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O Rei do Samba

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                                      “Ele era grande! Foi ele quem botou o samba no salão!”



Por: Flávio Ramalho de Brito

     Inicialmente, aquela forma de música, que tinha evidentes características de origens africanas, ficou circunscrita àquela região, que era habitada, predominantemente, por descendentes de escravos. Pouco a pouco, o gênero musical nascente foi se expandindo para os salões de espera dos cinemas, para os espetáculos nos teatros de revistas, para as gravações em discos e até para as casas dos letrados. E essa travessia da nova música para os novos ambientes teve em Sinhô o seu principal condutor. “Foi ele quem botou o samba no salão!”, afirmou, com conhecimento de causa, a neta da quituteira Tia Ciata. O poeta pernambucano Manuel Bandeira, acrescentou: “Ele era o traço mais expressivo ligando os poetas, os artistas, a sociedade fina e culta às camadas profundas da ralé urbana. Daí a fascinação que despertava em toda a gente quando levado a um salão”. Para o pesquisador Jairo Severiano, Sinhô foi o “sistematizador do samba e o nosso compositor popular de maior sucesso nos anos 20”.  Com toda essa importância para o samba, a música que mais representa o Brasil, Sinhô é um nome praticamente desconhecido. Neste início de mês de agosto, fez 90 anos da sua morte. Na data em que deveriam ser reverenciados, pela mídia do País, os feitos do grande sambista, um silêncio sepulcral, como se dizia nos tempos idos, caiu sobre o nome de um dos fundadores da música popular brasileira. Seria imaginável algo semelhante ocorrer naquele país que a maioria da elite do Brasil tanto cultua, por exemplo, com Louis Armstrong, um dos iniciadores do jazz?

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    Sinhô foi um daqueles gênios que surgem no mais profundo Brasil Real. Nascido no Rio de Janeiro, na “era dos três oitos” dos tempos do Imperador Pedro II, filho de um pintor e decorador de paredes, cedo demonstrou aptidão para batucar, com seus dedos longos, em um velho piano que existia na casa dos seus avós. Nunca foi de estudar, era semianalfabeto. Ainda jovem, já era habilíssimo ao piano, que tocava de ouvido. Logo se tornou conhecido como músico profissional, se apresentando em modestos clubes, gafieiras e agremiações carnavalescas, como Kananga do Japão. O seu prestígio como pianista, na época, pode ser comprovado em anúncios de festas que eram publicados nos jornais, que o colocavam como atração do baile, em alguns deles juntamente com Pixinguinha, como se vê em um que saiu, em julho de 1915, no Jornal do Brasil: “Abrilhantará este o choro de cordas regido pelo exímio flautista Pexinguim e o valente cronista Sinhô Pianista”. Outro anúncio, o apresentava como “o saltitante e harmonioso pianista Sinhô”.

    Para Edigar de Alencar o samba Pelo Telefone, que foi uma criação coletiva feita numa roda de samba na casa da baiana Tia Ciata, teria sido uma das primeiras participações de Sinhô como compositor, embora ele não apareça na autoria da música. O sucesso de Pelo Telefone fez com que Sinhô enveredasse pela composição. Para Ruy Castro, que escreveu um livro sobre o Rio de Janeiro nos anos 1920, em meados daquela década, “quando se falava em samba, um dos poucos nomes que vinham à mente era o de Sinhô. Fora ele quem o levara para o veículo mais popular do País: o teatro de revista. Somente em 1928, sua música estaria em doze espetáculos”. As músicas de Sinhô estavam na boca do povo e nenhum outro compositor da sua época alcançou o seu sucesso popular. O disco com Jura, um dos seus sambas mais conhecidos, na voz do cantor Mario Reis, atingiu uma vendagem de 30 mil cópias, somente no primeiro ano, quantidade nunca antes alcançada no Brasil.
Embora de poucas letras, Sinhô tinha entre seus maiores amigos, intelectuais como  Álvaro Moreyra, Luís Peixoto e José do Patrocínio Filho, este último, segundo José Ramos Tinhorão, “era tão fanático na admiração por Sinhô, que se ajoelhava para ouvi-lo. Pois seria esse o filho do chamado Tigre da Abolição o responsável pela coroação pública de Sinhô como Rei do Samba, em 1927, no clímax de uma festa no Teatro República”. Embora tenha feito o samba Amar a Uma Só Mulher, homenageando a perfeita união do casal Eugênia e Álvaro Moreyra, Sinhô não cumpria o preceito contido no título da sua música. Casou três vezes, teve incontáveis amores e levava uma vida boêmia. Apesar de ser um bebedor moderado, o desregramento em que vivia cobrou seu preço. No dia 4 de agosto de 1930, Sinhô tomou, no final da tarde, a barca da Cantareira, para viajar da Ilha do Governador, onde morava, para o Rio, para mais uma noitada. No percurso, sofreu uma brutal hemoptise, decorrente de uma tuberculose que ele ocultava, e teve morte súbita. Tinha 42 anos. No dia seguinte foi sepultado. O poeta Manuel Bandeira, que esteve no seu velório, fez a crônica, O Enterro de Sinhô, da qual extraí alguns trechos:



