A vida secreta das janelas

Por: Antônio Couras;

Há um instante do dia em que as janelas parecem falar. Não é de manhã, quando o sol se apressa em invadir os cômodos, nem à noite, quando o cansaço nos faz fechar cortinas e persianas para encerrar o mundo. É naquele meio-termo, quando o tempo parece suspenso e as frestas revelam mais do que escondem. É nesse intervalo que percebo a vida secreta das janelas.

Sempre tive uma fixação por elas. Talvez porque, desde criança, aprendi a me encantar com aquilo que se via pela moldura de vidro, um relance da vida de outras pessoas. Mas a vida secreta das janelas não está apenas no que deixam entrar. Está também no que elas permitem guardar. As janelas são confidentes silenciosas. Elas sabem de tudo: quantas vezes alguém chorou olhando para a rua, quantas vezes riu escondido atrás da cortina, quantas vezes esperou, com ansiedade, a chegada de alguém que nunca veio.

Certa vez, morei num apartamento, em uma rua de bairro movimentado. À noite, quando as pessoas acendiam as luzes de suas casas, as fachadas se transformavam em um grande teatro. Bastava olhar para ver cenas inteiras de vida. Um oferecimento da mania moderna de fachadas cheias de vidro contraintuitivas para o nosso clima e privacidade.

Eu não invadia a privacidade de ninguém — era um espectador acidental. Era um espetáculo anônimo, que me fazia refletir: cada janela é um palco, e a vida, mesmo em sua banalidade, tem algo de cênico. Talvez por isso tantos pintores e escritores tenham se encantado por janelas. São molduras naturais da condição humana.

As janelas também denunciam humores. Uma janela aberta, escancarada, parece dizer: “Entre, vida, eu te recebo”. Já uma janela fechada, de cortinas cerradas, parece recusar o mundo, esconder-se dele. Quantas vezes, em dias de tristeza, eu mesmo fechei minhas janelas, como se pudesse impedir que a dor atravessasse os vidros.

Mas há algo curioso: mesmo quando as fechamos, as janelas guardam uma promessa de abertura. Elas estão sempre ali, lembrando que o mundo continua, lá fora, esperando. Talvez seja por isso que, nos hospitais, tantos pacientes buscam consolo em uma janela. Ver um pedaço de céu é, de certo modo, uma garantia de que ainda há horizonte.

Cada pessoa carrega dentro de si janelas invisíveis, abertas para lembranças que insistem em nos visitar.
A janela do quarto da adolescência, por exemplo, me vem à mente com frequência. Não tinha vista nenhuma dele.

Só um telhado que se encontrava com o muro. Coloquei uma janela enorme, quase uma porta. Mas pedi para tirarem um pouco das telhas para que pudesse ver o céu, e ter um pouco de luz entrando ali. As vezes janelas podem ser mais sobre desejo do que realidade. Desejava um lindo jardim se desenrolando por ali. Pássaros, flores e borboletas, mas o máximo que conseguia era um telhado furado e os carros estacionados.

Há também a vida social das janelas. Quem nunca trocou um aceno com um vizinho à distância? Quem nunca viu uma mão desconhecida se despedindo, um rosto curioso espiando, uma cortina balançando em cumplicidade?

Mas as janelas também guardam segredos. Quantos amores nasceram de olhares trocados entre vidraças? Quantos romances foram regados à luz da lua, com serenatas improvisadas sob janelas entreabertas? Os poetas sabiam disso: basta lembrar das cantigas medievais, dos versos românticos, das juras feitas a quem espiava detrás de uma cortina. A janela é sempre um convite ao encontro.

Se de dentro olhamos para fora, de fora também olham para dentro. Quando caminho à noite por ruas residenciais, observo como cada janela iluminada revela mundos particulares. Uma mesa posta, uma televisão ligada, alguém lendo no sofá. São retratos fugazes de vidas que nunca conheceremos por completo, mas que nos lembram de que todos carregamos nossas próprias histórias.

Essas cenas anônimas me confortam. Elas dizem que o mundo é feito de cotidianos sobrepostos, e que, mesmo sem nos conhecermos, partilhamos rituais semelhantes: preparar o jantar, descansar depois do trabalho, acender uma luz para afastar a escuridão.

Talvez a função mais bonita das janelas seja oferecer esperança. Durante a pandemia, quando todos estávamos enclausurados, as janelas se tornaram nosso elo com a vida. Dali víamos vizinhos cantando, artistas tocando instrumentos, crianças soltando bolhas de sabão. Cada janela era uma resistência silenciosa contra o isolamento.
Aprendi, então, que uma janela não é apenas um buraco na parede. É um pulmão da casa. Por ela respiramos o mundo.

Há, por fim, as janelas que carregamos dentro de nós. São aquelas que se abrem quando aceitamos novas ideias, novos sentimentos, novas experiências. Uma pessoa fechada é como uma casa de janelas lacradas: não entra luz, não circula ar. Já alguém de coração aberto é uma construção repleta de janelas escancaradas, onde tudo se renova constantemente.

Talvez a vida seja, no fundo, esse exercício de abrir janelas. Deixar que o vento leve o que já não serve, permitir que a claridade revele cantos escuros, aceitar que o olhar do outro nos alcance.

As janelas não falam, mas escutam. Guardam promessas, silêncios, gestos interrompidos. São testemunhas discretas daquilo que somos quando ninguém nos vê.

E é nesse segredo — o de conservar sem revelar — que reside sua beleza maior.
Da próxima vez que passar diante de uma janela iluminada, lembre-se: ali dentro existe uma vida inteira, com alegrias, medos, sonhos e ausências. E, quem sabe, do outro lado do vidro, alguém também esteja olhando para você, perguntando-se qual é a vida secreta da sua janela.

Comentários Sociais

Mais Lidas

Arquivo