
Por: Antonio Couras;
A existência prolongada de mulheres além da idade fértil é um fenômeno raro no reino animal. Entre milhares de espécies de mamíferos, apenas algumas — como humanos, orcas e determinadas baleias — apresentam um período significativo de vida pós-reprodutiva. Esse padrão sugere que a menopausa não é um acidente biológico, mas uma adaptação evolutiva com função específica. A chamada Hipótese da Avó (Grandmother Hypothesis), proposta inicialmente pela antropóloga Kristen Hawkes, interpreta a longevidade feminina como parte essencial do sucesso reprodutivo humano. Em vez de priorizar a produção contínua de novos filhos, a seleção natural teria favorecido mulheres que, ao sobreviverem além da fertilidade, aumentavam a sobrevivência dos descendentes já existentes.
A base desse argumento está no alto custo de criação humana. Diferente de outros primatas, em que filhotes tornam-se rapidamente independentes, crianças humanas dependem de cuidado intensivo por anos. O metabolismo cerebral elevado, o crescimento lento e a necessidade de aprendizado social tornam a infância um período extremamente caro em termos energéticos. Em sociedades caçadoras-coletoras, essa despesa seria grande demais para ser suportada apenas por uma mãe com crianças pequenas. Avós maternas — já não sobrecarregadas pela gestação e lactação — tornavam-se então recursos essenciais para distribuir tarefas e garantir suprimento nutricional contínuo às crianças.

Estudos demográficos apoiam essa dinâmica. Em populações tradicionais, como os Hadza da Tanzânia ou os povos indígenas da América, a presença de uma avó materna correlaciona-se com maior taxa de sobrevivência infantil e intervalos reprodutivos menores entre nascimentos. Ou seja: mães com apoio das próprias mães conseguem ter mais filhos com melhores chances de viver. Mais sobrevivência infantil implica maior transmissão genética — um cenário em que a longevidade pós-menopausa se torna adaptativa.
Outro pilar dessa hipótese é a certeza de parentesco. A avó materna sabe que seus netos carregam seu DNA. Já a avó paterna, devido à incerteza possível na paternidade, enfrenta maior probabilidade de investir recursos em crianças com quem não compartilha genes. Esse detalhe não é moral, mas matemático: do ponto de vista evolutivo, investir em descendentes cujo parentesco é garantido maximiza o retorno biológico. Isso explica por que avós maternas, em média, exercem impacto mais positivo na sobrevivência dos netos do que avós paternas — um padrão observado em estudos multiculturais.

Há ainda o componente ecológico. Mulheres mais velhas acumulam conhecimento sobre ciclos ambientais, disponibilidade de alimentos e riscos locais. Essa memória ecológica é especialmente valiosa em ambientes onde recursos variam sazonalmente. Estudos com orcas reforçam essa ideia: grupos liderados por fêmeas mais velhas sobrevivem melhor a escassez de alimentos porque as matriarcas lembram locais alternativos de caça. Entre humanos, esse mesmo mecanismo pode ter orientado migrações, rotas de coleta e estratégias de adaptação a mudanças climáticas pré-históricas, funcionando como uma forma de “tecnologia cognitiva” transmitida entre gerações.
Críticas à Hipótese da Avó existem, mas geralmente expandem, em vez de invalidar, sua lógica. Alguns pesquisadores sugerem que a menopausa é um subproduto da longevidade crescente — isto é, seres humanos passaram a viver mais, e o sistema reprodutivo não acompanhou. Contudo, essa explicação isolada não justifica por que fêmeas de outras espécies longas, como elefantes, continuam férteis até idades avançadas. Outras teorias complementares incluem a contribuição de homens mais velhos para a provisão de alimento, a cooperação entre irmãos e irmãs, e a evolução de estruturas sociais que favoreceram cuidado comunitário. O ponto é que a Hipótese da Avó não pretende ser a única explicação, mas uma peça central dentro de um mosaico adaptativo mais amplo.

Mesmo em sociedades modernas, onde a divisão de trabalho mudou e a dependência direta de avós diminuiu, suas funções históricas continuam detectáveis. Avós maternas ainda são figuras-chave no suporte a mães trabalhadoras, nos cuidados infantis e na transmissão de práticas culturais. Embora as demandas reprodutivas tenham mudado, a arquitetura social humana permanece marcada pela criação cooperativa: famílias distribuindo cuidados, avós ajudando a sustentar rotinas, e crianças beneficiando-se de vínculos intergeracionais. Pode-se dizer que vivemos hoje sobre as bases que essas mulheres lançaram milhares de anos atrás.
É possível que o papel das avós tenha influenciado, inclusive, a evolução da linguagem e da cultura. A necessidade de transmitir conhecimento complexo entre gerações cria pressão seletiva por comunicação mais sofisticada — um dos motores do desenvolvimento linguístico. A transmissão de histórias, mitos, técnicas e normas sociais também ganha estabilidade mais forte quando existe uma geração cuja principal função não é reproduzir, mas conservar e ensinar. Assim, longevidade pós-reprodutiva pode ter fornecido um ambiente ideal para a expansão cultural humana.
Em última análise, a figura da avó representa um elo entre biologia e cultura. A ciência pode medir seus efeitos em taxas de sobrevivência e modelos evolutivos, mas há algo adicional: a presença de adultos experientes cria um amortecimento social que diminui riscos, distribui responsabilidades e aumenta a previsibilidade da vida. Não por romantização, mas por engenharia social e biológica.

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Uma reflexão a extrair disso, talvez seja esta: a humanidade não se fez apenas de força, caça ou reprodução, mas de cuidado distribuído. A sobrevivência humana é um projeto coletivo, e as avós foram uma solução evolutiva elegante para o problema do alto custo da infância. Ao estudar essa história, aprendemos que nossa espécie não chegou até aqui apenas porque foi forte, mas porque soube cooperar entre gerações. Num mundo cada vez mais acelerado, talvez esse seja o lembrete mais científico — e ao mesmo tempo mais humano — que podemos recuperar.
As avós foram, e ainda são, fundamentais para que o ser humano tenha dominado todos os cantos do globo — a chave para termos crianças que dependem de nós por anos e, mesmo assim, podermos nos dedicar a outras atividades além do cuidado da prole. Talvez o fogo tenha nos permitido gastar menos tempo procurando alimento e consumindo-o, liberando energia e horas preciosas para desenvolvermos nossos cérebros; mas foram as avós que mantiveram, expandiram e transmitiram esse conhecimento. Sem elas, o fogo, a roda, e talvez até a pólvora e a penicilina teriam sido apenas fagulhas de genialidade destinadas a se apagar por falta de combustível. Os jovens podem até criar o mundo, mas são as avós que o mantêm girando.




