Dividir Para Reinar: A velha Estratégia de Júlio César Resiste

Por: João Vicente Machado Sobrinho;

Desde o período do Império Romano, o poder dominante aprendeu a sobreviver e a se fortalecer, de modo inversamente proporcional à magnitude das forças que ousassem desafia-lo. O imperador Júlio César, um político sagaz, era sobretudo um extraordinário estrategista, que aperfeiçoou a arte já em voga, de dividir para dominar—estimulando e fomentando rivalidades, distribuindo favores e plantando a desconfiança entre  componentes dos grupos adversários.

Vários séculos se passaram e essa estratégia continua viva e presente, com o diferencial de uma nova e modernosa vestimenta. Na época contemporânea, a divisão se aprofundou e, ao invés de se verificar apenas entre legiões militares e o senado, como ocorria no Império Romano, ela fragmentou-se e se expandiu. Muito mais eficaz, desceu à nível de cidadãos, de agrupamentos sociais e alastrou-se no seio da opinião pública. A velha premissa do divide et impera, se mantem praticamente inalterada, no sentido de manter o povo dividido com as suas diferenças. (etnia, raça, diversidade, cor da pele etc) Enquanto isso, o poder se consolida nas mãos opressoras dos verdadeiros inimigos. A prática da pulverização política é um exemplo, a manipulação midiática é outro exemplo, o uso calculado e maquiavélico das redes sociais é outro exemplo. Como podemos perceber essa estratégia do Imperador Júlio Cesar ainda é atual e assustadora.

O exemplo mais conhecido e mais didático dessa estratégia de Júlio Cesar aconteceu com Jesus Cristo. A prisão e o julgamento sumário do Cristo, em dois tribunais distintos,  no curtíssimo  espaço de uma tarde, culminou com a condenação, a tortura, o escárnio, a crucificação, o suplício e a morte do Cristo.

Júlio Cesar, talvez tenha sido um dos poucos a entender que as palavras libertadoras e futuristas do Cristo, não faziam referência ao Império Romano. O próprio Cristo repetia exaustivamente que o seu reino não era daquele mundo atrasado, dando-nos a entender que muito teríamos de evoluir para atingir a plataforma do reino de Deus.

A manipulação política da condenação de Jesus Cristo.
Naquela ocasião, Pilatos que já houvera disseminado a cizânia entre os escribas, os sacerdotes, os zelotes e os partidários mais próximos do Cristo e influenciado até mesmo, pasmem, os próprios discípulos. Pedro e Judas Iscariotes, foram afetados psicologicamente pela manipulação imperial e vacilaram.

Usando a máxima divide et impera e a tática da desunião generalizada, Pilatos, que era um preposto de Júlio César, também percebeu que Cristo não era problema para a estabilidade do Império Romano. Ele pertencia à etnia judia, portanto era um problema dos Judeus, dos Escribas e dos Sacerdotes. Pilatos percebeu ainda que, a pregação do Cristo não era nenhuma ameaça ao Império Romano. Foi assim que ele, demagogicamente, lavou as mãos publicamente num ato de neutralidade de araque e pronunciou a celebre frase: “nada tenho a ver com o sangue desse justo.”

Lavagem de mãos: uma insinuação ou simples demagogia?
Observem que pelo entendimento do império romano o Cristo teria sido inocentado. Porém, a manipulação disseminada pelo Império, no seio da plebe, foi tamanha que  contaminou até os que faziam parte da Sua própria etnia judaica, os quais  se voltaram contra ele e o condenaram à morte. Havia em meio aos discípulos, alguns Zelotes como: Simão e Judas Tadeu,  primos de Jesus, além de Judas o Iscariotes.

Os Zelotes eram aguerridos combatentes, de matiz nacionalista, com coragem suficiente para desafiar e se contrapor à cruel dominação escravista do Império Romano. Eles ansiavam por um líder carismático, que assumisse o rumo da luta e levasse  o povo oprimido à libertação. A tese de que Judas era um deles, nos induz a pensar que a traição de Judas, que também era um companheiro de luta de Barrabás, pode ter sido motivada pela ideia de levar Jesus a um beco sem saída, forçando-O a uma revolta intima contra os Seus opressores.


Vejamos o que nos diz a bíblia em João cap. 18 vers. 33-40:

³³ Tornou, pois, a entrar Pilatos na audiência, e chamou a Jesus, e disse-lhe: Tu és o Rei dos Judeus?
³⁴ Respondeu-lhe Jesus: Tu dizes isso de ti mesmo, ou disseram-te outros de mim?
³⁵ Pilatos respondeu: Porventura sou eu judeu? A tua nação e os principais sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizeste?
³⁶ Respondeu Jesus: O meu reino não é deste mundo; se o meu reino fosse deste mundo, pelejariam os meus servos, para que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui.
³⁷ disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.
³⁸ Disse-lhe Pilatos: Que é a verdade? E, dizendo isto, tornou a ir ter com os judeus, e disse-lhes: Não acho nele crime algum.
³⁹ Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém pela páscoa. Quereis, pois, que vos solte o Rei dos Judeus?
⁴⁰ então todos tornaram a clamar, dizendo: Este não, mas Barrabás. E Barrabás era um salteador.

