
Por: Mirtzi Lima Ribeiro;
Pneu no asfalto, carro em movimento comigo ao volante. A música Lonely City (Cidade Solitária), na voz do cantor norte-americano Mokita, no Spotify, trazia uma melodia e uma voz suaves. Sinal vermelho, trânsito de hora de pico, pais levando seus filhos ao colégio, jovens indo à faculdade em seus veículos ou em ônibus ou vans, além de outras pessoas como eu se deslocando para seus empregos. Olhei os carros próximos: cinco na cor vermelho.
Enfim, vi um veículo amarelo, que destoava dos demais, que em sua maioria eram nas cores cinza, branco, azul marinho ou preto, com mais outros vermelhinhos de vez em quando. Observei os pedestres atravessando a faixa a eles destinada, os motociclistas nos seus rodopios rápidos entre os veículos (coisa de louco!). Enquanto isso, o sol esquentava o tempo.
As cores se mesclavam entre o azul do céu, as nuvens brancas, a copa verde das árvores, as roupas coloridas daqueles que caminhavam nas calçadas, a mistura colorida dos carros.

Os sons de mensagens chegando ao celular disparavam de vez em quando, mas eu não iria lê-las porque estava dirigindo, ação que exige concentração, observação e uma completa simbiose entre as mãos, meus movimentos, meus olhos e o volante. Havemos de ter muitos olhos e muitos alcances quando estamos guiando um veículo. Entretanto, os pensamentos não param: vão se encadeando entre a alegria pelo aroma de rosas do perfume no corpo e roupa, a observação de tudo o que se passa ao redor, a lembrança de palavras ou partes de filmes assistidos, a trechos de livros lidos e as sensações que a música provoca na mente e no coração, além de inúmeras outras possibilidades.
Há também o riso que brota de vez em quando ao lembrar de fatos engraçados, de momentos bons, do presente bonito que um dia ganhamos, do lanche gostoso que foi feito em algum momento, da mancha de vinho na blusa, de uma anotação que precisa ser feita, de um detalhe que deveria ser acertado com alguém, do que seria o cardápio do dia, das providências que deveriam ter sido tomadas, de pessoas queridas. A cabeça é um computador gigante que pode se vincular a múltiplos assuntos, imagens, vozes, aromas, visões, insights, mas, também com nada, com aquele vazio ou aquele silêncio que os meditadores adoram. Ao ver uma pessoa no meio da avenida, imaginei como estaria aquela pessoa de rosto sisudo, com ares pensativos.

E aqueles motoristas parados no semáforo do outro lado da avenida de mão dupla, em que pensariam? Estariam despertos, atentos à sua vida ou dispersos e vivendo ao sabor dos acontecimentos?
Fiquei imaginando quantas pessoas sabiam, naquele exato momento, porque estão aqui nesse planeta e o que seria o mote ou motivo principal de suas vidas. Quantos estariam distraídos, sem saber nada do que estão fazendo aqui? Qual o significado que essas pessoas enxergam na sua própria vida? Como usam seu tempo, seus esforços, sua atenção? Quais são suas prioridades? Estão apenas vivendo na superfície da vida, achando que essa ponta do Iceberg é o Iceberg inteiro? Como educam seus filhos? Como amam seus amigos, família e parceiros ou afetos? Querem construir laços, aprofundar e reforçar conexões ou simplesmente estão à mercê de caprichos e egocentrismos baratos? Sabem a diferença entre prazer e felicidade ou nem se dão conta que são questões totalmente distintas entre si (embora possam se complementar)?
Eles sabem o que é amizade ou apenas usam as pessoas para lograr algum interesse mesquinho ou egóico? Estão nas frivolidades da vida ou já se engajaram em construir pontes, relações consistentes e o seu próprio caráter? Quais são as suas realizações pessoais? Amam e cuidam daqueles que amam de modo equilibrado, construtivo, saudável e bem-intencionado? Ou simplesmente lhes reivindicam a posse, o controle e possuem aqueles comportamentos desagradáveis e invasivos dos que gostam de tomar conta da vida alheia ou julgar-lhes pejorativamente? Será que vivem e deixam os outros viverem? Será que respeitam seus próprios tirocínios e os pensamentos alheios? Será que têm paz e seu comportamento traz paz aos outros? Ou só sabem produzir contendas (‘calor’ que queima e destrói), e não luz que ilumina e vivifica? Ou simplesmente acordam sem raciocinar e sem criatividade construtiva para desfrutar e ter uma vida tranquila, produtiva, amorosa e que engradece a si e aos outros que com eles lidam? Será que praticam aquilo que pregam? Ou apenas querem o venha o ‘Vosso Reino’ e o teu lado que se dane?

De que maneira lidam com a energia do dinheiro? Querem-no apenas para si sem entender e sem querer compartilhar com os outros? Ou a ganância é alta e ela fala mais alto que seu caráter? Qual o respeito que essas pessoas endereçam a idosos e a crianças, a pobres e pessoas de cor diferente da sua? São inclusivos ou querem exclusividade, se posicionando para ser o centro das atenções e olham os outros como o ‘resto dos mortais’ e se colocam em um pedestal querendo ser os maiorais e donos da verdade?
Meus pensamentos se alternavam entre si e entre a observação das vias, dos defeitos do asfalto, do calçamento com pedras soltas, do cuidado em identificar as pessoas que queriam passar na faixa de pedestres, de trabalhadores com escadas a verificar ou a consertar os fios de energia elétrica, dos semáforos sincronizados que abrem e fecham para que o fluxo dos veículos venha a ser melhor.

A música continuou com os acordes enquanto eu chegava à guarita que dá para a entrada do local de trabalho. Vinte e cinco minutos de um passeio onde a concentração se manteve integral apesar dos pensamentos, das indagações, das reflexões, dos olhares para todos os lados e todas as gentes que passaram por mim: a pé, de moto ou em outro veículo, ou simplesmente nas minhas recordações. Agradeci ao meu cérebro e ao meu corpo por estarem afinados e em sincronia, de modo a proporcionar um momento tranquilo em meio à catarse de pensamentos e ao movimento rápido e inesperado de tudo o que acontecia ao meu redor.
Sim, eu estava dentro da Matrix, mas, também eu estava ciente de estar fora dela, irmanada e em sintonia com outros ‘despertos’.




