O sonho de criar uma nova província no Cariri cearense se arrastou por longos anos. A região vivenciou e participou ativamente de grandes momentos revolucionários e libertários que eclodiram no Brasil Colonial. O desejo de autonomia política, através da criação de uma nova província que teria como capital a Vila do Crato, além de englobar localidades pertencentes às províncias da Paraíba, Pernambuco e Piauí que faziam divisas diretas e participavam das decisões econômicas e políticas formando um bloco territorial com autossuficiência e longe do domínio do Estado.
Com a transferência da Corte Portuguesa para o Brasil, a situação mudou. O príncipe regente reinava a partir da colônia e não mais da metrópole, por essa razão, em 16 de dezembro de 1815, o Estado do Brasil foi elevado a reino, unido com o Reino de Portugal e dos Algarves e o príncipe regente, Dom João, passa a organizar o Brasil administrativamente, criando novas vilas nas Capitanias. O Ceará recebeu uma atenção toda especial da Corte devido ao grande comércio de charque e algodão, além da notícia das minas de ouro nos Cariris Novos. A novidade rendeu bons frutos para o Ceará. Começaram as criações de novas vilas e uma nova Comarca.
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Aracati e o comércio da charqueada |
Em 20 de maio de 1816, o príncipe regente, através de uma Carta Régia, cria uma nova Comarca para o Ceará, devido a grande extensão de terra e a dificuldade de transporte e comunicação que deixava muitas das vilas e povoamentos sem assistência da capital. Antes, o Ceará possuía uma Comarca, denominada de Comarca do Siará Grande para atender toda a capitania. Como justifica na redação da Carta Régia por ele assinada:
Primeira determinação:
“Eu el-rei faço saber os que o presente alvará com força de lei virem : que subindo a minha real presença em consulta da mesa do meu desembargo do Paço, ouvindo o procurador da minha real coroa e fazenda, a dificuldade em que na Província do Ceará Grande se a pronta administração da justiça em razão das distâncias e incômodos por que são obrigados a passar aqueles povos pra conseguirem os despachos dos seus negócios, sendo como impossível que o ouvidor possa fazer as devidas correções em tão grandes extensões, e ouvir a mais de cento e cinquenta mil habitantes, com que a dita província se acha povoada, resultando de qualquer falta de prejuízos incalculáveis contra os mesmos povos e contra os interesses da minha real fazenda: querendo eu que os paternais cuidados, com que promovo a felicidade dos meus fieis vassalos, se comuniquem a todas as partes dos meus reinos, para que todos gozem dos preciosos bens que resultam da justiça quando é distribuída com facilidade e prontidão: sou servido conformar-me com o parecer da referida mesa, e determinar o seguinte: Primeiro. Hei por bem dividir a Comarca do Ceará- grande e criar outra com a denominação de comarca do Ceará do Crato, servindo-lhe de cabeça a vila do Crato, e compreendendo no seu distrito as vilas de São João do Príncipe, Campo Maior de Quixeramobim, Icó, Santo Antônio do Jardim e São Vicente das Lavras, que por este Alvará sou servido elevar a qualidade de vila. Todas estas vilas ficam desde logo, desmembradas da referida Comarca do Ceará-grande, e sujeitas a nova Comarca do Crato do Ceará”.
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Antiga Casa do Senado e Câmara, ao lado da Praça da Sé |
Com a criação de uma nova Comarca que tinha como Cabeça a Vila Real do Crato, novas vilas foram criadas e passaram a fazer parte da nova Comarca que recebeu o nome de: Comarca do Ceará do Crato, com essa novidade a região criou “certa” independência, ficando subordinada apenas a capital e foi instalada em 1818.
O Cariri cearense foi palco da Revolução Pernambucana em 1817, da Guerra da Independência em 1822 e da Confederação Equador em 1824. Os filhos de Dona Bárbara de Alencar (Crato) e os filhos do capitão-mor Francisco Xavier Ângelo Sobreira (Lavras) estudaram no Seminário de Olinda voltando para casa com ideias iluministas propagadas pelas sociedades maçônicas, pelos viajantes estrangeiros e por meio de livros e de outras publicações existentes nas bibliotecas dos seminários brasileiros. Ideias que os levaram a participar das causas libertárias.
Localizada na Chapada do Araripe, a região do Cariri, se destaca pelas terras férteis de colheitas abundantes, muita água e muito verde, garantindo a região aspectos naturais não encontrados nos sertões circunvizinhos. Dona de uma aristocracia agrária rica, poderosa e a mais prestigiosa do Estado do Ceará, é o berço da nobreza cearense.
A sociedade caririense sempre trabalhou e reivindicou melhorias para a região, com interesse no desenvolvimento e crescimento econômico para aquelas paragens. À distância, a falta de transporte e de comunicação com a capital da Província, deixava aquelas terras entregues a própria sorte. Em 1818, quando Dom João VI instalou a Cabeça da Comarca na Vila Real Crato pelos os motivos já citados, a nova Comarca ampliou seu território de atuação do Poder Judiciário, e as decisões eram tomadas na própria Vila, muitas vezes contrárias as decisões do governo da Província como ocorreu em 1821/1822.
A autonomia política da região do Cariri era um desejo da elite daquela terra somada aos liberais, para isso era necessário à criação de uma Província no Sul do Ceará. Tal proposição carecia de uma boa defesa e justificativa possível e plausível que apresentasse a viabilidade de tal realização. A natureza da região constituiu um importante argumento utilizado nos discursos em defesa da nova província, o que resultou na descrição do local como sendo diferente da Comarca do Ceará Grande, além das riquezas e abundância em recursos naturais e da grande abrangência territorial que compreendia os Estados do Ceará, Pernambuco e Piaui.
No mesmo ano de 1839, o caririense José Martiniano Pereira de Alencar, ocupando uma Cadeira no Senado do Império apresentou um projeto de criação da Província do Cariri Novo. O projeto apresentado no Senado na 75ª Sessão em 16 de agosto de 1839, previa a criação de uma nova província que seria composta dos seguintes Municípios:
Art. 1º Fica criada uma nova Província, que se denominará – Província do Cariri Novo – cuja capital será a vila do Crato.
Art. 2º Esta Província se comporá:
§ 1º Dos municípios do Riacho do Sangue, Icó, Inhaumum, São Matheus, Lavras, Jardim e Crato, da Província do Ceará.
§ 2º Dos municípios Rio do Peixe, e Piancó, da Província da
Parahyba.
§ 3º Do município do Pajeú de Flores e dos compreendidos no Julgado do Cabrobó, da Província de Pernambuco.
§ 4º Do município de Piranhos, da Província do Piauí.
Art. 3º As autoridades gerais que, em virtude da Constituição e das leis existentes, houverem de ser criadas nesta nova Província, vencerão os mesmos ordenados que as da Província do Ceará. (ANAIS DO IMPÉRIO, 1839: p.204).
Ao apresentar o projeto O Senador Alencar alegou como primeira e principal conveniência a melhoria para levar a civilização até aquelas vilas e povoados já bastante populosos e cheios de conflitos sangrentos, ataques de facínoras e de homens armados que arrombavam e invadiam as cadeias públicas de toda a região para libertar presos perigosos e fazer vingança. Alegou também, a longitude em que se achavam das sedes dos Governos Provinciais a que pertenciam e o abandono das autoridades provinciais que acabava facilitando o estado de barbaridade, ocasionando tristes acontecimentos. Justificou ainda que:
É inegável que o estabelecimento de um Governo Provincial no centro destes sertões chamará ali a civilização, adoçará o costume daqueles povos, e fará a segurança e prosperidade dos habitantes. As relações de todas as partes componentes desta nova Província para a sua capital são as mais naturais que é possível, ao mesmo tempo em que para as capitais a que agora pertencem quase nenhumas relações têm. (ANAIS DO IMPÉRIO, 1839: P.205).
Apresentado o projeto, o mesmo foi enviado para a Comissão de Estatística do Senado para averiguar sua pertinência que acabou por julgar útil tal proposta. Apesar do grande prestigio que o Senador Alencar gozava no Senado, não triunfou seu projeto.
Em 1846, a Assembleia Provincial do Ceará estava convencida da necessidade da criação da Província do Cariri, apresentou-se como favorável ao Projeto de criação da nova Província. Em 1854, outra solicitação foi realizada a favor pela Câmara de Barbalha, e no ano seguinte, em 1855 começou a ser defendido constantemente pela imprensa cratense por intermédio de setes publicações no jornal O Araripe, que reuniam as mais variadas justificativas em defesa do projeto e foi notícia no Estado.
Em 1892, foi à vez da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará enviar para o Senado e a Câmara dos Deputados uma Representação em que se diz convencida da necessidade da criação da Província dos Cariris Novos, usando as justificativas dos projetos anteriores e ratificando a grande distancia que existia entre as capitais das referidas Províncias e os lugares conhecidos pela denominação de Cariris Novos, fazia com que as ações governativas dos presidentes das diversas províncias não se desenvolvessem e nem fossem postas em execução com prontidão e eficiência. Documento datado de 14 de agosto de 1892, assinado pelo presidente da Assembleia Provincial do Ceará: Joaquim José Barbosa. Outra vez não obtendo êxito.
Como o caririense é orgulho da sua terra e tem uma enorme sensação de pertencimento, além de se orgulhar do seu torrão, no dia 22 de maio de 1957, o deputado estadual, Wilson Roriz, natural do Município de Jardim/CE, lugar berço da nobreza e de avultada riqueza oriunda da cana de açúcar, apresenta na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, um Projeto de Lei criando o Estado do Cariri, novamente o desejo de liberdade e autonomia econômica e política volta para o debate na Câmara dos Deputados do Ceará, e mais uma vez não obteve êxito.
Sem negar a força política que o Cariri Cearense tem e quando quer elege o Governador do seu Estado. Foi assim em 1822, quando destituiu o Governo do Ceará, em Fortaleza, e elegeu uma Junta Provisória de Governo, tendo a Vila do Icó como capital até vencerem a Guerra da Independência; em 1914, os coronéis caririenses insatisfeitos com Franco Rabelo no comando do Estado se armaram e invadiram o Palácio da Luz, devolvendo o poder ao governo anterior Nogueira Aciolly; em 2014, através do voto direto dois caririenses disputaram as eleições: Eunicio Oliveira de Lavras da Mangabeira e o cratense Camilo Santana, no segundo turno toda a região do Cariri deu maioria expressiva e elegeu o cratense Camilo Santana para governador do Estado, contrariando a preferência da Região Metropolitana de Fortaleza e a Região Norte do Estado, com exceção de Sobral. Sem se falar que durante a Ditadura Militar uma das famílias mais ricas, poderosas e nobres do Cariri, os Bezerra de Menezes reinou absoluta no estado.