Rir é o caminho

Por: Antonio Henrique Couras;

Hoje em dia, mais do que nunca, me pego refletindo sobre a importância do senso de humor. Realmente, o melhor a se fazer quando a vida nos dá as costas é passar a mão na bunda dela. É isso ou deixarmos que a vida nos vença. E isso não é algo que podemos permitir.

Já imaginou que atestado de derrota seria não rirmos das catástrofes que nos acontecem? Não sei vocês, mas o destino tem me pregado umas boas peças nos últimos tempos. Já caí sentado, caí de cara no chão, me espatifei todo como aqueles pratos de vidro que caem e cujos caquinhos nos assombram por meia encarnação.

Aprendi que o melhor remédio para essas dores é rir. Rir da peça pregada, rir de como não percebemos a simplicidade do truque de mágica. Rir quando a vontade é chorar.

Antes imaginar que, como uma mãe que diz que o tenebroso remédio que temos que tomar tem gostinho de morango, as “maldades” que a vida nos prega também têm seu fundo de bondade.

Prefiro rir dos caminhos que tive que tomar para chegar a lugar nenhum. A danada da vida, em vez de me mandar um bilhete endereçado, me fez caminhar por anos em veredas tortuosas e, no final, o destino era outro.

Quantas vezes não passei por esses testes com prêmios de papel machê? Aprendi muito, é verdade. Mas, ainda assim, preferia ter recebido um bilhetinho com a lição a ser aprendida, como em um biscoito da sorte.

O fato é que hoje fico feliz que os relacionamentos não tenham dado certo. Fico feliz que os “falecidos” tenham encontrado outros braços em que se aninhar. Os que despachei realmente nunca me despertaram interesse de retorno. E sempre que olhei de rabo de olho para trás, morrendo de medo de virar uma coluna de sal, percebi que fiz a escolha certa. Jesus mandou amar o próximo, não o último.

Os pés na bunda me ensinaram que dar com os burros n’água só nos deixa molhados, meio humilhados, mas, pelo menos, com o burro limpo e pronto para a próxima viagem.

E, por falar em burros, os meus já estão criando escamas de tanto que dou com eles na água. Criei, anos e anos atrás, um plano de vida. Me agarrei a ele por altos e baixos, períodos de fartura e estiagem, de esperança e escuridão. Até que um dia, ao me ver mais uma vez com os burros ensopados, me perguntei: eu quero mesmo cruzar esse rio? A resposta foi não.

A paisagem do outro lado já não era mais tão tentadora como fora outrora. A grama aqui deste lado parecia verde, as árvores frondosas e as flores perfumadas. Foram anos tentando cruzar esse rio, ao ponto de nem perceber que não precisava cruzá-lo para ter a vida que sempre quis. Aliás, cruzá-lo me afastaria de tudo que realmente amo.

Parei e deixei o rio levar meus planos por água abaixo — tal qual Hércules fizera com os estábulos de Áugias. E, tal como o herói grego, dei meu trabalho por concluído. Alma lavada: se não fiz, foi porque o destino assim não quis.

Como num desenho animado, tentei cruzar o bendito rio com uma canoa, tentei a nado, construindo pontes, nas costas do pobre burro, me atirando de uma catapulta, amarrado em um foguete, em um balão de gás — e tudo mais que o leitor imaginar. Tentei. E, como o coiote tentando pegar o papa-léguas, falhei miseravelmente todas as vezes.

Talvez o destino quisesse que eu, na verdade, percebesse que o rio estava lá só para matar minha sede e meu calor — não para ser cruzado. Acho que entendi.

Às vezes me pego me maldizendo por ter gasto tanto tempo nessa missão sem futuro de cruzar esse maldito rio. Mas logo me lembro que foi essa missão que me ensinou a nadar, me manteve refrescado, hidratado e, acima de tudo, vivo por todos esses anos.

Então, sinto a terra fofa sob meus pés e vejo que o terreno em que estou é fértil, e o futuro, promissor. E então, como não poderia deixar de ser, rio.

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