Por: Cristina Couto;
Hoje quando saí da academia estava cansada e em passos lentos, devagar quase parando, buscando sombra para me abrigar senti um cheiro de frango assando, o vento trazia a fumaça com aroma de tempero, de fogo, de carvão, e imediatamente, o gatilho da memória disparou, fui arremessada a um passado distante, bem distante, aquela lembrança adormecida nos recônditos do inconsciente.
O vento soprava e rodopiava assim como um moinho de vento a remexer a minha memória trazendo antigas lembranças em forma de imagens, vozes, cheiros e cores, formando um quadro completo, um recorte de tempo da minha existência.
Vi-me criança na nossa antiga casa do Sitio Volta onde vivi os dez primeiros anos de vida. No fundo da casa, num pequeno alpendre que era a extensão da ampla cozinha, meu pai mandou construir um fogão a carvão: quatro bocas com trempes largas e de ferro, todo de cimento queimado. O fogão servia para o feitio de doces e preparo das galinhas caipiras, naquela época eram criadas no terreio de casa e só eram recolhidas ao galinheiro para engordar e ser o prato principal do almoço do domingo. No fogão fervia a água para pelar, sapecar os canhões resistentes que ficavam presos ao coro da ave, e depois de bem temperada era cozida numa panela de barro ou de ferro, utensílio apropriado para aquele tipo de fogão, além do sabor inigualável que dava aos alimentos.
O carvão era feito lá em casa mesmo, na frente da casa numa baixa que ficava entre o açude e as algarobas havia o local para queimar galhos e troncos secos. Esse serviço era de responsabilidade de Abdias, um senhor alto, magro, gentil e muito leal a nossa família. Sinto o cheiro de queimado daquela madeira seca invadindo nossa casa nos finais de tarde. Depois de frio, o carvão era depositado numa espécie de tangue fundo e baixo, também feito de cimento que ficava ao lado do dito fogão.
Lá embaixo, perto do estábulo, meu pai fez um pomar com muitas fruteiras, em especial, o caju. Eram vários cajueiros espalhados por todo o terreno. Na safra fazia lama, eram lindos cajus grandes e vermelhos colhidos diariamente para suco, doce e para presentear os parentes e amigos. Lembro-me de uma manhã, depois do café fui à cozinha e a voz de Abdias conversando com a moça que fazia a copa me chamou atenção, rapidamente me dirigi ao alpendre onde estavam; ele descascava uns frutos para um doce e eu fitei o olhar num bonito e suculento caju, a beleza era tanta que peguei e com muita vontade mordi aquela doçura. Sai tão rápida como cheguei e fui brincar, mas, o que eu não esperava era que aquela linda fruta me fizesse tão mal. Realmente, não desceu bem. Desse dia em diante nunca mais comi um caju e nem tomo seu suco.
Voltando ao pensamento inicial, quando senti o cheiro daquele frango assado fui remetida a esse tempo da minha infância e veio o sabor da carne que a nossa excelente cozinheira assava para minha mãe. Cuidadosamente, ela cortava um bife fino e comprido, passava o sal grosso, colocava cuidadosamente num grelha dupla e assava muito bem na brasa. O cheiro daquela carne assada era inconfundível, até hoje está impregnada nas minhas narinas e na minha memória.
Não sei se foi o tempo que mudou, ou, eu que envelheci e acho que tudo mudou, ou fui eu que mudei. Só sei dizer que hoje o carvão tem cheiro de querosene, o frango tem cheiro de remédio e a fumaça que o vento traz tem cheiro de asfalto, de petróleo quente. Também tenho consciência que o sabor das coisas não é mais o mesmo, porque, as coisas não são mais as mesmas e nem eu sou mais a mesma, e nem o tempo é mais o mesmo. Só sei que tudo foi adulterado, e por isso, tudo tem outro cheiro e outro sabor. Felizmente, a minha mente sente os cheiros e os sabores que gosto e que quer, basta ativar o gatilho da memória que rapidinho volto lá.