se com Leonel Brizola cunhado de Jango, e a mais expressiva voz das esquerdas que comandou a partir de Porto Alegre a vitoriosa cadeia da legalidade, apoiado pelo comandante do 3° Exército, que permitiu a posse de Jango.
Brizola era mais jovem e mais impulsivo e chegou a um confronto físico com Nasser que seria um dos porta vozes da conspiração que culminou com o golpe de 1964, do qual e para seu castigo terminou sendo vítima, com a prisão política do sobrinho e da sua esposa grávida que viria perder a criança em consequência das torturas.
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Leonel de Moura Brizola |
Certa feita Juscelino desembarcava no aeroporto do Galeão e se deparava com David Nasser, que lhe dirigiu uma pergunta indiscreta e provocativa.
JK com a fleuma e a experiência do bom mineiro, ao invés de ataca-lo fisicamente, deu-lhe uma chibatada moral e falou sereno ao agressor que era descendente de libaneses: “Turco, feliz de quem mora num país em que um jornalista pode afrontar o Presidente da República e sair ileso.”
JK com a fleuma e a experiência do bom mineiro, ao invés de ataca-lo fisicamente, deu-lhe uma chibatada moral e falou sereno ao agressor que era descendente de libaneses: “Turco, feliz de quem mora num país em que um jornalista pode afrontar o Presidente da República e sair ileso.”
Mais não falou e nem lhe foi perguntado e isso reforça a tese inicial do texto que nos faz refletir o velho e conhecido bordão:
“Realmente, já não se fazem mais presidentes da república como antigamente”.
Referências: https://www.teses.usp.br/
Foto: