
Por: Neves Couras;
Quando crianças, meus filhos estudavam em um conceituado colégio religioso aqui em João Pessoa. Por ser um colégio conceituado, em que familiares também matriculavam seus filhos e também faziam parte da equipe pedagógica, eu acreditava que eles estavam em “boas mãos”.
Foram matriculados na referida escola desde o “jardim”, como chamávamos na época, as duas primeiras já estavam para concluir, uma o sétimo ano e a outra o oitavo anos. A que estava no sétimo ano, começou a apresentar uma otite que só aparecia quando ela teria que fazer a prova de matemática. Assim, as notas começaram a baixar. Procurei a coordenação que me orientou procurar professor de reforço para ajudar. Assim fiz, mas nada de melhorar as notas e nem a otite desaparecer.
De tanto procurar o médico por conta da otite, resolvi sair da medicina convencional e a levei em uma homeopata que já me acompanhava há algum tempo. Logo que minha filha contou o que sentia, ela me pediu para que eu a levasse a uma psicóloga e tudo foi feito naquele mesmo dia.

Após uma longa consulta com minha filha, a psicóloga saiu já com um atestado pedindo a transferência com a máxima urgência da escola e que ela não poderia sequer entrar mais na escola. O diagnóstico foi “Trauma por erro pedagógico”. Fui ao colégio e me encaminharam para a coordenadora pedagógica e, para minha surpresa, começou a ser debulhado um rosário de culpas sobre mim.
A coordenadora foi logo dizendo que a culpa era minha uma vez que dava mais atenção ao meu trabalho que aos meus filhos, pois eu trabalhava dois expedientes e não tinha tempo de acompanhar meus filhos. Logo respondi:
“Que colégio maravilhoso, quer dizer que todas as mães que tem seus filhos aqui, ou não trabalham ou só o fazem um expediente? Eu não tenho esse privilégio, porque apesar de ser casada, o sustento dos meus filhos é de minha inteira responsabilidade. E como consta no atestado dado pela psicóloga, que diz que o erro foi pedagógico, não materno, eu quero a transferência em caráter de urgência de minha filha.”
Ela respondeu que não dava, e para concluir a história por aqui, pois é muito longa, precisei recorrer ao Conselho Estadual de Educação, e assim, consegui a transferência. Na Escola seguinte, minha filha passou a tirar as melhores notas da classe, comprovando que não se tratava de incapacidade dela, tampouco de culpa minha, mas do colégio que não fazia o devido acompanhamento pedagógico das alunas.

Toda essa história resolvi contar pois lembrei do que passei e do que passam as mães que estão no mercado de trabalho e só tem um dia para ficar com seus filhos tendo que deixá-los na companhia de alguém da família ou numa creche.
Às mulheres e mães é atribuído um peso desproporcional àquele posto nos homens. Ninguém critica um homem por trabalhar muito para sustentar a sua família. Nenhum homem abre mão de uma promoção no trabalho por essa exigir mais horas trabalhadas. Mas quando o cenário se inverte… a mãe se torna uma desnaturada, uma irresponsável.
E aqui precisamos atentar para o recorte de classe dessa exigência. Desde que o Brasil surgiu com a invasão portuguesa e tudo que nós conhecemos da história, mulheres sempre trabalharam. E aqui não vou nem citar o trabalho da mulher escravizada já que não era uma opção sua. Aqui sempre existiram lavadeiras, quituteiras, quitandeiras, cozinheiras, amas de leite, costureiras, criadeiras, prostitutas… mulheres livres, mas pobres, que precisavam trabalhar para garantir a sua sobrevivência e de suas famílias. E elas sempre tiveram filhos. Uma breve busca na internet nos inunda de imagens em que mulheres seguiam suas vidas com os filhos nos braços, nas barras das saias ou atados às costas.

Quando ouvimos falar na luta da mulher para entrar no mercado de trabalho, não era para que elas pudessem sair de suas almofadas de cetim e fossem brincar de serem profissionais, essa luta foi para que as quitandeiras pudessem abrir suas lojas, as enfermeiras se tornassem médicas, e para que as milhares de mulheres que trabalhavam no campo e na indústria pudessem parar de serem tratadas como criaturas de segunda classe e passassem a ter os mesmos salários e direitos dos homens, e nós não precisássemos mais viver relegadas às posições milenares que sempre ocupamos.
A cena da mulher que trabalha fora e cria os filhos, é tão antiga quanto o próprio trabalho. Mas as vezes nós nos esquecemos disso e voltamos a um passado inventado de saias de babados e cabelos de tranças onde podíamos criar uma dúzia de filhos, termos tempo para costurar, bordar e cuidar do jardim.
Senhoras e senhores, detesto ser portadora de más notícias, mas isso nunca existiu. Aliás, erro meu, existia para as senhoras que podiam arcar com os custos de terem as faxineiras, cozinheiras, amas, costureiras… ou seja, as antepassadas da nossa classe dominante, que nos domina desde que o mundo é mundo.
Quando tomei conhecimento da PEC que está no Congresso que proibiria a escala 6×1, regime em que o funcionário deve trabalhar por 6 dias seguidos e ter um dia de folga. Fiquei pensando que os empresários darão um jeitinho de excluírem as mulheres do seu quadro, assim como foi quando a mulher adquiriu o direito de trabalhar, criaram jeitinhos como contratar apenas mulheres que já tinham trompas ligadas, que não queriam ter filhos… e, ainda assim, as que já eram esterilizadas tinham que apresentar atestados médicos. Violências que jamais seriam impostas a um homem.

Penso como sofremos com o pouco tempo que temos para ficar com nossos filhos quando engravidamos, e voltamos ao trabalho, já com a carta de demissão fazendo parte da história próxima de cada uma.
A mesma coisa aconteceu quando o teto salarial das enfermeiras foi aprovado. Um desemprego disfarçado, além de muitos hospitais diminuírem a quantidade de enfermeiras(os) em seus quadros. A mesma coisa com as empregadas domésticas.
As leis precisam ser melhor analisadas de forma a melhorar o direito das mulheres mães desse País. Estamos criando os futuros homens e mulheres dessa nação. O apoio que essa mulher precisa para ficar com seus filhos, não é um luxo, é a garantia que ela fique em casa para proteger e educar seus filhos, para que não sejam adotados cada dia mais cedo pelas milícias e pelo tráfico. Quando o trabalhador exige dois dias de folga (o que já é obsoleto em partes do mundo onde já há três dias de folga semanal), é porque entendemos que o mundo e a vida são mais que o trabalho, são, fundamental e principalmente a família, a religião, o lazer, a dignidade.
Quando falamos em direitos laborais femininos muitos ainda dizem: “- Elas lutaram para terem o direito igual ao dos homens, agora aguentem”. O que não entendem, é que ainda não temos esses direitos. Quando um homem chega no trabalho com a notícia que vai ser pai, o chefe lhe parabeniza e lhe dá um aumento, um posto mais confortável. A mulher precisou de uma lei que impedisse o patrão de demiti-la grávida.

Estamos falando de um Estado onde as crianças não têm garantia de uma creche que cuide devidamente dos filhos de mulheres pobres que precisam trabalhar para cuidar muitas vezes de filhos dos patrões.
Lembremos lá no passado quando as “mães pretas”, mulheres escravizadas ou pobres que deixavam de oferecer seu peito ao seu filho para amamentar os filhos dos outros. Com as fórmulas industrializadas para a alimentação dos bebês sumiu a necessidade das amas de leite, mas todo o resto da estrutura antiquada de séculos atrás persiste. Mulheres deixam seus filhos com avós, vizinhas ou em creches precárias para poderem pegar a condução e irem cuidar dos filhos alheios, saem de suas casas para cuidar das casas alheias, arriscam suas vidas para cuidar dos doentes e velhos alheios.
Acho que chegou o momento dessa proposta de Lei, quase extemporânea, ser votada. E que os congressistas comecem a entender quem os elege e os coloca no obscurantismo com o voto: o povo, e principalmente nós mulheres, a maioria da população. Também lembremos que em épocas de reis absolutos fomos nós, o povo, que lhe tiramos não só as coroas, mas as cabeças.
Padre Cícero dizia que a vida é uma Roda Gigante: hora a cadeira de baixo tá lá em cima, hora a de cima tá embaixo. Pensemos que nada nesta vida é definitivo. Nem mesmo a vida neste planeta. E agradeçamos que as mulheres só querem igualdade e dignidade, não vingança.