Um novo período de divisões imperialistas voltaria a acontecer, devido ao crescimento econômico e ao  enriquecimento dos países da Europa como: Inglaterra, França, Reino da Itália, Portugal e o Império Alemão. Estimulados pelo êxito econômico das suas economias, esses países decidiram dividir a África e estender os seus domínios para além do Mar Mediterrâneo, à procura de minerais nobres e matéria-prima para as suas plantas industriais florescentes.
Regidos por monarquias absolutistas, os impérios coloniais europeus da idade média apostaram mais uma vez na fragmentação social sugerida por Júlio Cesar, como instrumento de controle e nas ditaduras sanguinárias para sufocar quaisquer indícios de resistência por parte dos nativos. Mais uma vez o lema divide et impera seria usado, na propaganda, na censura que camuflava as decisões e ações imperiais. A França ocupou a Argélia, em 1832, a Tunísia, em 1881 e, em seguida, o Marrocos, criando assim, a África Ocidental Francesa. Portugal ocuparia: Ceuta em 1415, a Guiné-Bissau em 1446, por fim Cabo-Verde, São Tomé, Príncipe, Angola e Moçambique em 1498.
Com o mesmo intuito de expansão territorial, a Grã-Bretanha apossou-se do Egito em 1882, do Sudão e o sul da África em 1879, Gana, Gâmbia, Nigéria, Serra Leoa, países da chamada África Ocidental Britânica.

A partilha da África pelo Imperialismo europeu

O mundo contemporâneo não declinou da tática do general Júlio César do divide et impera, que além de continuar a existir, modernizou-se, foi fragmentada e se alastrou. A polarização política e ideológica que era difundida pelos arautos da corte, continua a ser difundida nos tempos presentes por agentes políticos, pela mídia oficial e pelas redes sociais, que operam manipulando, desinformando e fabricando inimigos imaginários. A cultura do nós contra eles, um forte instrumento de poder, está cada vez mais presente.

Quando falamos em divisionismo, em fragmentação e em identitarismo exagerado de grupos militantes nos partidos de esquerda, muito nos preocupa uma estratégia que julgamos equivocada, que é uma ameaça de ruptura do elo de união da massa oprimida. A nossa opinião aqui manifestada, pode ser até mal entendida e atrair contra ela a reação de alguns companheiros da classe trabalhadora, vítimas da manipulação, os quais poderão reagir com impropérios, e até mesmo nos cobrir de adjetivos indesejáveis.

A despeito disso, vejamos o que nos diz a teoria da práxis sobre essa questão de classe:

“Marx enxergava na luta de classes, o motor da história. Ele entendia que é ela que impulsiona e move os oprimidos na direção ao conflito entre classes antagônicas, na disputa pelo controle dos meios de produção. A importância conferida por Marx à luta de classes, concentra-se na visão de que essa luta não é um evento isolado e sim um processo fundamental que une e molda os oprimidos.”

O processo de exploração é inerente ao modelo de desenvolvimento capitalista e converge inexoravelmente para uma revolução que haverá de vir, causada pela indignação das massas oprimidas, que  lutam para derrubar este  sistema de exploração. Entretanto isso só será possível se houver unidade solida de classe, para não apostar no varejo e perder no atacado.

A pergunta que não quer calar é: por que a teoria de classes não faz referência ao racismo, à questão de gênero e à diversidade de um modo geral?

No nosso entendimento a teoria da luta de classes que é a matriz de todas as teorias da exploração, não explica o racismo, a questão de gênero e a diversidade especificamente, por preferir se concentrar na causa mater  da exploração econômica, abarcando a humanidade como um todo. Portanto é obvio ululante, que a luta de classes alberga todas as demais diversidades e uma vez resolvida na sua causa maior, é obvio que a classe como uma totalidade de explorados seja também contemplada.

Todavia, quando a fragmentação das forças oprimidas leva a pleitear um sem número de políticas públicas, oportuniza a atrofia da cidadania plena e da consciência coletiva, provocando a desconfiança generalizada dos seus pares. O alheamento da massa operária explorada, facilita sobremaneira a ocupação de espaços políticos por governos autoritários e o domínio das elites econômico-financeiras.

Nessa saga milenar da humanidade, em busca da libertação da classe oprimida, o caminho mais seguro é o da educação. Se não for possível uma forma de educação escolar, que seja pelo menos uma educação escolástica, que permita um casamento harmonioso entre a fé cristã e a razão. A educação é uma componente essencial da lapidação da ética e nos fornece uma arma invencível para enfrentar o debate democrático juntamente com os nossos pares. Além disso o processo permanente de convivência e de zelo para com a confiança e a solidariedade dos nossos companheiros, fortalecerá uma cidadania crítica, sólida e muito bem informada.

A classe dominante oportunisticamente e por ter plena consciência da importância e do caráter transformador da educação, opera no sentido de torna-la de péssima qualidade.

Para concluir devemos acrescentar que, a história nos ensina todos os dias, que a unidade da classe oprimida é a maior ameaça ao poder arbitrário. Dividi-la sempre foi o caminho mais fácil para dominar — e resistir a essa lógica é o maior desafio que têm àqueles que aspiram por uma sociedade que se pretenda livre. Enquanto aceitarmos a discórdia como nosso destino, Júlio César continuará a reinar entre nós.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências:
O génio militar de Júlio César
Bíblia Pastoral – Capa Cristal – Edição Especial: Edição Especial | Amazon.com.br;
Eu, Judas | Amazon.com.br;
Neocolonialismo na África – Brasil Escola;
Compêndio de O Capital. Carlo Cafiero – Editora Terra sem Amos;

Fotografias:
Marcelo Aith: A manipulação política da condenação de Jesus;
A lavagem de mãos de Pilatos – Pesquisar Imagens;
Imperialismo: Partilha da África;
Estratificação Social no Brasil | Passei Direto

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