    “J. B. SILVA, o popular Sinhô dos mais deliciosos sambas cariocas, era um desses homens que ainda morrendo da morte mais natural deste mundo dão a todos a impressão de que morreram de acidente […] a gente não podia deixar de gostar dele desde logo, pelo menos os que são sensíveis ao sabor da qualidade carioca. O que há de mais povo e de mais carioca tinha em Sinhô a sua personificação mais típica, mais genuína e mais profunda. De quando em quando, no meio de uma porção de toadas que todas eram camaradas e frescas como as manhãs dos nossos suburbiozinhos humildes, vinha de Sinhô um samba definitivo, um Claudionor, um Jura, com um “beijo puro na catedral do amor“, enfim uma dessas coisas incríveis que pareciam descer dos morros lendários da cidade, Favela, Salgueiro, Mangueira, São Carlos, fina-flor extrema da malandragem carioca mais inteligente e mais heroica

[…] Vi-o pela última vez em casa de Álvaro Moreyra. Sinhô cantou, se acompanhando, o “Não posso mais, meu bem, não posso mais“, que havia composto na madrugada daquele dia, de volta de uma farra. Estava quase inteiramente afônico. Tossia muito e corrigia a tosse bebendo boas lambadas de Madeira R. Repetiu-se a toada um sem número de vezes. Todos nós secundávamos em coro.

[…] Não faz uma semana eu estava em casa de um amigo onde se esperava a chegada de Sinhô para cantar ao violão. Sinhô não veio. Devia estar na rua ou no fundo de alguma casa de música, cantando ou contando vantagem, ou então em algum botequim. Em casa é que não estaria; em casa, de cama, é que não estaria. Sinhô tinha que morrer como morreu, para que a sua morte fosse o que foi: um episódio de rua, como um desastre de automóvel. Vinha numa barca da Ilha do Governador para a cidade, teve uma hemoptise fulminante e acabou.

[…] Seu corpo foi levado para o necrotério do Hospital Hahnemanniano, ali no coração do Estácio, perto do Mangue, à vista dos morros lendários… A capelinha branca era muito exígua para conter todos quantos queriam bem ao Sinhô, tudo gente simples, malandros, soldados, marinheiros, donas de rendez-vous baratos, meretrizes, chauffeurs, macumbeiros (lá estava o velho Oxunã da Praça Onze, um preto de dois metros de altura com uma belida num olho), todos os sambistas de fama, os pretinhos dos choros dos botequins das ruas Júlio do Carmo e Benedito Hipólito, mulheres dos morros, baianas de tabuleiro, vendedores de modinhas… Essa gente não se veste toda de preto. O gosto pela cor persiste deliciosamente mesmo na hora do enterro. Há prostitutazinhas em tecido opala vermelho. Aquele preto, famanaz do pinho, traja uma fatiota clara absolutamente incrível. As flores estão num botequim em frente, prolongamento da câmara-ardente. Bebe-se desbragadamente. Um vaivém incessante da capela para o botequim. Os amigos repetem piadas do morto, assobiam ou cantarolam os sambas (Tu te lembra daquele choro?). No cinema d’a Rua Frei Caneca um bruto cartaz anunciava “A Última Canção” de Al Johnson. Um dos presentes comenta a coincidência. O Chico da Baiana vai trocar de automóvel e volta com um landaulet que parece de casamento e onde toma assento a família de Sinhô. Pérola Negra, bailarina da companhia preta, assume atitudes de estrela. Não tem ali ninguém para quebrar aquele quadro de costumes cariocas, seguramente o mais genuíno que já se viu na vida da cidade: a dor simples, natural, ingênua de um povo cantador e macumbeiro em torno do corpo do companheiro que durante tantos anos foi por excelência intérprete de sua alma estoica, sensual, carnavalesca.”




                                                            Jura – Zeca Pagodinho



Kananga do Japão – Projeto Pixinguinha na Pauta
                                     
 Dorival Caymmi e Altamiro Carrilho – Gosto que me Enrosco


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2 COMENTÁRIOS

  1. Nestes tempos de total obscurantismomo que estamos vivenciando ou seja em que parece que o apreço pela cultura desapareceu por completo, este site é um verdadeiro oásis aonde se pode encontrar alento
    Aprecio muito o samba e foi bom saber mais sobre a sua história e suas origens. Sobre estas, pena que o negro também no Brasil seja tão injustiçado

  2. O nosso sitio tem procurado primar por: verdade, qualidade e coerência.
    Estamos a serviço da história, da economia política, do folclore, da geografia, do meio ambiente, do bem estar e da qualidade de vida do povo.
    As referências de qualidade que são muitas não nos envaidece e ao contrário nos estimula a aprimorarc ainda mais.

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