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Nem tudo que parece é. Como surgiu o prefixo de Luiz Gonzaga

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Por Flávio Ramalho de Brito


O mês de junho está iniciando, o mês das festas de São João, os mais tradicionais festejos do Nordeste brasileiro. Mas, esse vai ser um mês de junho diferente, como nunca houve antes. A pandemia que vem atingindo o mundo, sem escolher países, regiões ou lugares, recomenda o afastamento entre as pessoas, o que se contrapõe com a essência das festas juninas. Vai restar, ao menos, o consolo de se ouvir forrós, xotes e baiões, gêneros musicais nascidos nos terreiros e nas salas de reboco dos sítios e fazendas dos sertões nordestinos, que foram sintetizados pelo gênio do pernambucano Luiz Gonzaga.

Luiz Gonzaga, por quase quatro décadas, abriu suas apresentações, com o seu vozeirão, acompanhado de um solo de sanfona, cantando:

“Vai boiadeiro que o dia já vem / Leva o teu gado e vai pensando no teu bem”

Desde que o Rei do Baião gravou Boiadeiro, no início dos anos 1950, a música, que foi um estrondoso sucesso, ficou indelevelmente ligada à figura de Luiz Gonzaga, que a adotou como prefixo em todos os seus shows. Já houve quem dissesse que a canção retratava, de forma perfeita, a vida no sertão do Nordeste ou, até mesmo, nas fraldas da serra do Araripe, no Exu, a terra da família Gonzaga. Nada mais errado. E eu vou usar como argumento as próprias palavras de um dos compositores da música.

Klecius Caldas e Armando Cavalcanti são os dois compositores de Boiadeiro. No início da década de 1940, os dois eram do Exército e moravam, no Rio de Janeiro, em um mesmo edifício, no bairro de Copacabana. Acabaram ficando amigos.  Ambos gostavam de música. É Klecius quem relata, em um livro de sua autoria: “eu era louco pela música americana […] aqueles blues da época de ouro no trombone de Tommy Dorsey, aquele balanço da orquestra de Glenn Miller […] o Armando gostava também de tangos e boleros […]”. Os dois amigos que gostavam de música, começaram, também, a fazer músicas. Foram apresentados a Francisco Alves, o cantor mais popular da época, que gravou músicas da dupla. Segundo Klecius, Chico Alves o apresentava aos amigos dele, assim: “ele é capitão, mas não é capitão […] talvez com isso quisesse dizer que eu apesar de ser oficial do exército não tinha banca de militar”. Bons tempos aqueles, em que capitão do Exército fazia música.

No princípio dos anos 1950, o baião dominava o País e Luiz Gonzaga era a sua principal figura. Klecius e Armando, que já tinham várias músicas gravadas, encontraram, casualmente, Gonzaga e “quando fomos cumprimentá-lo, o Armando reconheceu o cabo-corneteiro que fora seu comandado no Regimento da Infantaria”. Luiz Gonzaga pediu aos dois que fizessem uma música, no seu estilo, para ele pudesse gravar. Eles fizeram, então, Sertão de Jequié. Aconteceu que a cantora Dalva de Oliveira, ouviu antes a canção, já prometida a Gonzaga, e a quis gravar. Luiz Gonzaga concordou, desde que a dupla compusesse uma nova música para ele. E é Klecius Caldas quem conta como O Boiadeiro foi feita:

Sempre tive sorte com músicas de encomenda: ‘O Boiadeiro’, a pedido de Luiz Gonzaga, para substituir ‘Sertão de Jequié’ […] foi assim que nasceu O Boiadeiro’”.

“Essa toada, evidentemente urbana, feita por dois cariocas do asfalto, sem ter qualquer compromisso com qualquer região seja na melodia seja na fala, acabou se integrando a todos os lugares e pertencendo a todos os lugares. Parece mineira, parece gaúcha, nordestina, paulista do interior, e no fim não é nada disso. É apenas um lance de sorte de dois estranhos ao assunto, que conseguiram introduzir no repertório do maior compositor e intérprete de música nordestina, o seu prefixo, a sua marca de apresentação”.

