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InícioAntonio Henrique CourasQuem ama o feio bonito lhe parece – Parte 1

Quem ama o feio bonito lhe parece – Parte 1

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Uma das minhas frases preferidas para explicar um conceito, talvez, muito complexo como “beleza”. Quase uma variação de “o amor é cego”. O que nos mostra que o nosso olhar não é nem um pouco imparcial quanto à beleza. Mas, afinal, o que é a beleza? Para as artes “o belo” é capacidade que uma obra de arte tem de nos causar algum sentimento, ainda que medo, nojo ou repulsa. Para as artes o feio, literalmente, pode ser belo. Mas não falemos de artes hoje, vamos falar de corpos humanos. O que nos torna belos?

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Através da história nunca houve um consenso. Nem entre norte e sul, nem entre leste e oeste. Contudo nos últimos séculos, com as colonizações das nações europeias em todo o mundo, o padrão europeu se impôs de forma mais homogênea no mundo. Tipos como os do norte da Europa, altos, loiros e de olhos claros se impuseram quase unanimemente como o padrão de beleza ideal. Quanto qual é o padrão de beleza não há discussão. Basta se ligar a televisão e ver quem é o mocinho ou a mocinha da novela das 9, e lá está.

Mas vamos viajar um pouco no tempo para que o leitor possa acompanhar melhor meus devaneios. Na idade média (vamos ignorar um pouco que esse período durou quase mil anos e teve suas próprias idiossincrasias) com o domínio da Igreja sobre a sociedade, a imagem de “castidade” e “pureza” era a mais valorizada, roupas que não revelassem as formas, pele branca quase etérea… bem, e quem podia arcar para manter esse padrão? Os ricos. Maior quantidade de tecido para as roupas, roupas largas que dificultavam os movimentos e uma pele que vivesse abrigada do sol era algo que só aqueles que não se devotavam a atividades braçais poderiam ter.

Com a renascença, o padrão mudou um pouco. Com o poder da igreja mudando de forma e a redescoberta dos clássicos gregos e romanos, as roupas se ajustaram aos corpos e o influxo de riquezas na Europa fez com que a modéstia, tão valorizada nas épocas anteriores, se tornasse quase um item de museu. Ainda que a igreja e os Estados impusessem regras sobre quem poderia vestir o que, como vestir e até mesmo quanto gastar em uma roupa, leis sempre foram feitas para serem quebradas. Ainda nessa época (e até a revolução francesa no final do século 18), com a desculpa de retratar cenas mitológicas, o nu se tornou popular e passou a nos dar uma ideia de não só como a silhueta das pessoas era, mas como seus corpos eram. Ou melhor qual era o ideal de um corpo em sua época.

Para mim, dois exemplos são claros na “evolução” dos corpos durante esse período: A Alegoria da Primavera de Sandro Botticeli de meados do século 15, que dentre outras figuras representa “As Três Graças” e o outro exemplo é o quadro intitulado “As Três Graças” de Peter Paul Rubens de meados do século 17. Quase 200 anos separam as pinturas e podemos ver que as formas foram ficando mais “robustas” com o passar do tempo. Como já dizia vovó: gordura é formosura. E assim foi por bons séculos, e mais uma vez pergunto: quem poderia ter o padrão “rechonchudo” de beleza da renascença? Quem podia pagar comida. Mais uma vez a beleza era também um sinal de status. Os ricos que podiam ter tanta comida ao ponto de engordarem e não precisavam fazer trabalhos manuais que transformassem seus corpos em “sacos de nozes” como dizia-se na época. Corpos cheios de protuberâncias duras como os corpos dos trabalhadores que tinham seus músculos tesos pela força demandada em seu dia a dia.

Com a revolução francesa, a opulência e o exagero não só saíram de moda como se tornaram perigosos. Ver alguém exageradamente vestido, pintado ou alimentado poderia fazer um perder a cabeça. E aí vem o tedioso século 19 com sua moral burguesa, cheia de rituais de saúde e a pavorosa “beleza natural”. Pela primeira vez na história, a moda e a beleza não eram mais ditadas pelos que lutavam (nobreza) ou pelos que rezavam (clero), mas pelos que trabalhavam (burguesia). Nenhum retrato conta melhor essa história do que a Inglaterra vitoriana. Pela primeira vez deixamos de ter as cortesãs, preferidas, amantes oficiais de reis e príncipes. A família burguesa composta por pai, mãe e filhos era a nova regra. Uma caça aos exageros foi posta em prática. Rostos pintados deixaram de ser um luxo da nobreza e passaram a ser associados às prostitutas e atores(ofícios intimamente ligados à depravação e falsidade). Em seu retrato de coroação, a própria Rainha Victória aparece com trajes de arminho, diadema de diamantes, mas com a face imaculadamente limpa. “Honesta”, como se dizia.

Foi no século 19 e, principalmente, na Inglaterra que essa ideia de que o exterior refletia o interior se tornou prevalente. Nada mais de esconder as marcas de bexiga com maquiagem pesada como fez Elisabeth I, agora para ser agraciado com um belo rosto, o indivíduo deveria ser belo. Receitas da época indicam uma miríade de tratamentos para se ter uma pele bonita, dieta, exercícios, banhos… nada muito diferente do que encontramos hoje. Mas as maquiagens e “truques” estavam banidos. O romance “O Retrato de Dorian Gray” é puro reflexo desse pensamento. Um homem que comete atrocidades e ainda assim permanece belo pois a feiura de seus atos vai para o rosto de seu retrato e não o seu próprio. Essência e aparência se tornaram um só nessa época. Agora, classe, ganha uma estrelinha dourada quem adivinhar o motivo de tamanho foco em “beleza natural” dada no século 19, principalmente pelos ingleses.

Vou dar uma dica: quem era a maior potência militar e econômica do mundo nessa época e qual era um dos seus principais negócios dessa época? Isso mesmo, o tráfico negreiro, especialidade dos ingleses. Quem diria que a “beleza natural” teria a ver com a escravidão, não é mesmo?

Durante toda a história os padrões de beleza se envolveram ao redor de um ideal, fosse ele fertilidade, pureza, riqueza, sempre mudando de tempos em tempos e variando de lugar para lugar tendo em comum apenas que as regras ou padrões eram ditados de cima para baixo. O que se alterou após a revolução francesa foi que quem ditava essas regras não eram mais os líderes, mas os comerciantes, os ricos. Então o conflito entre céu e terra do barroco dos séculos 16 e 17; a redescoberta dos clássicos gregos e romanos que tiveram seu auge no classicismo do século 18; que regiam a sociedade até então foram substituídos pelo dinheiro e comércio no século 19.

E que forma melhor do que legitimar um dos seus negócios mais lucrativos do que dizer que os africanos escravizados eram inferiores, e que forma mais clara de atestar a sua inferioridade do que através de suas aparências? Ao se olhar para um negro poderia se atestar em segundos que sua condição de escravizado não era injusta. Estava “na cara” que tinham o destino que lhes servia.

 

A riqueza da Inglaterra (acumulação de capitais) que lhe proporcionou a revolução industrial e a própria revolução industrial foram baseadas na escravidão de africanos nas colônias europeias. Desde o ouro minerado em Minas Gerais que recheou os cofres britânicos e lhes proporcionou investir em inventos e fabricos, até o algodão cultivado no Alabama, tudo era feito por “mão escrava”. E foi da necessidade de se encontrar uma desculpa para se escravizar outros seres humanos em pleno século das luzes que surgiram pseudociências como a frenologia, que dizia que a forma de nossas cabeças era capaz de dizer tudo que nós éramos. De bons samaritanos a assassinos cruéis, tudo poderia ser dito ainda em tenra idade, e o sonho de se evitar crimes antes mesmo que eles fossem cometidos estava ao alcance das mãos. Prender-se-ia os indivíduos que apresentassem quaisquer características físicas que indicassem suas predisposições ao crime. E adivinhem quais eram essas características? Isso mesmo, todas aquelas que fossem prevalentes em povos não brancos.

E assim, sutilmente, foi que a burguesia inglesa do século 19 incutiu em todos nós ideias de que características físicas associadas a negros eram “feias”. Narizes largos, cabelos crespos, lábios carnudos… conceitos que só começaram a ser revistos nas últimas décadas.

Mas por hoje já chega de História, continuemos na próxima semana. Até lá!

 

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