
Por: João Vicente Machado Sobrinho;
De há muito a questão da segurança pública no Brasil está na ordem do dia e o tema tem sido a pauta predileta de parte da imprensa oficial. Existem emissoras de televisão, que transmitem seus programas diários em redes e dedicam quase todo o horário diurno à difusão exagerada, de notícias criminais–policialescas.
A cidade do Rio de Janeiro, pela sua inquestionável beleza natural ganhou a alcunha carinhosa de cidade maravilhosa, paradoxalmente convive de há muito, com a contravenção, desde o período imperial. Naquela época, o imperador Dom João VI, idealizou a construção de um Jardim Botânico na margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, além de um Jardim Zoológico em Vila Isabel. Todavia não dispunha de recursos para nenhuma das duas obras. O Barão de Drummond com muita criatividade, idealizou como forma de captação de recursos, uma espécie de loteria com 25 animais conhecidos.

Estava criado o inicialmente inocente jogo do bicho, o qual, depois de servir ao seu objetivo inicial, ao invés de ser extinto, foi adquirido por alguns endinheirados da época, virando uma loteria que o povo denominou Jogo do Bicho, onde o prêmio era em dinheiro vivo.
Com a expansão do uso das drogas, mesmo sendo elas de uso das elites financeiras e culturais da cidade maravilhosa, houve um casamento perfeito com o jogo do bicho e os dois passaram a ser comercializados na clandestinidade, tornando-se uma contravenção. A cidade foi zoneada, cabendo a cada bicheiro um espaço para a sua atividade que entre eles não era harmônica. Vez por outra um bicheiro era eliminado fisicamente numa pratica idêntica à da máfia siciliana. Segregados no convivio social, pela burguesia carioca, passaram a granjear simpatia com o financiamento e os desfiles das escolas de samba, com os times de futebol e com as comunidades pobres dos morros. Todavia, e de forma estratégica, assumiram as necessidades básicas da população das favelas e o patrocínio eleitoral de grande parte da classe política, através de investimento pesado nas suas campanhas, em troca da manutenção da ilegalidade e para se livrarem dos impostos, além de proteção para os seus crimes, nas três esferas de poder estadual: executivo, legislativo e judiciário.
(Sugerimos aos interessados, assistir à série em 6 capítulos VALE O ESCRITO, na Globo Play)