Ainda para Luiz Gonzaga a dupla fez Cigarro de Paia, que foi também grande sucesso do Rei do Baião e que, alguns “especialistas de internet”, andam creditando a autoria a Gonzaga e Zé Dantas. Quando Luiz Gonzaga morreu, Klecius escreveu que “entre as várias notícias e reportagens uma me calou fundo: foi aquela em que ele falava sobre seus planos futuros que incluíam a gravação do nosso ‘Sertão do Jequié” no próximo disco que ia fazer”. Sertão do Jequié, que Gonzaga nunca gravara, foi aquela primeira música que a dupla fez para ele e que Dalva de Oliveira se antecipou e gravou.

Klecius Caldas

Armando Cavalcanti e Klecius Caldas eram dois craques em fazer todo tipo de música. Foram campeões de marchinhas em vários carnavais, num tempo em que as letras não seguiam as regras do “politicamente correto”, como pode se ver:

Maria Escandalosa (1955): Maria Escandalosa desde criança sempre deu alteração / Na escola, não dava bola / Só aprendia o que não era da lição / Depois, a Maria cresceu, juízo que é bom encolheu / E a Maria Escandalosa é muito prosa, é mentirosa, mas é gostosa […]
Maria Candelária (1952): Maria Candelária / é alta funcionária / Saltou de paraquedas / Caiu na letra ‘O’, oh oh oh / Começa ao meio dia / Coitada da Maria / Trabalha, trabalha, trabalha de fazer dó, oh, oh, oh / A uma vai ao dentista / Às duas vai ao café / Às três vai à modista / Às quatro assina o ponto e dá no pé / Que grande vigarista que ela é […]
Papai Adão (1951): Papai Adão, papai Adão, papai Adão / Já foi o tal, hoje é Eva quem manobra / E a culpada foi a cobra […]  uma folha de parreira, uma Eva sem juízo / uma cobra traiçoeira, lá se foi o Paraíso […]
Outros grandes sucessos da dupla para o Carnaval foram A Lua é dos Namorados (Lua oh lua querem te passar pra trás / Lua oh lua querem te roubar a paz) e A Lua é Camarada, feitas na época das primeiras viagens espaciais, Piada de Salão, Dona Cegonha, Marcha do Gagoe Marcha do Neném, as duas últimas interpretadas pelo grande ator Oscarito.
Armando Cavalcanti, Oscarito e Klecius Caldas

Klecius Caldas e Armando Cavalcanti, fizeram juntos mais de 50 músicas, vários sambas, uma belíssima canção para o Natal, Feliz Natal (Noite Azul), e até uma balada no estilo do nascente rock, Sua Majestade o Neném. Diversos sambas-canções têm a assinatura da dupla, entre eles o clássico Neste mesmo Lugar (… por uma ironia cruel, alguém começou a cantar, um samba-canção de Noel, que viu nosso amor começar…). Armando Cavalcanti faleceu, em 1964, aos 50 anos, vítima de um enfarte. Tinha atingido, no Exército, o posto de general. Klecius ainda conseguiu, em 1970, com outro parceiro, o também militar Ruthnaldo, vencer um concurso de músicas de carnaval, com a marcha-rancho Primeiro Clarim. Mas, o carnaval já não era mais o mesmo de antes. Klecius Pennafort Caldas morreu, em 2002. Tinha 83 anos e havia sido reformado também como general de brigada.
Luiz Gonzaga – Boiadeiro


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Maria Bethânia – Cigarro de Paia / Boiadeiro (DVD “Brasileirinho”)

Blecaute – marchinhas Pedreiro Waldemar (Wilson Baptista-Roberto Martins), Maria Escandalosa e Maria Candelária (Klecius Caldas e Armando Cavalcanti) 

Ângela Maria – Neste Mesmo Lugar – 100 Anos de Dalva de Oliveira

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1 COMENTÁRIO

  1. Mais uma vez me remeto ao passado lendo essas maravilhas de histórias transcorridos tão próximo de mim e nunca percebido.Agradeco mais imã vez e quantas mais se fizerem necessárias a este grande BLOGUEIRO que nos traz tão belíssimas recordações juntamente com esse outro mostro da nossa cultura o inigualável FLAVIO RAMALHO DE BRITO a quem dedico um forte e grandioso abraço.

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