A droga pesada não demorou muito a subir os morros cariocas, apesar de muito reduzida em qualidade, reservada à gente fina do asfalto, de maior poder aquisitivo. Como substitutivo desenvolveram um subproduto da pasta de cocaína, bem mais barato, a que deram o nome de craque ou pedra. O seu efeito alucinógeno é muito passageiro, porém por atingir o sistema nervoso central, tem um grande potencial de dependência química. Os usuários pobres, como forma de custear o vício, se transformaram em simples transportadores da droga com o codinome de mulas. Foi dessa forma, que o vício tomou conta dos morros e se espalhou pelo Brasil, destruindo a saúde dos usuários e promovendo a desagregação familiar. Muitas vezes eles pagam com a própria vida por ocasião dos acertos de conta ou até mesmo por simples queima de arquivo. O fato é que nos dias atuais, a droga é uma epidemia presente até na zona rural.
A cada ano que passa, a violência vai crescendo e adquirindo novas formas, a ponto de parecer apontar para algo de solução impossível, muito embora alguém já tenha dito que “o impossível é uma questão de tempo”.
É exatamente isso que acontece atualmente com o Rio de Janeiro. Alguém poderia perguntar se nunca houve por parte do poder público, nenhuma iniciativa no sentido de enfrentar essa questão de forma radical, ou seja, indo às raízes da questão e não somente pela eliminação física dos infratores da arraia miúda. A estratégia que querem usar é enganosa e é igual à solução de “matar a vaca para acabar o carrapato.”
Na verdade, mesmo à contragosto de parte da classe política e da imprensa formadora de opinião, surgiu uma iniciativa inteligente no fecundo e operoso governo de Leonel Brizola, entre os anos de 1.983 a 1.987 e foi planejado em diversas frentes. A segunda delas, ainda é uma proposta de iniciativa do governo do presidente Lula que vem sendo estranhamente atacada pela extrema direita. A ideia é a constituição de um Serviço Unificado de Segurança Pública-SUSP, que foi enviada ao Congresso Nacional desde 23 de abril de 2025 e somente agora começa a ser discutida de forma tendenciosa.
É de pleno domínio público que a segurança no sistema federativo brasileiro, é uma responsabilidade dos Estados, que para isso conta com o apoio financeiro da União. Em relação à assistência social devida à população carente, que também é uma responsabilidade do Estado, nunca foi cumprida na sua plenitude. Esse espaço vazio, estranhamente deixado pelo Estado, foi sendo gradualmente ocupado pela contravenção e, por milícias armadas, com a justificativa de proteção.
Elas foram crescendo e, na medida em espalharam seus tentáculos, foram se tornando cada vez maiores até se tornarem incontroláveis nos dias de hoje. Passaram a ocupar gradualmente todas as regiões socialmente frágeis, se adonando à ponto de atualmente darem as cartas, vendendo à comunidade assustada todos os serviços essenciais como; água, esgotos, energia elétrica, transporte, gás de cozinha, telecomunicações etc.
Leonel Brizola, com muita coragem e a sua visão futurista, levou às favelas os serviços essenciais básicos como: água, esgotos sanitários de tecnologia diferenciada do convencional, energia elétrica, serviço de transportes, e prestação primaria de saúde. Além disso, com um arrojado projeto arquitetônico da autoria de Oscar Niemayer e as diretrizes pedagógicas do professor Darcy Ribeiro, foi estabelecida uma meta de construção de 500 Centros Integrados de Educação Pública-CIEPS.
Nos CIEPS a criança entrava pela manhã, tomava banho, tomava o café da manhã e fazia as demais refeições, só saindo no início da noite para ir dormir em casa, no convivio do lar, com o pai e a mãe que trabalhavam o dia inteiro. Vejamos um resumo dessa história na reportagem da revista piauí:
“Em 8 de maio de 1985, foi inaugurado no bairro do Catete, no Rio de Janeiro, o primeiro Centro Integrado de Educação Pública (Cieps) – escola de ensino integral, com atividades esportivas e culturais, refeições, atendimento médico e odontológico para as crianças. A arquitetura do local, concebida por Oscar Niemeyer, tinha particular importância. A escola era composta de um bloco principal com as salas de aula, tendo à esquerda a quadra esportiva e no recuo posterior direito a biblioteca. O prédio tinha uma escala imponente e mantinha a fluidez do térreo, com os pilotis suspendendo o edifício do chão. Não havia nada parecido no Rio de Janeiro entre as construções escolares.
A meta do governador Leonel Brizola e de seu vice, o antropólogo Darcy Ribeiro – que conceberam os Cieps – era construir quinhentas dessas escolas até 1987. Em seus dois mandatos, o governador ergueu 506. “O aprendizado começava com a criança tomando um banho diário ou escovando os dentes e podendo se alimentar com três refeições completas”, conta Lúcia Velloso Maurício, responsável pelo Programa de Formação de Professores dos Cieps entre 1991 e 1994. Eram operações cotidianas inimagináveis para muitas dessas crianças, escreve Alexandre Benoit, na edição deste mês da Piauí.
Também foi desenvolvido um novo material didático, que abordava temas como negritude, indigenismo, igualdade de gênero e América Latina. O aprendizado partia da realidade das comunidades em que as crianças estavam inseridas. A articulação de todas as atividades era feita pelos animadores culturais, profissionais escolhidos dentro da própria comunidade que poderiam usar a arte como elo geral. Não demorou para que os “Brizolões” – como os Cieps passaram a ser conhecidos – atraíssem forte reação da oposição. A começar pela grande imprensa, que nunca manteve uma relação cordial com Brizola. Uma das acusações dizia que o orçamento dos Cieps era maior que o de duas ou três secretarias de estado juntas, sugerindo que os demais serviços públicos estavam sendo sucateados em decorrência dos gastos com as novas escolas. Um deputado do PMDB chegou a dizer que iria abrir uma CPI contra o ensino integral, pois não fazia sentido uma criança estudar tantas horas por dia.
Os ataques aos Cieps resultavam muitas vezes da rivalidade política, mas também eram fruto do preconceito de classe e cor. As novas escolas estavam baseadas na multiplicação do tempo das crianças pobres, com a educação integral. Isso significava fornecer a essas crianças mais tempo educacional do que a sociedade estava disposta a bancar. Para que investir na formação de cidadãos conscientes de seus direitos, usufruindo de vantagens que são dadas somente a uma elite, se essas crianças serão, na vida adulta, cidadãos de segunda linha, trabalhadores precarizados ou excluídos?
Não é difícil perceber a novidade que os Cieps representaram para o ensino e ainda representam, tanto mais se contrastados à conjuntura atual, bastante regressiva, mesmo em termos educacionais, a ponto de ressuscitar o modelo cívico-militar para as escolas.”

Não há como negar o pavor que os grupos econômico-financeiros tinham, não do homem Leonel Brizola, que era de fato corajoso, mas do político Leonel Brizola. Chegou ao ponto em que as elites da zona sul passaram a odiá-lo, como ele próprio dizia na sua maneira enfática:
“as elites do Rio de Janeiro me odeiam!”
Ao fim do seu segundo governo a ideia dos CIEPS que já havia entrado em banho-maria ao fim do primeiro foi definitivamente riscada do mapa do Rio de Janeiro, mesmo com 506 unidades construídas, superando a meta inicial.
Moreira Franco, um político nanico que foi eleito com o apoio das organizações Globo em substituição a Brizola, na primeira hora do seu primeiro dia de mandato, sepultou de vez a ideia dos CIEPS, por serem segundo eles muito caro.

Enganam-se os que pensam que Brizola teria sido foi autor de um milagre. O que ele fez de fato, foi algo material muito simples, porém grandioso. Como governante ele levou as ações sociais do Estado para os moradores dos morros para matar não as pessoas, porém as desigualdades sociais, fazendo com que o Estado ocupasse o seu verdadeiro papel social, na sua indeclinável responsabilidade que foi usurpada pelo crime organizado. Se fizermos um balanço temporal dos fatos entre o último ano do governo Brizola e a época contemporânea, iremos nos deparar com uma geração de marginais na faixa etária entre 25 e 35 anos, que são os atuais emissários das facções criminosas, chamados pejorativamente de mulas. Elas foram as crianças escorraçadas dos CIEPS por políticos do jaez de Claudio Castro. Nos tempos atuais, as crianças daquela época ao invés serem mulas a serviço da contravenção, poderiam ser profissionais liberais de alto nível de escolaridade, nas mais diversas formações e estarem prestando seus serviços para a própria comunidade, educando e resgatando os seus parentes e amigos, para liberta–los do flagelo da droga.
Voltando à questão da segurança pública como um todo, poderemos perceber claramente que o Sistema Único de Segurança Pública-SUSP, tal como proposto pelo governo Federal, em sua essência, preconiza uma abordagem multifacetada da segurança pública, nos moldes dos SUS. Propõe a integração sistêmica das forças de segurança nas três instancias de governo: União, Estados e Municípios. Mutatis mutandis, nos mesmos moldes do SUS, a proposta é de um sistema integrado de segurança pública modelar igualmente ao SUS, que inquestionavelmente é um paradigma e uma referência mundial.
Em se tratando do combate ao crime organizado e das facções criminosas, o SUSP faria uso dos serviços de investigação e inteligência do conjunto, complementado por políticas públicas sociais preventivas, levando o poder público de volta aos morros, de onde o Estado se afastou.
Há algo de fundamental importância na proposta do SUSP que é o investimento permanente em inteligência e tecnologia, focada coletânea de dados, para usá-los na desarticulação e na atuação das facções criminosas em âmbito nacional.
Todo planejamento e diretrizes deverá ser centralizado da União, e a execução ficará à cargo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Toda a governança do SUSP seria financiada através de um Fundo Nacional Permanente de Segurança Pública e Penitenciário Nacional.

Essa estrutura racionalmente planejada, tem por objetivo maior asfixiar monetariamente o crime organizado, para quebrar o elo da corrente da droga.
Todavia o SUSP não tem contado com o assentimento dos governadores de estados hegemonizados pela extrema direita. Eles rejeitam a participação da Policia Federal alegando que haveria uma quebra do pacto federativo enfraquecendo o poder (que poder?) de Estado limitando-lhe as forças. A imprensa tem noticiado que metade da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, têm vínculos umbilicais com as facções criminosas e com a contravenção. Os sobressaltos políticos do Rio de Janeiro foram tantos que em um só mandato, foram destituídos e presos 6 governadores, o presidente da AL, deputados e até mesmo conselheiros do Tribunal de Contas do Estado-TCE, provavelmente indicados por eles. O buraco que, pelo visto é muito mais embaixo e pode sugerir blindagem das emendas imorais. Isso nos leva a crer que, os capos da máfia da droga e da contravenção, nem são favelados nem vivem foragidos e sim nos condomínios e residenciais de luxo, tento em políticos como Romeu Zona, Claudio Capo, o Outsider de São Paulo, e Ronaldo Pintado os seus capatazes.

A matança indiscriminada de pessoas na chacina promovida pelo governador Claudio Castro.
Essa pantomima armada pelo governador do Rio de Janeiro, tem por objetivo mudar o verdadeiro foco da violência, culpabilizando a presidência da república. Querem transformar o presidente Lula em um alvo político, para afastá-lo do caminho dos reais criminosos e para que o livre trânsito das fações não seja prejudicado. Será?
Parece ser, pois a última má noticia vem maias uma vez de Hugo Motta que, anunciou como relator do SUSP, ninguém menos do que Guilherme Derrite, um major da policia militar de São Paulo, afastado da ROTA por excesso de violência. Ele é um deputado federal licenciado da Secretária de Segurança Pública de São Paulo, estado governado pelo major Tarciso Freitas, totalmente infenso a ideia do SUSP e que tenta a todo custo e estranhamente, defender o modelo atual.
É disso, sobre isso e, muito mais do que isso, que o povo do Rio de Janeiro e do Brasil precisa saber. Provavelmente o povo terá de mais uma vez ocupar as ruas para peitar a banda podre da Câmara dos deputados. Não dá para esperar o ajuste de contas de 2016!
“A praça? a praça é do povo
Como o céu é do condor.!”
Antonio de Castro Alves
Referências:
A novidade integral e ainda atual dos Cieps – revista Piauí;
O Povo Brasileiro – a Formação e o Sentido do Brasil | Amazon.com.br;
Pedagogia do oprimido | Amazon.com.br;
Fotografias:
https://outroladodahistoria.com/a-historia-do-jogo-do-bicho;
FAPERJ-CIEPS;
Marinho bombardeou. Mas os destruidores de Ciep têm nome: Moreira e Marcello – TIJOLAÇO
Rio de Janeiro após operação mais letal da história do Estado: o que acontece agora? – Estadão;




